26/11/2012

Guerra Fria inspira roteiro por Moscou, na Rússia

Dolores Roux 
Do UOL, em Moscou


Enganam-se os céticos que duvidam de fantasmas. O da Guerra Fria – que para alguns nem chega a ser considerada uma guerra de fato – está vivíssimo e circula livremente nos ares de Moscou. Na capital da gigante Rússia, palco do triunfo bolchevique e da derrota de Hitler, que rendem orgulho em massa à população local, lugares antes secretos para todos menos para espiões seniores hoje estão abertos para o público. Na rota, ainda, construções soviéticas idealizadas por Stálin compõem o cenário de décadas passadas.

As visitas, como tudo em Moscou, exigem disposição. Além das distâncias e algumas construções gigantescas que beiram a megalomania, seguranças nada amistosos, atentos para qualquer movimento estranho podem cismar com turistas que não estiverem devidamente autorizados ou acompanhados. E em uma das capitais mais caras da Europa, os preços podem surpreender até mesmo os mais abastados.

Conheça Moscou como cenário da Guerra Fria

Foto 5 de 24 - Detalhe da foice e do martelo em Lubyanka, sede da antiga KGB, em MoscouDolores Roux/UOL

O roteiro começa no coração da metrópole. A poucos metros do cenário mais famoso da cidade - a Praça Vermelha, a sede horizontal da antiga inteligência soviética. Os oito andares do Lubyanka, como é conhecido, chegam a ser perdidos de vista ao longo de quase um quarteirão todo. A dureza da fachada dos dois primeiros andares culmina em detalhes simples, que levam à ostentação da foice e do martelo na parte superior do prédio. Mas cuidado: a ex-sede da KGB fica sob a mira dos seguranças. Parar ali para tirar muitas fotos pode custar sua câmera fotográfica confiscada pelo Serviço de Segurança Federal (ou FSB, a nova roupagem de investigação e tática antes desempenhadas pela KGB). O local fornece material de sobra para uma viagem no tempo. Há uma estação de metrô do outro lado da rua, que leva o mesmo nome (Ulitsa Malaya Lubyanskaya, 7. Tel: 7 495 621 1378. Metrô Lubyanka).

Conhecido hoje como Museu da Guerra Fria, o bunker de 18 andares subterrâneos vem sendo cada vez mais visitado e leva o turista a uma experiência memorável por seus 600 km de túneis. Com uma passagem de dentro da estação Taganska – mais do que um meio de transporte, o metrô moscovita é visto como meio de defesa e estratégia - esse abrigo antibomba construído em 1956 tem 65 metros de profundidade e conserva a aura do massivo complexo de comunicações militar que costumava ser capaz de acomodar milhares de pessoas. Sistemas de telégrafo, código morse, armamentos, uniformes militares e cartazes de propaganda soviética compõem o passeio. Administrados por investidores privados desde 2006, o Tagansky Protected Command Point deve se tornar ainda mais estruturado para receber turistas, com cafés e bares. Até lá, apenas a visita guiada para aqueles que querem sentir na pele a paranoia da guerra. O tour custa em média 1500 rublos (R$ 100) por pessoa. Há opção de passeios pela agência Capital Tours que incluem uma rápida explicação sobre a história das estações de metrô mais marcantes, seguido pela visita ao bunker (Kotelnichesky Pereulok, 5, d. 11. Tel: 7 903 754 7781. Seg a qui, das 10h às 19h. Sáb e dom, das 11h às 19h. Metrô Taganskaya. Capital Tours: Ulitsa Ilynka, 4. Entrada 6, subsolo. Tel: 7 495 232 24 42. www.capitaltours.ru).

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    Itens da coleção do Museu da Guerra Fria, em Moscou
Mais secreto ainda e quase impossível de achar, o bunker secreto do Stálin foi construído especialmente em resposta ao crescimento do militarismo germânico, entre 1934 e 1939. O QG do chefe do Estado soviético também durante os anos posteriores à Segunda Guerra é grande o suficiente para acomodar um batalhão inteiro, incluindo tanques e outros meios de transporte militares. Qualquer um que tenha familiaridade com os excessos da arquitetura stalinista não ficará surpreso com detalhes rococós, como nos pilares do hall central. Dentro do QG ainda, mesa, cadeira e objetos do líder em seu escritório privativo. O bunker fica colado a um minúsculo estádio de futebol, no subúrbio da parte leste da cidade. Sem qualquer tipo de sinalização que leve a ele, vale a dica de procurar o complexo de hotéis Izmailovo Alfa, Beta, Gamma e Delta, construídos para as Olimpíadas de Moscou, em 1980. Contornando a parte de fora do complexo, chega-se a tendas de um mercado soviético hoje abandonado e, antes do estádio, à entrada do Commander-in-chief Command Post Reserve ou Museu do Braço das Forças Armadas Central. O bunker é aberto apenas sob agendamento. A visita não é das mais baratas – em torno de 6500 rublos (R$ 430) por uma ou duas pessoas - e pode trazer de brinde um guia turístico com o típico mau humor russo (Ulitsa Sovietskaya, 80. Tel: 7 499 166 5596. Metrô Cherkizovskaya ou Partizanskaya).

Um dos pilares fundamentais da Guerra Fria e que não poderia ficar de fora é a Corrida Espacial. A oportunidade para reviver o boom no espaço está no Zvezdny Gorodok - ou Star City. Memórias e documentos que remetem a figuras históricas, como a primeira mulher no espaço – Valentina Tereshkova, viúva do astronauta russo Yuri Gagarin –, na seção dos cosmonautas. Boa parte do principal complexo de treinamento está disponível apenas para funcionários e profissionais da área, mas é possível ver a maior centrífuga do mundo, utilizada para exercícios pelos astronautas, explorar um modelo da estação espacial russa MIR, além de saber como se vive no espaço sem banheiros. Para visitar o complexo, que é uma área protegida, sob intensa segurança, a 32 quilômetros de Moscou (próximo à estação de trem Chkalovskaya), é preciso pedir por escrito ao Departamento de Excursões do Centro de Treinamento, junto com dados do passaporte. Tel: 7 495 526 3842. Fax: 7 495 526 2612. Para não haver problemas com a rígida burocracia, vale contatar a administração com antecedência: 7 495 526 3817. No Centro de Treinamento, a visita custa em torno de 7600 rublos (quase R$ 505). Para o museu pede-se mais 2020 rublos (R$ 350). A empresa Patriarshy Dom Tours promove visitas mensais. Tel: 7 495 795 0927).

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    Detalhes nas construções remetem a símbolos soviéticos

Construído em 1931 para ser a casa da nova elite do Partido Comunista, o bloco soviético Dom na Naberezhnoi teve entre seus moradores parentes de Stálin e, mais tarde, de Nikita Khruschev. A vida de privilégios para apadrinhados não demorou a azedar na época de Stálin, que mandou nada menos que 800 moradores do prédio para os gulags, fazendo-as vítimas do Grande Terror. O prédio, onde hoje funciona o Teatro Estrada nos andares inferiores, fica a dez minutos a pé do Teatro Bolshoi. Hoje o local abriga uma espécie de memorial, administrado por Olga Trifonov, viúva de Yuri Trifonov, autor do romance Dom na Naberezhnoi (1983), que tratou do cotidiano do stalinismo anos mais tarde, já sob o governo de Leonid Brejnev. (Ulitsa Serafimovicha, 2. Tel: 7 495 959 4936 ou 7 495 959 0317. Entrada: 70 rublos (R$ 5). Às quartas-feiras, das 17h às 20h , e aos sábados, das 14h às 18h, Metrô Borovitskaya.

A arquitetura e as memórias da Guerra Fria também ditam o skyline de Moscou. Construções majestosas para serem edifícios de apartamentos, prédios administrativos ou ministérios, idealizados no auge do confronto dão a ideia do terror psicológico entre dois mundos aparentemente antagônicos. Um dos arranhas-céu megalomaníacos é o Kotelnichesky, com alegorias do comunismo no topo. Mas é a bordo de um barco pelo Rio Moscou que a grandiosidade e a sensação de uma guerra silenciosa ficam ainda mais evidentes (na confluência dos rios Moscou e Yauza. Metrô Taganskaya).

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