04/11/2012

O modelo bienal - entrevista


Karine Pansa
Em entrevista, a presidente da Câmara Brasileira do Livro, Karine Pansa, discute o criticado formato das bienais e sugere conciliação entre as características mercadológicas e lítero-culturais das grandes feiras de livrosNOTÍCIA0 COMENTÁRIOS
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Karine Pansa: "A causa do livro não pertence a uma entidade, mas é uma bandeira nacional, perante a qual todos aqueles que são ligados ao mundo do livro têm imensa responsabilidade"
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A primeira edição da Bienal Internacional do Livro do Ceará, então intitulada Feira Brasileira do Livro de Fortaleza, foi realizada em 1994, por uma parceria entre a Secretaria da Cultura do Estado e a CBL. Seguindo as diretrizes da já instituída Bienal de São Paulo, a edição cearense veio buscando replicar o desenho, numa tentativa constante de pareamento dos números de público, expositores, vendas. 

A última edição da Bienal do Livro de São Paulo, ocorrida em agosto deste ano, encerrou levantando questões sobre o modelo de sua realização. Uma carta aberta, redigida aos expositores do evento pelo editor João Scortecci, diretor do grupo editorial que leva seu sobrenome, apontou razões para o esgotamento do modelo, gerado, segundo ele, pela diminuição do interesse do público leitor e pela baixa participação de editoras consagradas.

Presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), a empresária do setor editorial Karine Pansa, percebe as críticas por ótica diversa. Em entrevista concedida por e-mail, Karine defende que a estrutura da Bienal não é rígida e que, a cada ano, o modelo é repensado. Karine reflete ainda sobre os novos formatos para o suporte livro e sua relação com a democratização da internet. “Acredito que as Bienais devam converter-se, cada vez mais, em espaços nos quais o leitor faça uma viagem tridimensional ao mundo do livro”. (Elisa Parente)
  
O POVO - A Câmara Brasileira do Livro foi parceira da Secretaria da Cultura do Ceará na realização de sua primeira Bienal do Livro, em 1994, à época ainda chamada de Feira Brasileira do Livro de Fortaleza. Qual foi e é o papel da CBL na criação e no fortalecimento das bienais país afora? Que outros exemplos existem, fora o Ceará, de bienais criadas em parceria com a instituição?
Karine Pansa – Acredito que a CBL tenha cumprido missão relevante na disseminação de Bienais e feiras de livros em todo o Brasil. A CBL começou a realizar feiras nacionais com o objetivo de replicar a Bienal do Livro de São Paulo em outras regiões do Brasil. Duas das primeiras feiras criadas pela CBL foram em Fortaleza, no Ceará, e em Belém, no Pará. Com o tempo as feiras foram se desenvolvendo, se fortalecendo e ganhando vida própria, a partir da semente plantada pela CBL. Nossa entidade sempre buscou o apoio dos Governos e Prefeituras locais para esses projetos, que fazem parte da nossa missão, uma vez que as feiras são excelentes canais de aproximação entre o público, os livros e escritores, o que contribui de forma significativa para a formação de leitores. Além dos eventos nos quais tivemos direta parceria na criação, contribuímos bastante com diferentes apoios e know-how. A causa do livro não pertence a uma entidade, mas é uma bandeira nacional, perante a qual todos aqueles que são ligados ao mundo do livro têm imensa responsabilidade. 

OP - Há 12 anos, a CBL criou a Comissão Repensando a Bienal para refletir sobre o formato do evento. Nesta última Bienal de São Paulo, o questionamento voltou à tona. Em carta aos expositores da 22ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, o editor João Scortecci defendeu que “o modelo não funciona mais e precisa de mudanças”. No texto, ele sugere, entre outros pontos, a descentralização de seu espaço de realização, a exemplo da Virada Cultural, como alternativa viável. Qual o futuro deste formato de evento literário?
Karine - A comissão encarregada de pensar de modo constante melhorias para a Bienal Internacional do Livro de São Paulo é cada vez mais atuante. Aberta a todos os que dela queiram participar, pluralista quanto à representação do mercado, aos seus segmentos e pensamentos, tem sido responsável por agregar ótimas ideias ao evento. Mais do que isso, terminada a feira, convidamos os expositores para que, em sessão aberta, fizessem críticas e sugerissem aperfeiçoamentos. Isto foi muito produtivo. Um detalhe importante é que as sugestões sejam feitas previamente à realização de cada edição e a tempo de, em sendo aprovadas, incorporar-se à estrutura do evento. Afinal, não dá para mudar durante o seu transcurso um evento com 750 mil pessoas. 

OP - A democratização da Internet e a proliferação das livrarias megastore aproximaram a relação do leitor com os livros e seus autores, disseminando o acesso à informação literária. Como as Bienais podem dialogar com essa nova realidade tecnológica de suporte do livro e a ampliação do acesso às publicações? 
Karine – Acredito que as Bienais devam converter-se, cada vez mais, em espaços nos quais o leitor faça uma viagem tridimensional ao mundo do livro. Na Internet e nas grandes livrarias, muito importantes para que o mercado ganhe cada vez mais musculatura e amplitude, as pessoas convivem cotidianamente apenas com o livro e o processo de venda. Nas Bienais, a interação é mais plena, pois há a presença física, viva do autor, dos editores, dos livreiros, dos profissionais que dão forma aos livros, os críticos literários e os intelectuais. É um espaço de convivência muito rica de toda uma cadeia produtiva, envolvendo os leitores num universo ao qual não têm acesso no dia a dia. Creio ser essa a grande magia das Bienais.
  
OP - As recentes festas literárias, que priorizam uma ideia de cultura à de mercado, têm chamado a atenção de escritores, editoras e leitores. De que maneira as Bienais podem dialogar com estes eventos menores, mas com programação significante para a literatura?
Karine – É fundamental que as Bienais de Livros, inclusive para reforçar minha resposta anterior, sejam espaços permeados por programação cultural e literária cada vez mais consistente. É muito importante desmistificarmos a ideia, que às vezes se dissemina, que haja algum antagonismo entre o caráter comercial, o aspecto lúdico e o conteúdo lítero-cultural de nossas grandes feiras de livros. Tudo é perfeitamente conciliável – e precisa mesmo ser! As Bienais são os grandes momentos para apresentarmos o livro a quem nunca entrou numa livraria, para reforçar sua presença no público com os quais já tem intimidade. Ou seja, é a oportunidade de consolidarmos leitores e de conquistarmos novos leitores, de modo que tenhamos um país cada vez mais culto e preparado para enfrentar os desafios de um mundo no qual o conhecimento é o maior diferencial de pessoas, empresas e nações. 

OP - Como é possível incentivar e gerar expectativa do público para participar de bienais e feiras de literatura? Trabalhar com as secretarias de educação, bibliotecas e escolas é um caminho? Que exemplos como este podem ser destacados no Brasil? 
Karine – Sem dúvida, as parcerias com organismos e instituições como os que você cita é muito importante. Porém, insuficiente. Uma Bienal somente atrairá grande contingente de público se for, de fato, um evento que agrade as pessoas e lhes permita conviver e interagir com o mundo dos livros de maneira muito mais intensa e plena do que na rotina das livrarias. De todo modo, um ótimo exemplo no escopo do que você pergunta é a parceria da Câmara Brasileira do Livro com as secretarias municipal e estadual de Educação e com escolas, para a visitação de alunos. Este é um grande momento da Bienal. Os livros fazem brilhar mais os olhos das crianças!
  
OP - Os autores internacionais muitas vezes são convidados a participar das bienais por iniciativa das editoras. Isto compromete o trabalho de uma curadoria? Que papel o curador desempenha nas bienais hoje?
Karine – Os convites das editoras a autores, sejam nacionais ou internacionais, não atrapalha o trabalho dos curadores. Ao contrário, agregam valor! O papel dos curadores nas Bienais é de alta relevância, pois é decisivo para que os eventos tenham programação de alto nível, diversificada, alinhada à realidade, capaz de captar as tendências e atender às expectativas dos distintos segmentos do público.

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