Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital

Podemos dizer que face aos relatos tão comovedores do Natal estamos diante de um grandioso mito, entendido positivamente como os antropólogos o fazem: o mito como a transmissão de uma verdade tão profunda que somente a linguagem mítica, figurada e simbólica é adequada para expressá-la. É o que o mito faz. O mito é verdadeiro quando o sentido que quer transmitir é verdadeiro e ilumina toda a comunidade. Assim o Natal é um mito cristão cheio de verdade.
Nós hoje usamos outros mitos para mostrar a relevância de Jesus. Para mim é de grande significação um mito antigo, que a Igreja aproveitou na liturgia do Natal para revelar a comoção cósmica face ao nascimento de Cristo. Ai se diz: ”Quando a noite estava no meio de seu curso e fazia-se profundo silêncio: então as folhas que farfalhavam pararam como mortas; então o vento que sussurrava, ficou parado no ar; então o galo que cantava parou no meio de seu canto; então as águas do riacho que corriam, se paralisaram; então as ovelhas que pastavam, ficaram imóveis; então o pastor que erguia o cajado para golpeá-las, ficou petrificado; então nesse momento tudo parou, tudo silenciou, tudo se suspendeu porque nasceu Jesus, o salvador da humanidade e do universo”.
O Natal nos quer comunicar que Deus não é aquela figura severa e de olhos penetrantes para perscrutar nossas vidas. Não. Ele surge como uma criança. Ela não julga; só quer receber carinho e brincar.
Eis que do presépio me veio uma voz que me sussurrou: ”Oh, criatura humana, por que tens medo de Deus? Não vês que sua mãe enfaixou seu corpinho frágil? Não percebes que ela não ameaça ninguém? Nem condena ninguém? Não escuta o seu chorinho doce? Mais que ajudar, ela precisa ser ajudada e coberta de carinho; não sabes que ele é o Deus-conosco-como nós?” E ai já não pensamos mais mas damos lugar ao coração que sente, se compadece e ama. Poderíamos fazer outra coisa diante de uma Criança, sabendo que é o Deus humanado?
Talvez ninguém escreveu melhor sobre o Natal que o poeta português Fernando Pessoa: ”Ele é a eterna criança, o Deus que faltava. Ele é o divino que sorri e que brinca. É a criança tão humana que é divina”.
Mais tarde transformaram o Menino Jesus no São Nicolau, no Santa Claus e, por fim, no Papai Noel. Pouco importa, porque no fundo, o espírito da bondade, da proximidade e do Presente divino está lá. Acertado foi o editorialista Francis Church do jornal The New York Sun de 1897 respondendo a uma menina de 8 anos, Virgínia, que lhe escreveu: "Prezado Editor: me diga de verdade, o Papai Noel existe?” E ele sabiamente respondeu:
"Sim, Virgínia, Papai Noel existe. Isto é tão certo quanto a existência do amor, da generosidade e da devoção. E você sabe que tudo isto existe de verdade, trazendo mais beleza e alegria à nossa vida. Como seria triste o mundo se não houvesse o Papai Noel! Seria tão triste quanto não existir Virgínias como você. Não haveria fé das crianças, nem a poesia e a fantasia que tornam nossa existência leve e bonita. Mas para isso temos que aprender a ver com os olhos do coração e do amor. Então percebemos que não há nenhum sinal de que o Papai Noel não exista. Se existe o Papai Noel? Graças a Deus ele vive e viverá sempre que houver crianças grandes e pequenas que aprenderam a ver com os olhos do coração”.
Nesta festa, tentemos a olhar com os olhos do coração; pois, todos fomos educados a olhar com os olhos da razão. Por isso somos frios. Hoje vamos resgatar os direitos do coração: deixar-nos comover com nossas crianças, permitir que sonhem e nos encher de estremecimento diante da Divina Criança que sentiu prazer e alegria ao decidir ser um de nós.
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