População teme mais um ano de estiagem. Alguns pequenos criadores já perderam 20% do rebanho.
Na localidade de Riacho Vermelho, em Iguatu, os criadores lamentam a mortalidade do gado, com a escassez de chuvas, de água e alimentos FOTO: HONÓRIO BARBOSA
Iguatu. "Ó Deus, cadê a chuva que não chega? O gado está morrendo e não temos mais condição de dar ração a todos os animais". O clamor do criador, Aldeci Alves Vieira, 77 anos, da localidade de Riacho Vermelho, na zona rural deste município, na região Centro-Sul, é um lamento diário de milhares de produtores rurais, ante o temor de um segundo ano de estiagem no sertão do Ceará. Nas áreas de criação e nas margens das rodovias, as carcaças de bovinos mortos denunciam a gravidade da seca que atinge o nosso Estado desde o ano passado.
O desespero toma conta dos criadores, tanto da agricultura familiar, quanto dos pequenos, médios e grandes produtores. Os estoques de ração estão acabando. O milho vendido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é insuficiente para atender até mesmo 30% da demanda. As reservas de água também estão se esgotando.
Somente na região de Brejo Santo, no Sul do Ceará, já morreram cerca de seis mil animais, em oito municípios, segundo estimativa do escritório regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematerce). O gerente regional do órgão, José Dias Ferreira, estima que esse número irá triplicar, caso a chuva não chegue logo. "Os animais estão morrendo, não temos mais o que fazer, sem condição de comprar ração e a situação está piorando a cada dia", disse o criador, José Vicente Lima.
Para o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Ceará (Faec), Flávio Sabóia, a realidade é de desespero e tende a se agravar, caso ocorra uma nova seca. "Os clamores vindos do Interior chegam a nós todos os dias", disse. "Estamos vivendo um momento de expectativa", acrescenta.
De um total de cem bovinos, o criador Aldeci Vieira já perdeu 26 animais, entre vacas e bois, de sua propriedade. "Os mais fracos estão morrendo de fome", disse. "A gente vai dividindo a ração, dando a uns e outros não, mas agora acabou o estoque, e não tenho mais condição de comprar, e o pior é ver os bichos morrerem", destaca.
De um médio produtor, em Jucás, com plantel de 500 bovinos, já morreram 100 animais. Sobre a estimativa de mortandade de gado no Ceará, o vice-presidente da Faec, Paulo Hélder, esclareceu que a Federação trabalha com dados divulgados pela Agência de Defesa Agropecuária (Adagri) que é de 2% para morte e de 1% para transferência para outros Estados. Esses índices divergem dos relatos apresentados pelos criadores.
Clima
O mês de janeiro terminou e praticamente não choveu na maior parte do sertão. As precipitações localizadas não foram suficientes para a formação de pastagem. As previsões meteo-rológicas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) e do Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é de que as chuvas permaneçam abaixo da média neste mês de fevereiro e também em março e abril próximo. De acordo com dados parciais da Funceme, no mês de janeiro passado, choveu em média, no Ceará, 48mm, um desvio negativo de 46% da média histórica para o período, que é de 91mm.
Na localidade de Riacho Vermelho, em Iguatu, a última chuva registrada foi de 34 mm, em março de 2012. "O quadro atual é de má distribuição espacial das chuvas", observou a meteorologista da Funceme, Cláudia Rickes. Ou seja, as precipitações são localizadas dentro de um mesmo município, deixando áreas sem nenhum registro pluviométrico.
"De agora pra frente, a situação vai piorar porque os criadores não têm mais como alimentar os bovinos", disse o secretário de Políticas Agrícolas da Federação dos Trabalhadores Rurais (Fetraece), Luís Carlos de Lima. "A situação é grave".
Lima ainda observou que as ações do governo para enfrentamento do quadro de estiagem são importantes, mas considerou insuficientes para atender aos produtores rurais.
Os grandes criadores já venderam e fizeram transferência de boa parte do rebanho para outros Estados. Agora, o gado magro não serve para ser comercializado para o abate. "O governo precisa tirar os projetos do papel e ampliar as ações para evitar a morte do gado", disse o produtor, Erivaldo Freitas. "O atraso na liberação de financiamento dito de emergência para a seca pelo BNB está prejudicando muitos produtores".
Freitas é um exemplo, dentre tantos outros no Ceará. Em julho, apresentou projeto de financiamento no valor de R$ 12 mil para compra de sistema de irrigação. O objetivo era implantar uma área de capim irrigado. "Somente agora foi aprovado, mas a empresa credenciada pelo banco ainda não fez a entrega dos equipamentos", lamentou.
A Faec e a Fetraece apresentaram, anteontem, durante reunião extraordinária do Comitê Integrado de Combate à Estiagem, novas propostas de ações a serem implantadas com urgência no Ceará. Há a sugestão de reestruturação da Defesa Civil em âmbito regional, perfuração de poços, cultivo de capim em áreas úmidas e ociosas de Perímetros Irrigados e vales férteis, num sistema de parceria público e privado para produção de forragem para o gado, assim como ampliação do abastecimento de água por carro-pipa e ampliação de parcelas do Garantia Safra.
A súplica dos criadores em forma de prece também é feita pelo presidente da Faec. "Peço a Deus que essa previsão de uma nova estiagem não se configure, porque vamos assistir a um verdadeiro clamor. A pecuária não vai resistir a dois anos de seca".
Prorrogado o prazo do Garantia Safra
Em 2012, a estiagem fez com que muitos agricultores perdesse boa parte da safra de cereais e outros insumos, como milho FOTO: HONÓRIO BARBOSA
Crateús. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) prorrogou até o dia 28 de fevereiro o prazo para que os agricultores familiares paguem o boleto de adesão ao Garantia-Safra Ano 2013. A solicitação foi feita pelo Estado do Ceará, através da Secretaria do Desenvolvimento Agrário.
Segundo a SDA, até as 16 horas do dia 31 de janeiro, 271.870 agricultores haviam efetuado o pagamento da adesão ao benefício. Ao todo, 311.638 agricultores estão inscritos com sucesso no programa em 2013, faltando 39.768 agricultores efetuarem o pagamento dos boletos.
O secretário do Desenvolvimento Agrário, Nelson Martins, ainda destacou que o trabalhador rural deverá pagar R$ 9,50 para aderir ao programa. "É importante que os agricultores cadastrados paguem o benefício para que ninguém deixe de recebê-lo".
Nélson Martins também ressaltou que as previsões da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) para este ano apontam para 45% de chances de um inverno abaixo da média. "Mais um motivo para que os agricultores não deixem de aderir ao programa Garantia Safra" complementou o secretário.
Os agricultores familiares devem procurar seus boletos nas Prefeituras Municipais, nos escritórios da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematerce) ou nos sindicatos rurais. Para mais esclarecimentos, ainda podem ligar para o número 0800.2803300.
Em 2013, o Programa Garantia-Safra vai pagar R$ 760, divididos em cinco parcelas de R$ 152. Os municípios pagam R$ 28,50, os Estados, R$ 57,00 e a União vai contribuir com o valor de R$ 190,00, por cada agricultor cadastrado. Em 2012, foram aproximadamente 240 mil agricultores cadastrados no Garantia-Safra. O benefício foi pago, dividido em dez parcelas, sendo nove pagas pelo Governo Federal e uma paga pelo Governo do Estado do Ceará.
Cisternas
A SDA recebe, a partir do dia 14 de fevereiro, inscrições para seleção de pessoas jurídicas de direito privado e sem fins lucrativos para executar o programa de construção, mobilização e capacitação para uso de cisternas de placas no Ceará.
As entidades selecionadas celebrarão convênio de cooperação técnica com a Secretaria para a execução do programa, construindo 3.106 cisternas de placas, que universalizarão o acesso à água para beber e cozinhar em comunidades rurais dos municípios de Ibaretama, Itatira, Guaramiranga, Caridade e Santa Quitéria.
"Nós já temos 49.142 mil cisternas construídas e outras 33.400 em andamento", afirmou Nelson Martins. O programa de Cisterna de Placas é uma parceria da SDA com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
Segundo a coordenadora do Programa de Cisternas de Placa da SDA, Neyara Lage, com a construção dos novos cisternas de placas, cerca de 50% das comunidades que necessitam de água de qualidade estão sendo beneficiadas.
A ação é uma das formas utilizadas pelo Governo para aumentar a oferta de água na zona rural e minimizar os efeitos da seca no Estado.
Comitê
O Comitê Integrado de Combate à Seca do Ceará discute ações que serão levadas ao governador Cid Gomes como sugestões para serem desenvolvidas pelo Estado do Ceará para a convivência com a seca. A maior preocupação nesse momento é o abastecimento de água para consumo humano e animal, bem como com a alimentação.
A próxima reunião do Comitê Integrado será em Monsenhor Tabosa, na segunda-feira, dia 4 de fevereiro, com os representantes dos municípios desta região (Sertão Central, de Crateús e Inhamuns). O encontro será na sede da Secretaria Municipal de Assistência Social, às 9 horas.
Mais informações
SDA
Av. Bezerra de Menezes, nº 1820 Fortaleza - Ceará
Telefone: 3101.8002
SDA
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SILVÂNIA CLAUDINO/HONÓRIO BARBOSAREPÓRTER
Diário do Nordeste
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