16/10/2012

Acordo prevê referendo sobre independência da Escócia


escócia e reino unido (Foto: Gordon Terris/AP)Um aperto de mãos histórico marca nesta segunda-feira (15) o encontro entre os primeiros-ministros do Reino Unido, David Cameron, e da Escócia, Alex Salmond, em Edimburgo, capital escocesa. Os dois assinam um acordo segundo o qual a Escócia fica autorizada a convocar um referendo para saber se sua população quer se tornar independente do Reino Unido. A consulta está prevista para ocorrer no segundo trimestre de 2014. Se o “sim” vencer, haverá um período de transição de dois anos para o país declarar sua soberania. Com o acordo, pelo menos politicamente a luta pela independência na Escócia avança em relação à da Catalunha, uma região autônoma da Espanha que está em aberta campanha separatista mas não consegue o aval do governo central. Ali, o povo quer, mas as autoridades não se entendem. Na Escócia, é exatamente o contrário.
Grande parte do mérito pela realização do referendo deve ser creditada a Alex Salmond. Desde que assumiu o cargo em 2007, Salmond, líder do Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla em inglês), esteve comprometido com a causa independentista. A oportunidade só veio, porém, quatro anos depois, com a conquista da maioria absoluta dos assentos do Parlamento de Holyrood, em Edimburgo. A partir dali, seu governo ganhou força para negociar com Londres. O Reino Unido nasceu de um tratado de união entre os reinos da Inglaterra e da Escócia em 1707. Os escoceses têm governo, parlamento e sistema jurídico próprios, mas estão vinculados ao parlamento britânico em questões como sistema tributário, defesa, política externa e previdência. A vitória do “sim” no referendo daria autonomia total em relação à Inglaterra, ao País de Gales e à Irlanda do Norte, os outros três membros do Reino Unido. Mas os laços se manteriam na figura da rainha Elizabeth II, que seguiria como chefe de Estado da Escócia. Seria um modelo parecido ao de Austrália e Canadá, que integram a Commonwealth, uma comunidade de 54 nações que já foram territórios do Império Britânico (exceto Ruanda e Moçambique, na África). O plano é também manter a libra esterlina como moeda escocesa.
Nestes próximos dois anos, o desafio do SNP será convencer a população escocesa a comprar a ideia da independência. Se fosse realizada hoje, a consulta provavelmente terminaria com a vitória do “não”. Segundo uma pesquisa do instituto britânico TNS BMRB divulgada no dia 8, 53% dos escoceses votariam contra a separação do Reino Unido, ante 28% de votos para o “sim”. No início do ano, de acordo com o TNS BMRB, a fatia favorável à independência variava entre 35% a 38%. Na última manifestação pró-separatismo, realizada em Edimbrugo no fim de setembro, cerca de 5 mil pessoas foram às ruas – um número ínfimo se comparado à multidão de 1,5 milhão de catalães que gritaram por independência em atos também no mês passado. Os escoceses não parecem dispostos a perder algumas vantagens econômicas de serem vinculados ao Reino Unido, entre elas a participação na União Europeia (UE). Bruxelas já deixou claro que um Estado formado a partir da separação de um integrante do bloco não será automaticamente integrado. Os gastos decorrentes da criação de Forças Armadas e de corpo diplomático também freiam os ânimos separatistas. Diante desse cenário adverso, Salmond defendia a inclusão de uma segunda questão à consulta popular, sobre um aumento da autonomia do parlamento escocês. Nesse ponto, o governo britânico não cedeu – a pergunta é uma, “sim” ou “não” para a independência total. O líder escocês aposta no fato de que, até 2014, as medidas britânicas de corte de gastos públicos serão tão impopulares que o sentimento independentista ganhe corpo.
coração valente (Foto: Divulgação)
A luta escocesa por independência já foi muito mais intensa que a encabeçada pelo bonachão Salmond. Seu bastião mais famoso foi William Wallace, o herói da Primeira Guerra de Independência Escocesa (1226-1328). Popularizado pelo filme Coração Valente (vencedor do Oscar de melhor filme em 1996), em que era interpretado por Mel Gibson, Wallace foi torturado e morto no início do século XIV por sua participação na revolta contra a Inglaterra. Foram mais trezentos anos de conflitos até o tratado que uniu os reinos de Inglaterra e Escócia. Em meados do século XVIII, a situação estava pacificada. “Os benefícios de fazer parte de um Reino Unido em franca expansão eram palpáveis e claros para a maioria dos escoceses”, diz Michael Rosie, diretor do Instituto de Política da Universidade de Edimburgo. “Essa união é mais bem entendida se a encaramos como um casamento de conveniência – enquanto ela trouxe relativa prosperidade, houve uma fusão do patriotismo escocês com o da Inglaterra”, afirma. O declínio do Império Britânico no século XX, principalmente após o fim da Segunda Guerra Mundial, voltou a pôr em xeque a conveniência do casamento. A atual onda de patriotismo e separatismo escocês tem suas raízes no governo da premiê britânica conservadora Margaret Thatcher (1979-1990). A Dama de Ferro, como ficou conhecida, era extremamente impopular numa Escócia de maioria trabalhista. “Com o declínio da indústria pesada, as políticas de Thatcher perseguiam um capitalismo agressivo, individualista e orientado para o mercado, o que, para os escoceses, não conduzia a uma união igualitária, focada no coletivo”, diz Atsuko Ichijo, pesquisadora especialista em nacionalismo escocês da Kingston University, em Londres. Thatcher inclusive foi acusada de usar Escócia como cobaia do chamado imposto comunitário, uma taxa única cobrada por habitante para financiar as prefeituras (councils) em substituição ao cálculo de acordo com o valor do imóvel (tal como o IPTU no Brasil). O imposto foi aplicado primeiro aos escoceses, em 1989, um ano antes de estendê-lo ao resto do Reino Unido.
Desde então, reivindicações por uma maior autonomia do país pautaram a política escocesa. Em 1999, foi estabelecido o parlamento da Escócia, com autonomia para legislar sobre questões internas como educação e saúde. Foi o último grande movimento de afastamento entre Edimburgo e Londres. Salmond quer a ruptura total, embora saiba que o clima não lhe é favorável. Ainda que o “sim” seja derrotado em 2014, o certo é que o legado deixado pelo referendo definitivamente alterará a dinâmica de poder entre Inglaterra e Escócia. “O SNP provavelmente vai falhar em 2014, mas de maneira a provocar novas questões, novas demandas por uma maior autonomia a Edimburgo”, diz Rosie.
Revista Época

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