09/12/2012

'Virei a Geni', diz ex-ministra Ana de Hollanda

DIÓGENES MUNIZ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Demitida do governo em setembro deste ano e em silêncio desde então, a ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda decidiu falar. E cantar.
"Tinha que mostrar essa volta por cima", diz, encostada numa janelona com vista para o mar no apartamento do irmão Sergio Buarque de Hollanda Filho, o Sergito, em Copacabana, no Rio.
A ex-ministra acaba de compor uma espécie de canção-resposta sobre sua saída do ministério. Chama-se "Para Voltar" e tem doze versos. O samba, apresentado em primeira mão ao programa "TV Folha" (TV Cultura, hoje, 19h30), começa ponderando que "talvez tenha sido bom" e termina explicando que o "melhor era enfrentar".
Antes de voltar a compor, ela diz ter penado durante um mês com pesadelos diários que a jogavam de volta à rotina ministerial. "Antes do [ano] 3.500 eu não volto para lá", afirma a ex-ministra sobre Brasília.
Anna Maria Buarque de Hollanda, 64, é irmã mais nova de Chico Buarque, filha do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, cantora, compositora e notória defensora da propriedade intelectual.
Mas, no ministério, "eu era a Geni", diz, em referência à protagonista da canção "Geni e o Zepelim", composta pelo irmão famoso. "Todo mundo tacava pedra em mim."
ASCENSÃO E QUEDA
Desde o primeiro mês no governo, quando anunciou que queria rever o projeto de lei que flexibiliza os direitos autorais, Ana de Hollanda parecia estar prestes a cair.
Passaram-se 20 meses nessa toada, entre acusações de favorecer o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), órgão investigado em CPI, e ataques vindos de intelectuais e até do ex-ministro Juca Ferreira, para quem sua gestão foi nada menos que "um desastre".
Questionada sobre sua demissão após a cerimônia de posse de Marta Suplicy, que a substituiu, Ana de Hollanda foi seca. "Isso você pergunta à presidenta", disse.
A escolha ocorreu após a senadora petista abrir mão da disputa pela Prefeitura de São Paulo em favor de Fernando Haddad.
Agora, diante da mesma questão, a ex-ministra responde, contrariada: "Tudo foi por causa de São Paulo, eu sei". Diz ainda que vai acompanhar os rumos do ministério, mas sem fazer críticas ou ataques públicos como os que recebeu ("não é elegante").
"As pessoas muitas vezes priorizam os holofotes, o que vai dar mais efeito, o que vai aparecer melhor", cutuca.
Dentro de uma regata branca sob um tricô vermelho-escarlate, a ex-ministra recebeu a equipe do "TV Folha". Leia trechos da conversa.
João Wainer/Folhapress
Ana de Hollanda quebrou o silêncio e relatou, em verso e prosa, como foi sua passagem pelo MinC
Ana de Hollanda quebrou o silêncio e relatou, em verso e prosa, como foi sua passagem pelo MinC
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Folha - A quem você está respondendo com a nova música?
Ana de Hollanda - Estou respondendo tudo. Para mim, é difícil falar. Fui convidada para um cargo importante, mas não era meu programa, nunca sonhei com isso. Eu queria ficar aqui [no Rio]. Estava feliz, tinha acabado de reformar meu apartamento.
A letra de "Para Voltar" foi feita numa tarde. O [músico] Claudio Guimarães tinha me dado uma melodia quando fui para Brasília. Achava que ia ser tranquilo. Passaram-se dois anos, eu voltei, e o Claudinho me lembrou da música. Eu disse: "Claudio, estou esgotada, com branco total". Durante um mês, acordei todos os dias com pesadelos sobre os problemas que teria [para resolver no ministério], mas não tinha problema mais. Aí relaxei. E numa tarde veio a letra.
Por que, diferentemente do ex-ministro Gilberto Gil, você pôs de lado a carreira de cantora enquanto esteve no MinC?
Evitava porque tudo o que fizesse ia ser atacado. Queriam pegar o pessoal. Se cantasse, iam dizer que cantei mal. Se fizesse uma letra e mostrasse uma música nova, iam dizer que é um horror, que eu tinha que me aposentar. Não queria jogar fora o meu lado pessoal, então eu preservei.
Antes de assumir o ministério, você deu entrevistas sobre o "Só na Canção", seu primeiro CD autoral, e falou da transição de intérprete para compositora. Não parece ter sido um processo fácil também...
Acharam que eu comecei a compor de repente. Não foi de repente. E tem a coisa do Chico [Buarque], que é muito forte. Quando eu comecei a cantar, também tinha essa coisa de "está cantando porque é irmã do Chico". Eu cantava desde criança, em casa!
Sempre fiz, fiquei tentando, mas jogava fora. Acho que tinha que envelhecer um pouquinho. Depois de uma idade, a gente vai perdendo a vergonha. Mas aí, depois que entrei no ministério, parou tudo. Não tem como. Talvez até pelo meu próprio grilo, minha voz acabou. Está voltando aos poucos. O emocional desliga a voz. Porque o ataque pessoal dói muito. Virei a Geni, né?
Como assim?
Eu era a Geni, ficou fácil. Virei a Geni! Todo mundo tacava pedra em mim. Do tipo, "ficou fácil bater nessa Ana de Hollanda".
Chegou a conversar sobre isso com o Chico?
Acho que ele falou, agora nem lembro mais [risos].
Pela música, você parece ver o ato de voltar a cantar como uma volta por cima. É isso?
Eu quis fazer aquele samba tradicional que o pessoal usava para dar qualquer recado, que você faz e responde.
Eu até estava preocupada com esse lance da voz, porque eu queria passar o recado bem passado. Tenho que mostrar que eu não voltei acabada. Agora eu já estou inteira, e tinha que mostrar essa volta por cima. Fiz o que eu tinha que fazer, não me arrependo de nada.
Vai colocar suas músicas na internet algum dia?
Quero que ponham. Pode baixar e comprar. Mas pela gravadora, porque as minhas músicas não são de disco independente. Pode ver que muita coisa na internet você tem que pagar, que seja uma besteirinha, mas paga.
Sergio Lima/Folhapress
Ana de Hollanda participa da cerimônia de posse da nova ministra da Cultura, Marta Suplicy, no Palácio do Planalto
Ana de Hollanda participa da cerimônia de posse da nova ministra da Cultura, Marta Suplicy, no Palácio do Planalto
Quer voltar a ser gestora?
Não. Quero trabalhar um pouco mais solta, ficar um pouco mais "free-lancer", com menos tensão.
Alguma saudade de Brasília?
Não! Deixei muitos amigos lá e, sempre que eles perguntavam quando eu voltaria, eu lembrava que antes do 3.500 não volto para lá.
Tem um jogo [em Brasília] que muitas vezes é sujo, sem ética nenhuma. As pessoas muitas vezes priorizam os holofotes, o que vai dar mais efeito, o que vai aparecer melhor. Não há dúvida disso. Claro que talvez eu pudesse fazer um jogo político mais oportuno, se quisesse permanecer na política.
Esperava durar mais de 20 meses no ministério?
Eu sabia que a qualquer momento, enfim... não é fácil para a presidenta manter uma ministra que estava sob tanto ataque. E eu acho que ela manteve, acreditou, mas o momento político às vezes exige uma mudança.
Atribuem a sua demissão a um arranjo político, ao apoio da Marta Suplicy a Fernando Haddad na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
Sobre isso eu não quero falar. É coisa política mesmo. E não foi só a Marta, foram mais coisas. Foi tudo por causa de São Paulo, eu sei.
Vai acompanhar a gestão de Marta?
É claro. Torço por ela. Claro que posso discordar ou concordar com alguma coisa, isso é normal. Agora, se precisar, me manifesto particularmente. Não quero fazer um ataque, porque não é elegante, não é legal e não constrói.
Como foi sua saída? Sentiu-se apoiada pela classe artística?
Sempre tive apoio de muita gente. O que aconteceu foi uma coisa muito chata. Começaram a fazer um bullying virtual. Qualquer pessoa que saísse na minha defesa, vinha aquele enxame acabando com a pessoa. Os artistas começaram a ficar inibidos. No mundo da música, o apoio a mim era de 99%. Gente do rock, do samba, de tudo. O apoio era maciço, mas as pessoas tinham medo de se expor.
A questão dos direitos autorais foi especialmente delicada na sua gestão. Por quê?
Sempre foi polêmico. Hoje, o que acontece é que, com a internet, está se copiando muito. E a briga é com esses monopólios da internet que têm muito dinheiro. Por que não pagar os direitos autorais, como pagam os meios de comunicação, como pagam todos? Tem que pagar! É claro que teve essa grita comigo porque eu estava defendendo que fossem respeitados os direitos autorais. Esses megagrupos estavam jogando pesado. Eu sei que tinha inclusive muita grana nessa campanha.
E a garotada estava achando legal. [muda a voz] "Ah, isso daí é democrático, tem que ter acesso", mas acesso é o seguinte: todo mundo tem que ter à alimentação, à educação, a tudo, mas por que só o autor, que é o elo mais fraco, vai ter que dar de graça? É uma briga que envolve o interesse dos trabalhadores dessa área e das indústrias, que investem na produção e veem seus produtos surrupiados.
Mas não dá para dizer que apenas conglomerados de internet apoiam a flexibilização dos direitos autorais.
Muitos amigos me dizem: "Meu filho copia tudo". Eu sei, claro, se ele tiver como copiar, ele vai copiar tudo. É difícil você falar para ele que alguém vai ser prejudicado se isso for oferecido gratuitamente. Não é o garoto que é o culpado. O culpado é o sistema que não está cobrando e repassando o conteúdo. O garoto às vezes acha legal essa coisa libertária, anarquista. Anarquista é o que ele está pensando, porque tem grana rolando e os maiores milionários do mundo estão nessa área hoje em dia.
Você chegou a declarar que há "inocentes úteis" nesse debate. O que quis dizer?
Sim, são inocentes úteis. Tenho pena, porque eu tenho que fazer o papel antipático. Seria muito bonitinho eu falar "que legal, que moderno", mas a responsabilidade que eu tinha quando assumi [o ministério] era de ser uma gestora, de falar sério. É um campo livre a internet, em que se pode copiar? Mas, espera aí, tem que buscar isso, porque essa lei [de direito autoral sobre obras culturais, de fevereiro de 1998] ainda existe.
A internet é ótima! Porque a gente tem acesso a tudo mesmo e tem que ter. A gente [artista] quer também ter como aliada a internet para divulgar o nosso trabalho.
Mas com controle?
Sim, com o autor recebendo, evidentemente. Negocia-se [o valor] se é x ou y, isso é tranquilo

Folha de São Paulo

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