14/02/2013

Pontífice denuncia divisão no clero e ´hipocrisia religiosa´ durante missa

Na primeira aparição pública após anunciar renúncia, o papa disse não ter energia para continuar ministério
Cidade do Vaticano O papa Bento XVI, que renunciará ao pontificado no próximo dia 28, celebrou, ontem, sua última grande missa, na qual se mostrou visivelmente emocionado com o afeto dos fiéis e denunciou que a divisão no clero e a falta de unidade desfiguram o rosto da Igreja.

Bento XVI demonstrou emoção na missa da quarta-feira de Cinzas Foto: Reuters


Diante da Basílica de São Pedro lotada, o papa rezou a missa da quarta-feira de Cinzas, que abre a Quaresma, e destacou a importância do testemunho de fé e da vida cristã de cada um dos seguidores de Cristo para mostrar a verdadeira cara da Igreja. O pontífice acrescentou que, no entanto, muitas vezes esse rosto "aparece desfigurado".

"Penso em particular nos atentados contra a unidade da Igreja e nas divisões no corpo eclesiástico", afirmou o papa, que acrescentou que é preciso viver a Quaresma de uma maneira intensa, superando "individualismos e rivalidades".

Bento XVI também disse que Jesus denunciou a "hipocrisia religiosa, o comportamento de que buscam o aplauso e a aprovação do público". "O verdadeiro discípulo não serve a si mesmo ou ao público, mas ao Senhor, de maneira singela, simples e generosa", ressaltou o pontífice.

Em sua segunda aparição pública após o anúncio da renúncia, o religioso falou sobre sua decisão e pediu orações pela Igreja. "As circunstâncias sugeriram que nos reunamos em torno do túmulo de São Pedro para pedir pela Igreja neste particular momento, renovando nossa fé em Cristo. Para mim, é a ocasião para agradecer a todos quando me disponho a concluir meu ministério e para lhes pedir que me tenham em suas preces", disse.

Emoção

Fiéis que lotaram a Basílica de São Pedro ovacionaram de pé Bento XVI numa emotiva despedida. Num gesto excepcional, os bispos presentes tiraram suas mitras em sinal de respeito, e alguns choraram.

A missa deveria ter sido celebrada numa Igreja de Roma, mas foi transferida para a Basílica a fim de que mais fiéis pudessem assisti-la. Ainda assim, centenas ficaram do lado de fora.

´Em plena liberdade´

Na manhã de ontem, em sua primeira aparição pública, o papa demissionário assegurou que decidiu renunciar ao pontificado "em plena liberdade, para o bem da Igreja", e após "ter orado muito" e examinado sua "consciência diante de Deus".

"Estou ciente da importância do ato, mas também de não ser capaz de desempenhar o ministério de Pedro com a energia que ele requer", declarou o papa, que tem 85 anos, ressaltando a razão já alegada aos cardeais de que não se sentia com forças para permanecer à frente da Igreja.

O papa reconheceu que estes são dias "nada fáceis", mas que notou "quase fisicamente a força da prece do amor da Igreja".

Quaresma

Na homilia da missa da Basílica de São Pedro, Bento XVI disse que a Quaresma é um tempo de conversão, e exortou os fiéis a "retornar a Deus". O bispo de Roma reiterou as práticas tradicionais da esmola, o jejum e a prece como caminhos para retornar a Cristo.

Após a homilia, o cardeal Angelo Comastri impôs as Cinzas ao papa. Depois, Bento XVI as impôs a ele, ao secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone; ao cardeal decano, Angelo Sodano, e a vários frades.

Concluída a missa, Tarcisio Bertone expressou ao papa a "tristeza" da Igreja por sua renúncia ao pontificado. "Não seríamos sinceros se não lhe disséssemos que hoje há um véu de tristeza em nossos corações", disse Bertone, que ressaltou que este ato revela que "a pureza de mente, a fé forte e exigente, a força da humildade e docilidade, junto com uma grande coragem marcaram cada passagem de sua vida e de seu ministério".

Após as palavras de Bertone, o papa, comovido, foi amplamente aplaudido por vários minutos. Bento XVI se retirará no próximo domingo durante uma semana para exercícios espirituais, que terminarão no dia 23.

Escândalos

O irmão de Bento XVI, Georg Ratzinger, disse que a renúncia do papa não foi motivada pelos escândalos recentes envolvendo a Igreja. Os escândalos, segundo Ratzinger, não teriam "nada a ver" com a decisão do pontífice.

Bento XVI convoca jovens para Igreja

Brasília Em mensagem lida, na tarde de ontem, durante o lançamento da Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem como tema "Fraternidade e Juventude", o papa Bento XVI fala sobre renovação e afirma que os guias da Igreja Católica devem permanecer "novos por dentro, mesmo que não o sejam de idade".

O papa disse na mensagem aos brasileiros que "os sinais dos tempos" surgem através dos jovens. "Menosprezar estes sinais ou não os saber discernir é perder ocasiões de renovação. Se eles foram o presente, serão também o futuro", diz o texto assinado em 7 de fevereiro, quatro dias antes de o pontífice ter anunciado a renúncia.

Bento XVI afirmou na carta que, para os jovens serem protagonistas integrados na comunidade cristã, os líderes não podem "impor rumos".

"Isto requer guias - padres, consagrados ou leigos - que permaneçam novos por dentro, mesmo que o não sejam de idade, mas capazes de fazer caminho sem impor rumos, de empatia solidária, de dar testemunho de salvação, que a fé e o seguimento de Jesus Cristo cada dia alimentam", diz a mensagem.

Silêncio do governo

O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, rompeu o silêncio de dois dias do governo brasileiro sobre a renúncia do papa Bento XVI. Ele participou do lançamento da Campanha da Fraternidade. "Não há problema na relação entre governo e a Igreja", disse. O silêncio, no entanto, foi interpretado como sinal de distanciamento entre governo brasileiro e o Vaticano. Na campanha presidencial, o papa teria recomendado não votar em candidatos favoráveis ao aborto.

´Renúncia é ato de amor´

A renúncia do papa Bento XVI, de 85 anos, anunciada na segunda-feira (11), gerou comentários em diversas partes do mundo. Em Fortaleza, membros da Igreja Católica apoiam a decisão de Bento XVI. Na visão do arcebispo de Fortaleza dom José Antonio, a renúncia é um ato de amor a Deus e ao próximo. Ele acrescenta que a atitude do papa não muda nada, porque a evangelização da Igreja vai continuar da mesma maneira, só que com outro líder.

O arcebispo reconheceu que Bento XVI teve coragem e humildade de entregar seu cargo para outro líder mais capacitado e saudável FOTO: JOSÉ LEOMAR


"Padres mudam, líderes mudam, e o mundo segue seu curso, a vida vai para frente. O único insubstituível e imutável é Jesus Cristo. Para mim, é uma grande confirmação de que quem age na Igreja é Deus, não os homens. Bento XVI viu sua força declinando, enquanto as exigências da Igreja aumentavam e teve coragem e humildade de entregar seu cargo para outro líder mais capacitado e saudável. Isso é um ato de amor", pontua.

Ainda na opinião do arcebispo, a renúncia é uma lição para os jovens, pois o papa, ao dizer que estava sem energias, dá oportunidade para que a juventude trabalhe mais e mais na evangelização, que só é possível se realizada em conjunto.

O coordenador dado setor de juventude da arquidiocese de Fortaleza, Lucas Guerra, também recebeu a notícia com respeito. Ele acredita que a renúncia não irá atrapalhar os planos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que acontece em julho, no Rio de Janeiro, e contava com a presença de Bento XVI. "Certamente, o próximo líder da Igreja Católica irá se inteirar da agenda e marcar presença no encontro, pois milhares de jovens já esperam por sua bênção", declara.

Curiosidades

Carmelengo

No período de transição para a escolha de um novo papa, a Igreja será governada pelo Colégio de Cardeais, liderada por Tarcisio Bertone, como cardeal carmelengo. Ele supervisionará o processo eleitoral

Anel destruído

Segundo o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, o anel papal de Bento XVI será destruído depois que ele renunciar - seu sucessor terá um novo anel. Os experts ainda estudam como a jóia será feita

Fumaça branca

De acordo com o ritual do Vaticano, quando o papa é escolhido, emiti-se fumaça branca e soam os sinos. Uma hora depois o novo pontífice aparece na sacada da Basílica de São Pedro

Mosteiro

Construído em 1992, o mosteiro que vai abrigar Joseph Ratzinger vinha sendo reformado desde outubro do ano passado. Localizado nos arredores do Vaticano, Mater Ecclesiae é considerado um oásis de tranquilidade

LÍVIA LOPESESPECIAL PARA INTERNACIONAL
Diário do Nordeste

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