17/10/2012

Blackberry sem glamour


Uma das primeiras providências tomadas pela executiva americana Marissa Meyer ao assumir o comando do Yahoo! foi trocar os aparelhos Blackberrys de seus funcionários. Eles puderam escolher entre iPhones, smartphones da Nokia ou aparelhos com Android, o sistema operacional do Google. Em um comunicado, Marissa explicou sua decisão: “Queremos que nossos funcionários tenham os mesmos celulares de nossos usuários para que possamos trabalhar e pensar como a maioria deles”. O episódio resume a decadência da imagem do aparelho que já foi sinônimo de smartphone – e a consequente decadência financeira de sua fabricante, a canadense Research In Motion (RIM).
Celular Blackberry (Foto: SXC.HU)
Lançada em 2003, a linha Blackberry facilitava o uso da internet no celular. Com seu sistema de email, o mais prático já embutido num smartphone até então, virou equipamento de primeira necessidade entre empresários e executivos. Era também uma boa escolha para empresas porque criptografa dados e torna mais seguro o envio de informações confidenciais. Além disso, sua bateria tem boa duração, o que o tornava mais econômico. Essas vantagens ajudaram a RIM a conquistar aos poucos fãs entre os usuários comuns. Para eles, ainda havia um outro ponto positivo em relação aos concorrentes em tempos pré-internet 3G: seu sistema de troca de mensagens gratuitas entre aparelhos da mesma fabricante.
Por ser tão inovador e útil ao mesmo tempo, o Blackberry virou o primeiro smartphone a acompanhar seus donos em todas as ocasiões. Daí surgiu o termo “crackberry”, para falar do poder viciante dos celulares inteligentes. As vendas da RIM cresciam na mesma proporção da popularidade dos seus aparelhos. Em 2009, a empresa detinha 19,9% do mercado de smartphones e ocupava a vice-liderança, atrás apenas da Nokia. Foi o ápice de seu prestígio.
Hoje a RIM está à beira do precipício da irrelevância. Seu valor de mercado caiu 75% nos últimos sete anos. Em setembro, o preço de sua ação atingiu US$ 6,22, o valor mais baixo em nove anos. Hoje a empresa detém meros 5,2% do mercado, quase quatro vezes menos do que há três anos. No segundo trimestre de 2012, a empresa teve um prejuízo de US$ 235 milhões diante de um faturamento de US$ 2,9 bilhões. Isso se soma ao prejuízo de US$ 518 milhões registrado no primeiro trimestre. Mas o que aconteceu para a RIM chegar a esse ponto?
O primeiro problema foi seu software. Com o lançamento do iPhone em 2007 e do Android em 2009, as telas sensíveis se tornaram o padrão do mercado. Os novos smartphones vinham com sistemas operacionais pensados para essa nova forma de usar o celular, em que a navegação online era tão ou mais importante do que o email. A Apple e o Google passaram a representar o pioneirismo deste mercado, enquanto a RIM começava a parecer obsoleta.
Ao mesmo tempo, o uso dos smartphones voltou-se cada vez mais para os aplicativos, programas simples criados para celulares. A Apple, com o iPhone, foi a principal responsável pela mudança e tornou-se a primeira escolha dos desenvolvedores desses aplicativos. Os programas mais úteis e interessantes eram lançados primeiro para a empresa de Steve Jobs. O Android virou uma segunda opção natural ao ganhar espaço e assumir a liderança do mercado. Criar aplicativos para o Blackberry não era uma prioridade, o que afetou drasticamente o prestígio da marca. Quem possuía um iPhone ou um Android podia usar programas que não existiam nos Blackberrys. Até hoje, só 45% dos desenvolvedores criam programas para o smartphones da RIM. De inovadores, o Blackberrys passaram a ser sinônimo de atraso.
Logo os usuários comuns passaram a trocar seus Blackberrys por iPhones e Androids. Não demorou para que os clientes mais fiéis da RIM, os executivos e as empresas, fizessem o mesmo. O banco de investimentos Goldman Sachs recentemente deu pela primeira vez aos seus funcionários a opção de usar iPhones. A Covington & Burling, um grande escritório de advocacia americano, fez o mesmo. Até a Casa Branca, que havia tempos usava o Blackberry devido ao seu alto nível de segurança, migrou para os telefones da Apple. O diário americano The New York Times mostrou em uma reportagem como a RIM perdeu prestígio e virou a “ovelha negra” do mercado de smartphones. “O Blackberry já foi carregado com orgulho por quem tinha poder e fazia parte da elite da sociedade. Hoje quem ainda tem um diz que o aparelho se tornou um ímã de gozações e piadas”, afirma o jornal.
Mas a RIM ainda não se deu por vencida. Tenta uma última cartada com uma nova versão de seu sistema operacional, o Blackberry 10. É um caminho diferente do seguido pela Nokia, que já ocupou a primeira posição em smartphones e a perdeu para o Android. A fabricante finlandesa percebeu que não conseguiria acompanhar os rápidos avanços dos programas do Google e da Apple. Parou de investir no seu sistema, o Symbian, e adotou o Windows, da Microsoft. A RIM preferiu não abrir mão de investir em sua própria tecnologia.
A RIM está redesenhando seu sistema do zero e concentrando esforços em fazer dele o melhor para quem deseja usar diferentes aplicativos ao mesmo tempo. A empresa também quer licenciá-lo para outros fabricantes. “Temos uma grande chance de ser a terceira plataforma do mercado”, disse o presidente da RIM, Thorsten Heins, em um evento para desenvolvedores realizado em setembro.
Não será fácil. Ainda hoje a Nokia ocupa a terceira posição do mercado com o Symbian – tem 5,9% de participação. E a empresa já fez sua aposta no Windows 8, que será a principal concorrência da RIM. Hoje a Microsoft de Bill Gates detém 2,7% do mercado de smartphones, mas espera aumentar sua participação com o lançamento do seu novo sistema operacional neste mês. O Windows 8 foi bem avaliado pela crítica e já foi adotado por grandes fabricantes, como HTC e Samsung. Já o Blackberry 10 levará mais tempo para chegar ao mercado. Está programado para o primeiro trimestre de 2013. A RIM ainda não anunciou nenhuma fabricante interessada em incorporá-lo.
O tempo corre contra a RIM. Sua sobrevivência depende do sucesso do Blackberry 10. Pode ser a última chance de ainda se provar relevante num mercado que se transforma muito rapidamente e costuma ser implacável com que demora a se adaptar.
Revista Época

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