14/02/2013

O BLOCO DOS SUJOS NÃO PASSOU

Paulo Roberto Cândido*

O Carnaval passou, a fantasia voltará a ficar quieta e  as  baterias descansarão silenciosas nos barracões. Quantos olhos viram as alegorias? Quantas mãos acompanharam os sambas? Quantas vozes repetiram os  refrões hipnotizadores? Quantas pernas, joelhos e tornozelos ainda conseguem ir atrás dos Trios? Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu para a folia desmedida e ilusória. É um  pensamento  de  folião  consciente  em quarta-feira de cinzas. Quantos ainda estão lúcidos  para  compreenderem isso?

Quem usou máscaras o que pretendia dizer? Quem não usou muita  roupa o que pretendia mostrar? Quem  participou  da  turma  do  funil  de  que pretendia se inebriar? Enfim, o que quiseram de verdade nestes  dias  de carnaval? Extravasar alegria ou  fantasiar  a  melancolia?  Talvez  seja preferível ser um súdito de Momo, a ser regido pelos Reis da  corrupção.

Quanto riso, quanta alegria, mais de 190 milhões de palhaços nos porões, sem darem conta do que se faz nas cortes e nos salões. Reis  sábios  não querem que o povo veja o sol, por isso, enchem  os  porões  com  sabores inebriantes e melodias magnetizantes.

Alguém viu o bloco dos coerentes passar? Alguém explicou  o  sentido dos enredos da vida? Quem irá agora descompassar os corações que ficaram quatro dias no compasso de uma única alegria? O  surdo  na  marcação  do esquecimento, o tamborim na batida do dissolvimento, as caixas no ritmo do  confinamento;  Corações  foliões  esquecidos  da  realidade,  razões dissolvidas em alas, esperanças confinadas sem a harmonia  da  evolução. Lá vem a bateria da mocidade inconsequente, não existe mais indiferente,
não existe mais indiferente.

Não pensem que eu não goste de carnaval, o que faço é pular  com  as vibrações do que eu acredito beber sem que a ressaca faça folia no  dia seguinte, me fantasiar sem que a minha identidade se torne  uma  ilusão, acompanhar as músicas da temporada sem desfazer o  meu  acervo  cultural construído pelas  belas  composições  do  passado.  Brinco  com  a  alma carregando o estandarte da Paz e  as  retinas  observando  as  cenas  da unidade, destas que colocam ricos e pobres, brancos  e  negros,  homens, mulheres, crianças e idosos na Escola de Samba Unidos da Felicidade  sem fronteiras.

Como é bom enxergar o  DNA  da  igualdade  desfilando  pelas praças e ruas de um País bonito por natureza  e  rico  por  insistência. Quanto pilantra, quanta raposa,  mais  de  300  picaretas  roubando  sem precisar usar máscaras negras; São os Acadêmicos das Alianças sem Pudor. Mas cada Escola que passa, cada Trio que toca faz o povo querer Carnaval o ano inteiro, assim, ninguém terá tempo para discutir o que se faz  por debaixo dos panos e dos pratos, aqueles que o arquiteto desenhou para  o nosso Congresso.

O Carnaval passou, o mensalão passou, o bloco dos sujos não  passou, continua feliz concentrado na apoteose do poder, escrevendo o enredo das cinzas, que cairão como confetes  nas  cabeças  tontas  dos  loucos  por paredões de sons e caminhões  repetidores  da  mesma  melodia,  que  nem percebem que a alegria verdadeira não precisa de Carnaval para botar o seu bloco na rua.

*Escritor e membro da Academia Metropolitana de Letras

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