- ‘Deus tem uma grande festa para vocês lá no céu’, dizia bilhete deixado em Sandy Hook
- Adam Lanza forçou entrada em escola com armas compradas pela mãe
NEWTOWN - A expressão de dor e a sensação de vulnerabilidade estavam estampadas nos rostos de moradores do povoado de Sandy Hook, no dia seguinte ao ataque no qual Adam Lanza assassinou 20 crianças, todas com 6 e 7 anos, e outros seis adultos na escola local de ensino fundamental, antes de se matar. Insones e com olhos inchados de chorar, muitos diziam temer o momento em que fosse divulgada a lista com os nomes das vítimas, o que aconteceu no começo da noite de ontem, horário de Brasília. A escola que virou cenário de horror é uma das quatro de Newtown, uma cidade de 27 mil habitantes onde todo mundo parece se conhecer, o que tornou a tragédia incrivelmente próxima de cada um dos habitantes.
A brasileira Marta de Freitas Lima, que há sete anos mora em Bridgeport, uma cidade vizinha, foi a Sandy Hook prestar solidariedade e disse que estava chocada. Ela ficou paralisada de medo ao ver, embaixo do pinheiro de Natal na entrada do vilarejo, uma bola de criança com um bilhete escrito à mão, em português: “Deus tem uma grande festa para vocês lá no céu”. Marta temia que alguma criança brasileira estivesse entre os mortos:
— É muito chocante. Nos Estados Unidos a gente sempre vê essas histórias na TV, mas não aqui. Ninguém aqui tem medo de assalto, não.
A empresária paranaense Josiane Campiolo, que mora há 13 anos nas imediações de Sandy Hook, se solidarizou com as vítimas.
— Penso nas famílias que perderam seus filhos — disse Josiane.
“Pode acontecer em qualquer lugar”
O estudante Jesse Pasacreta, de 17 anos, filho de uma psicóloga, contou que passou a maior parte da noite conversando com amigos que, como ele, não conseguiam aceitar o pesadelo. A mãe dele teve um pressentimento na noite de quinta-feira e decidiu que os filhos não iriam à escola no dia seguinte. Ontem, ela pretendia trabalhar como voluntária para ajudar famílias traumatizadas por uma tragédia que mobilizou toda a cidade.
— Vamos sair dessa juntos, e Sandy Hook continuará a ser um grande lugar para se viver. Um lugar com um grande futuro — disse, em lágrimas, Gary Sire, gerente do Stone River Grille, um restaurante a cerca de 500 metros da entrada da escola.
Lanza estava armado com duas pistolas de calibre 9mm e um rifle semiautomático Bushmaster, calibre 223. As armas estavam registradas no nome da mãe do atirador, Nancy Lanza, executada por ele com um tiro no rosto, em casa, antes do massacre na escola. Pela lei de Connecticut, pessoas abaixo de 21 anos não podem carregar pistolas. Adam Lanza tinha 20 anos. Ainda não se sabe o motivo para o massacre. Policiais, porém, garantem já ter pistas concretas sobre as razões do massacre. Segundo informações iniciais de legistas da polícia local, a maior parte das crianças parecia ser da primeira série e ter levado mais de um tiro.
Adam não tinha passagem pela polícia. O porta-voz da polícia estadual, tenente Paul Vance, disse que os detetives montam o quebra-cabeça a partir das evidências encontradas na casa da família Lanza. Na rua do comércio de Sandy Hook, onde os caminhões de TV e os carros da Cruz Vermelha davam a medida da interrupção brutal da rotina local, as lojas estavam fechadas e as igrejas abertas e cheias de pessoas em busca de conforto espiritual. Faixas feitas à mão pendiam de janelas e fachadas, com dizeres como “Abrace um professor hoje” e “Reze por Sandy Hook”. Minutos antes do início da missa do meio-dia, uma moradora não conseguiu conter a emoção e começou a falar alto, com voz embargada:
— Isso tem que trazer alguma mudança. Temos que acabar com esses videogames que perpetuam o glamour da violência. Não podemos continuar legalizando armas e glorificando o combate. Temos que dar tratamento de saúde mental a quem precisa e entender que não é legal deixar que um jovem que se sinta desconectado fique trancado no seu quarto. Se uma tragédia como essa aconteceu nesta cidade, pode acontecer em qualquer lugar — disse Mary Fellows, soluçando.
O acesso à escola Sandy Hook, de onde todos os corpos já foram retirados, continua bloqueado pela polícia. O percurso do centro da cidade até a estação do corpo de bombeiros onde os pais dos alunos passaram as piores horas de sua vida esperando notícias dos filhos na sexta-feira só pode ser feito a pé. Um trajeto feito silenciosamente por crianças, jovens e velhos com flores ou velas nas mãos. À esquerda, se vê o cemitério local, uma visão que dá calafrios quando contrastada com os brinquedos de crianças no outro lado da rua e a placa, adiante: “Sandy Hook Elementary School – Visitors welcome”.
— Trouxe uma vela e uma rosa para cada um dos mortos, inclusive o homem que tirou a própria vida. Vim rezar por cada uma dessas famílias. Todas as crianças são nossa responsabilidade — disse Andrea Jaeger, diretora de instituição para tratamento de crianças com câncer no Colorado.
Os visitantes eram bem-vindos, mas, segundo informações da polícia, Adam Lanza forçou a entrada por volta das 9h30m, horário em que normalmente os portões são fechados por motivo de segurança. A escola Sandy Hook tem 626 alunos matriculados, a maioria com idades entre 5 e 10 anos. Há um presídio na vizinhança da escola, o que já motivou no passado operações de emergência para o fechamento.
De acordo com informações passadas pela polícia de Connecticut ontem, o atirador foi extremamente preciso em seus disparos. Das 20 crianças baleadas, 18 morreram no local. Duas chegaram a ser encaminhadas a um hospital próximo, mas faleceram no caminho. Uma funcionária da escola que foi atingida apenas no pé está internada e é considerada testemunha-chave para esclarecer os acontecimentos.
Acredita-se que a diretora, Dawn Hochsprung, de 47 anos, que estava próxima à porta, tenha sido a primeira vítima. Ela teria corrido na direção de Lanza tentando contê-lo, como fizeram outros professores que também acabaram mortos. Professores e funcionários ajudaram as crianças a se esconder em armários, em banheiros e cantos das salas de aula. Um zelador chegou a correr pelos corredores para alertar todos os estudantes sobre o que acontecia no momento. Os policiais declararam não ter dado um único disparo dentro da escola, o que leva a crer que o atirador tenha se suicidado.
Vigília durante todo o dia
Durante todo o sábado, familiares dos mortos fizeram uma vigília no na Igreja Católica de Santa Rosa de Lima, perto da escola. Na entrada da igreja, três murais foram erguidos para que fossem registradas mensagens de apoio a familiares e sobreviventes. Cartazes de solidariedade estão espalhados pela cidade e já foi montada uma banquinha na calçada para recolher donativos para as famílias das vítimas.
— Simplesmente foi brutal. Não consigo pensar em uma palavra mais apropriada. Simplesmente foi brutal presenciar esta dor — disse o monsenhor Robert Weiss após uma das missas.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/carta-em-portugues-deixada-para-as-vitimas-do-massacre-em-connecticut-7064772#ixzz2FDlWIHUE
© 1996 - 2012. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
Nenhum comentário :
Postar um comentário