29/11/2012

Paul McCartney, recordista de público em estádios de futebol, era apenas um anônimo na multidão


Por Márcio Mará e Thiago DiasRio de Janeiro
Incrível, mas é verdade. Houve um dia em que Paul McCartney, recordista de público em estádios de futebol, era apenas um anônimo na multidão. Entrou pela porta do lendário Wembley, em Londres, sem ser o astro do espetáculo. Pior ainda: em plenos anos de 1960, quando os Beatles tomavam conta do cenário numa década fervilhante nas artes, na cultura, na política e até nos esportes. Numa primavera de 18 de maio de 1968, sem o grande parceiro, John Lennon, e os até então inseparáveis George Harrison e Ringo Starr, Macca se deu o luxo de ir: torcer para seu time de futebol. Liverpool? Não. Nada disso, Paul é Everton.
Paul McCartney na final da Copa do Mundo de 1968Paul McCartney chega a Wembley para a final da
FA Cup de 1968. Poucos viram a presença do beatle
no estádio para ver o Everton (Foto: Getty Images)
Rival dos Reds, também da cidade natal do músico, o clube de camisa azul, conhecido também como Toffees - caramelos em português -, prometia adoçar mais a vida do beatle. Decidia um título - a FA Cup, ou Copa da Inglaterra - contra o menos cotado West Bromwich.  O público parecia de show inesquecível dos Fab Four: 100 mil pessoas. Ali, o gênio acostumado a alegrar o público fazia parte da maioria derrotada.
Foi um dia à la "Mick Jagger". A equipe perdeu por 1 a 0 com gol aos três minutos da prorrogação. Tristeza do astro, que ficou anônimo por 120 minutos e viu acabar o sonho do título. Alegria dos que queriam sentir o gosto da fama: o artilheiro da partida, Jeff Astle, e o camisa 10, Bobby Hope. Naquele dia, a dupla parecia Lennon & McCartney embalando as canções.
- Não vivi melhor momento na minha carreira como aquele. Na época, a FA Cup era o principal torneio, a maior vitrine. Não havia a Champions League, por exemplo (NR: o torneio europeu chamava-se Copa dos Campeões). Todo jogador queria estar nesta partida. Quando chegamos a Wembley, entramos pelo túnel para o gramado e vimos aquela explosão da torcida, sentimos toda aquela atmosfera, e tivemos a exata noção do tamanho da importância daquele jogo. Eu não sabia que o Paul tinha ido ao estádio. Mas não faria a menor diferença, embora os Beatles fossem grandes estrelas e não houvesse nenhuma banda como eles - afirmou o camisa 10 escocês, hoje consultor dos Baggies - apelido do West Brom devido aos grandes calções que chegou a usar.
Sempre preferi os Beatles. Eram mais parecidos com os mocinhos"
Bobby Hope
Na época com 22 anos, Hope levava no nome a esperança por dias melhores - o clube não vencia a FA Cup desde 1954. A aparente indiferença sobre a presença de Macca se transforma de repente em grande admiração ao falar da banda que ajudou a mudar a música. Sim, o escocês amava mais os Beatles que os Rolling Stones.
Afinal, 1968 era um ano cheio. Os Fab Four ainda experimentavam o sucesso de vendas e de críticas do revolucionário "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", de 1967, e se preparavam para lançar o "White Album", outro na lista dos melhores de todos os tempos.
- Todo mundo gostava deles. Nunca fui fã dos Stones. Sempre preferi o estilo dos Beatles, eram mais parecidos com os mocinhos, e os Stones, com os meninos maus - afirmou Hope, naquele dia um dos grandes vilões do Everton.
Brasileiro que atuou no Everton na temporada 2008-09, o atacante Jô afirmou que sempre ouvia no clube comentários sobre o torcedor ilustre. E afirma que, se jogasse naquela época e conseguisse marcar um gol, homenagearia o beatle.
- Se eu soubesse que o Paul estaria no estádio, faria uma dança para ele na comemoração - disse o ex-corintiano, hoje no Manchester City, que apesar de pagodeiro admira o ídolo pop.
Uísque e cigarros de Paul aos perdedores
Numa época em que os Fab Four abusavam da alegria, Paul gostaria da homenagem. Tristeza era para ser espantada. Ele sempre foi um beatle. E beatle fazia festa até em enterro... Os jornais da época e livros biográficos contam que, apesar do resultado negativo para o West Brom, o músico fez questão de ir ao vestiário do Everton após a partida levar uísque e cigarros para os jogadores. A derrota foi regada... E olha que Hope, do outro lado e vitorioso, é da Escócia, que produz o melhor e mais velho malte da bebida nos famosos barris...
jeff astle West Bromwich campeão fa cup 1968Jeff Astle marca o gol do West Bromwich aos três minutos da prorrogação. Time de Paul, o Everton, já cansado, não esconde o abatimento: o título escapava de suas mãos  (Foto: agência Getty Images)
- As coisas eram mais abertas na época, tudo era mais acessível aos famosos. Muitas celebridades gostavam de frequentar o ambiente dos jogadores de futebol da Premier League. Eric Clapton sempre foi um grande torcedor do West Brom. Chegou a falar sobre a compra do clube no início dos anos 70 - disse o ex-jogador, hoje com 67 anos, sobre o guitarrista inglês chamado de "Deus" e que, curiosamente, participou em 1968 do "White Album".
Certamente, Clapton, que era muito amigo de George Harrison e logo se enturmou com o resto da banda, deve ter feito na época aquela boa brincadeira de torcedor com o amigo McCartney. A vitória do West Bromwich foi valorizada pela difícil disputa em Wembley.  O zero a zero no tempo normal mostrou que seriam necessários nervos de aço na prorrogação.  Mas Hope já notava que o adversário começava a mostrar problemas físicos.
West Bromwich campeão fa cup 1968Título da FA Cup de 1968 foi o quinto e último do
West Bromwich (Foto: agência Getty Images)
- O jogo foi difícil, mas aos poucos nosso time foi dominando. Quando entramos na prorrogação, percebemos que a confiança deles diminuiu e o cansaço aumentou. Isso fez crescer a nossa motivação e energia. Pressionamos, e Jeff Astle marcou logo o gol. Acho que foi o único que fez com o pé esquerdo, e foi lindo... Então, o Everton se abriu para  buscar o empate e nos deu  espaços. Ainda perdemos uma grande chance no fim.
O gol com pé esquerdo de Astle - uma ironia ao canhoto McCartney - coroou a campanha de um clube com poucos títulos mas muita tradição. Criado em 1878 por trabalhadores da Salter's Spring Works, em West Bromwich, região Oeste da Inglaterra, o WBA é um dos fundadores da Liga Inglesa de Futebol. Ganhou cinco FA Cups (a Copa da Inglaterra), a Premier League (Campeonato Inglés) e uma Copa da Liga Inglesa
Evertonian, mas sem paixão
Criado no mesmo ano do West Bromwich, o Everton, da cidade de Liverpool, é o sétimo clube de maior torcida da Inglaterra. Com camisa azul e calções e meias brancos, é o quarto em títulos nacionais, com nove Campeonatos Ingleses, cinco Copas da Inglaterra e três Supercopas.
Apesar de não ser um louco por futebol, Paul McCartney sempre se declarou um "evertonian". No site oficial do clube, há depoimentos de Paul sobre os Blues. A simpatia vem do berço.
Meu pai nasceu Everton. Quando os dois da cidade se enfrentam, sou Evertonian."
Paul McCartney, no site do Everton
- Meu pai nasceu Everton. Quando os dois da cidade se enfrentam, sou Evertonian - disse, explicando que a escolha de pôr na capa do "Sgt. Pepper's" o lendário Albert Subbins, ex-atacante do Liverpool, em detrimento de Dixie Dean, dos "Toffees", teria partido de John Lennon.
Nos anos 70, Sir McCartney teria se encantado pela boa fase dos Reds. Certa vez, a ex-mulher, Linda - que morreu em 1998, vítima de câncer -, afirmou que a família se reunia na TV para ver os jogos do Liverpool, levantando suspeita de que Macca teria virado a casaca.
Mas, na verdade, o músico teria retribuído atitude do ídolo dos Reds, o craque escocês Kenny Dalglish, que num show dos Wings - ótima banda criada por Paul após o fim dos Beatles - levou o elenco todo para assistir ao ídolo do rock and roll.
Paul sempre falou com simpatia do clube rival e mostrou que a preferência pelo time azul não era movida por paixões acaloradas.
- Gosto de assistir a partidas na televisão, vou a estádios ver jogos ocasionalmente, não sou um apaixonado por futebol. Adorava jogar na rua, mas não era muito bom nisso. Aí, quando você começa a enfrentar sempre caras melhores do que você... Foi assim que aconteceu com os Beatles...  Nenhum de nós estava com futebol na cabeça - disse ao site.
montagem beatles seleçao brasileira 1966Pelé conta em autobiografia que Beatles foram impedidos de tocar para a Seleção Brasileira na Copa de 1966 quando estavam em Liverpool. Fato foi confirmado em encontro com John Lennon dez anos depois, em Nova York, quando o Rei defendia o Cosmos (Foto: Editoria de Arte / Globoesporte.com)
A maratona da maior banda de rock pode ter atrapalhado a relação com o futebol. O único que sempre deixou claro que não gostava do esporte era George Harrison, louco por Fórmula 1. Ringo Starr seria torcedor de infância do Arsenal, por influência do padrasto.
Beatles queriam tocar para a Seleção
A preferência de John Lennon era um mistério. Dizia-se que torcia para o Liverpool. Mas um desenho feito em 1952, quando menino, que virou capa do álbum solo "Walls and bridges", de 1974, mostrava uma partida de futebol, provavelmente entre Arsenal x Newcastle.
Lennon me perguntou se eu sabia que os Beatles queriam tocar para a Seleção em 66."
Pelé, no livo 'Autobiografia'
Nenhuma história é mais surpreendente do que a contada pelo Rei do Futebol no livro "Pelé - a autobiografia", com colaboração de Orlando Duarte e  Alex Bellos, lançado em inglês. Quando a Seleção Brasileira estava em Liverpool na Copa de 1966, na Inglaterra, por pouco não aconteceu um encontro histórico com os Beatles. O time, que tinha também Garrincha, Tostão, Jairzinho e outras feras, perdeu a chance de assistir aos Fab Four num show privê, 0800.
- Um jornalista me contou que os Beatles queriam tocar para a Seleção Brasileira na concentração. Acnei uma ótima ideia, para nos relaxar. Fui falar com o Vicente Feola (técnico) e o Carlos Nascimento (chefe da delegação), que vetou na hora. "Vocês estão aqui para jogar futebol, não para ouvir música", disse. Fiquei muito chateado - afirmou Pelé.
O Brasil foi eliminado da Copa e o Rei não realizou o sonho de ver ao vivo os gênios do rock and roll. Ainda no livro, o Atleta do Século contou que, dez anos depois, quando estava no Cosmos, de Nova York, encontrou John Lennon e Yoko Ono perto do Central Park, quando ia para aulas de inglês numa escola em Berlitz.
- Lennon me perguntou se eu sabia da história de que os Beatles queriam tocar para a Seleção. Disse que sim. Aí falou: "Pedimos autorização para tocar para vocês, mas fomos impedidos. Foi uma pena. Éramos fãs do futebol brasileiro."
No Maraca do Rei Pelé
show paul mccartney maracanã 1990Público no Maracanã em 1990 fez show de Paul ir
para o Guiness (Foto: Luiz Barros / Agência Estado)
Em 1970, John, Paul, George e Ringo viram pela TV o Brasil ser tricampeão e despachar a Inglaterra. Vinte quatro anos depois, McCartney tomava conta do palco sagrado do Rei. No Maracanã, bateu o recorde de público num estádio. Foram 184 mil pessoas que se emocionaram ao som de clássicos como "Hey Jude", "Leit it be", "Yesterday" e '"The long and winding road", entre tantas outras dos Beatles e do cantor e compositor à frente dos Wings ou na carreira solo.
O show foi parar no Guiness, o livro dos recordes, como o de maior público nos estádios - 184 mil pessoas. Em 1993, o astro voltou ao Brasil para tocar em São Paulo. Agora, aos 68 anos, revisitou o país com espetáculos antológicos no Beira-Rio, em Porto Alegre, no dia 7, e no Morumbi, em São Paulo, no último domingo. Mais de 100 mil pessoas assistiram às duas performances.
Nesta segunda, Sir Paul McCartney vai repetir a dose na casa tricolor para mais 50 mil. Deverá arrancar aplausos e lágrimas do público. O eterno beatle pode não ser louco por futebol, mas não dá para negar a ligação. Os palcos iluminados que o digam. Craque é craque, com ou sem a bola...

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