02/02/2013

O (des)amor em Manuel Bandeira


Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, o Manuel Bandeira, é um dos maiores representantes do modernismo brasileiro. Foi prosador, tradutor, crítico, poeta e dono de uma escrita singular carregada de (des)alentos, melancolias, tristezas e (des)amores. Os escritos deste porta pernambucano do Brasil são retratos de "uma vida inteira que poderia ter sido e que não foi"

Manuel Bandeira sofria de tuberculose e, de posse dos riscos que tal doença oferecia, viveu na perspectiva de deixar de existir. Esta angústia é retratada constantemente em sua obra poética. Embora o autor verse sobre o cotidiano, sua forma de analisá-lo é melancólica e triste. Essa forma de "ver/ descrever" as coisas também se aplica ao amor, por muitas vezes, convertido em desamor.

Introito

Yudith Rosenbaum, autora do livro "Manuel Bandeira: uma poesia da ausência", afirma que o eu-lírico das poesias do autor é o próprio autor, uma vez que os núcleos temáticos estão relacionados às perdas vivenciadas por ele. Em "Correia da Espada", crônica na qual Manuel Bandeira versa sobre a enorme repercussão que o seu poema "da Espada" obteve em todo o país, ele parece dar suporte ao que defende Yudith Rosenbaum quando diz: "No fundo, sou apenas, por força das circunstâncias, um simples poeta lírico, um poeta menor, que há uns cinquenta anos não faz senão esperar a morte, cantando as grandes tristezas e as pequenas alegrias que a vida lhe tem proporcionado". O que precisa ser considerado, de fato, é que suas poesias possuem uma enorme carga de melancolia, inclusive, quando o autor escreve sobre o amor. Serão analisados dois poemas de Manuel Bandeira que tratam sobre o amor de formas diferenciadas, mas que se complementam. São eles: "Chama e Fumo" e "Boda Espiritual", ambos extraídos do livro A cinza das horas.

No poema "Chama e Fumo", Manuel Bandeira faz convergir as múltiplas faces do sentimento amoroso, fato este que é determinante para a manifestação do sentimento de angústia do eu-lírico ao retratar a efemeridade daquele sentimento . (Texto I)

Neste verso, o eu lírico apresenta a efemeridade do amor, pois ele é chama (metáfora referente ao fogo da paixão) e depois fumaça (metáfora que indica o fim do sentimento). O eu-lírico também pede para que o "amante" pense antes de tomar uma atitude em "Meditais no que vais fazer", pois a chama que deveras sente, um dia tornar-se-á fumo. Neste verso temos os substantivos chama e fumaça, que podem designar a ação do amor; uma vez que ele pode "chamar" e depois "esfumaçar" (desaparecer), fato este que confirma a efemeridade do amor para Manuel Bandeira. As reticências finais, utilizadas como recurso estilístico, da primeira estrofe transmitem a sensação da partida do amor.

Da 2º a 4º estrofe

Nos três versos seguintes, Manuel Bandeira apresenta, através de uma perspectiva melancólica e ilusória, as faces do amor defendendo ainda a sua efemeridade. Manuel Bandeira também descreve o desgaste que acontecem durante os relacionamentos por meio da alegoria do "queimar". Ao lermos este poema temos a sensação de que o sentimento vai se esvaindo aos poucos, acompanhando, desse modo, os passos da leitura (Texto II)

Neste verso já é possível enxergar a figura de dois amantes por meio dos pronomes "meu" e "teu". Pressupõe-se, dessa forma, o sentimento amoroso recíproco que em ambos deixa de existir.

No trecho "gozo cruel, ventura escassa", o autor parece dizer que o sofrimento no sentimento amoroso é maior do que a sensação experimentada de felicidade. (Texto III)

O gozo é cruel porque ele queima e, após acabado o frisson inicial do amor, o sentimento se apaga e só resta fumaça ou lembrança do sentimento que já se foi. (Texto IV)

Independente de qual seja a forma de amar e de como o amor se manifesta- paradoxalmente, (pura ou devassamente, triste ou feliz pena ou prazer) esse sentimento está fadado ao seu fim. (Texto V)

Para Manuel Bandeira, o sentimento amoroso, em todos os amantes, está predestinado ao fim. O amor vai se acabando com o passar do tempo. Neste trecho, Manuel Bandeira relaciona, por meio da metáfora da dor, a sensação de tristeza que traz o entardecer ao término do sentimento amoroso que, por sua vez, também é sofrido. (Texto VI)

Os versos são a rigor, uma espécie de recuperação de uma experiência da memória dos prazeres iniciais do início do relacionamento. Retorno mais forte a alegoria da paixão como fogueira linda que arde. Traz a carga imagética da força e da intensidade do amor que está fadado a apagar como a fogueira. (Texto VII)

Manuel Bandeira, propositalmente, não "consegue" encontrar termos mais funcionais para explicar a brevidade do sentimento amoroso e reapresenta o trecho "o fumo vem, a chama passa..." como forma de explicação da fugacidade do amor. (Texto VIII)

O término do sentimento amoroso ou da própria relação entre duas pessoas está fadado a acontecer. Apesar de ser triste as coisas tem que ser assim (retorno ao determinismo). Os dois pontos ( : ), após a palavra "fumaça", funcionam como finalização da ideia que vai encerrar o poema com a repetição do trecho" Amor- chama, e, depois, fumaça... "que se dá em todo poema, Essa repetição é um recurso estilístico que atribui cadência melódica ou musicalidade ao poema de Bandeira e também é o elemento que liga as estrofes.

FIQUE POR DENTRO

Breve retrato do artista

Manuel Bandeira (PE, 1886; RJ, 1968), uma vez eliminados os resíduos parnasianos e simbolistas dos primeiros livros (A cinza das horas; Carnaval), enquadra-se na vertente mais clássica do espirito modernista: tece, com a mesma habilidade, versos brancos e livres ou rimados e metrificados; rompe as barreiras entre a prosa e a poesia. Predomina em sua escritura o lirismo do eu, confessional, mas o cotidiano jamais desaparece de seus textos. Desenvolveu, principalmente, os temas da morte, do cotidiano, da infância, com pessimismo, humor e ironia. Seu poema Os Sapos (crítica ao formalismo parnasiano) foi declamado por Ronald de Carvalho, quando da abertura da Semana de Arte Moderna, movimento que marcou, em termos oficiais e de orientação cronológica o início do Modernismo no Brasil.

Trechos

Texto I

Amor - chama, e, depois, fumaça.../ Meditas no que vais fazer: o fumo vem, a chama passa...

Texto II

Gozo cruel, ventura escassa/ Dono do meu e do teu ser/ Amor- chama, e, depois, fumaça...

Texto III

Tanto ele queima! E, por desgraça/ Queimado o que melhor houver/ O fumo vem, a chama passa..

Texto IV

Paixão puríssima ou devassa/ Triste ou feliz, pena ou prazer/ Amor- chama, e, depois, fumaça...

Texto V

A cada par que a aurora enlaça/ Como é pungente o entardecer!/ O fumo vem, a chama passa...

Texto VI

Antes, todo ele é gosto e graça/ Amor, fogueira linda a arder!/ Amor- chama, e, depois, fumaça...

Texto VII

Porquanto, mal se satisfaça/ (Como te poderei dizer?...)/ O fumo vem, a chama passa...

Texto VIII

A chama queima. O fumo embaça/ Tão triste que é! Mas... tem de ser.../Amor?...- chama, e, depois, fumaça: / O fumo vem, a chama passa...


MEYSSE MARA DE OLIVEIRA
COLABORADORA*
Do Curso de Letras da Uece
Diário do Nordeste

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