06/05/2013

Bitcoin, a primeira moeda mundial?


É COISA SÉRIA Uma moeda física de bitcoin, feita de brincadeira pelo engenheiro Mike Caldwell. A moeda virtual atrai hoje estudiosos, especuladores e consumidores (Foto: ©www.flickr.com/zcopley)Foi como uma corrida do ouro. Ao longo de março, uma crise bancária na pequena nação europeia de Chipre fez com que hordas de espanhóis tentassem sacar o dinheiro que tinham por lá. Assustados, eles usaram os euros para comprar o que parecia ser um ótimo investimento – um tipo de dinheiro invisível e intocável, criado por um sujeito que provavelmente não existe. Trata-se da “bitcoin”, uma moeda digital lançada na internet em 2009 por um certo Satoshi Nakamoto. Os espanhóis à caça de bitcoins uniram-se a outros grupos que já procuravam a moeda, como especuladores confiantes em sua valorização ou compradores de drogas ilegais pela internet. A onda de interessados fez com que a cotação disparasse. Passou da casa dos US$ 40, já bem alta, para mais de US$ 200, em abril. Em outubro, a bitcoin já chamava a atenção do Banco Central Europeu, que dedicou um relatório ao dinheiro digital. O estudo reconhecia que moedas virtuais como a bitcoin poderiam competir com o dólar e o euro. Agora, a novidade atrai, além de usuários de todos os tipos, a atenção de pesquisadores, órgãos reguladores e forças policiais.

O sistema bitcoin é subversivo por vários aspectos. Com ele, um brasileiro não precisa de cartão de crédito internacional para fazer compras pela internet no exterior. Basta que a loja aceite pagamentos em bitcoin. Os computadores trocam informações entre si, e as moedas trocam de mãos. O sistema dispensa o usuário de fornecer informações pessoais (assim como dinheiro vivo), dispensa intermediários e elimina o perigo de o mesmo dinheiro ser usado duas vezes, como ocorre em algumas fraudes virtuais. Para fazer compras, o usuário precisa baixar uma carteira eletrônica, que guarda suas moedas, ou cadastrar-se num serviço on-line que faça o mesmo. As moedas podem ser trocadas em casas de câmbio on-line,como a Mt. Gox, a maior do ramo. 

Há pelo menos 30 delas em funcionamento, trocando bitcoin por todas as moedas relevantes do mundo. A Bitpay, empresa americana que processa pagamentos em bitcoin no mundo todo, atende 6 mil lojas físicas e on-line.

a mensagem 779 moeda (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
A característica mais perturbadora do sistema é permitir que cada usuário crie bitcoin ou, em outras palavras, fabrique dinheiro em casa. Nesse aspecto, parece um neto inesperado das ideias de economistas como o austríaco Friedrich Hayek (1899-1992). Hayek e seus colegas eram integrantes de uma escola econômica que questionava o que consideravam o autoritarismo dos bancos centrais sobre as moedas, conhecida como Escola Austríaca. Na ausência de uma entidade central e de uma Casa da Moeda, o nascimento de bitcoins tem de se autorregular de outra forma.

O sistema usa uma lógica similar à do BitTorrent, a tecnologia que permite que usuários de internet compartilhem dados e é muito usada para baixar filmes. Quando um computador baixa um filme, ele coleta trechos do arquivo em várias outras máquinas da rede. O grande número de computadores conectados permite que o fluxo de dados seja mais rápido. A mesma lógica funciona com a moeda virtual. Cada bitcoin é uma sequência de letras e números. Quando ocorre uma transação de transferência de bitcoin, todos os computadores participantes do sistema são inquiridos, para confirmar sua validade e a passagem do dinheiro de um usuário ao outro. O primeiro computador a certificar ou a rejeitar a transação produz automaticamente 25 bitcoins. É assim que novas moedas são criadas. A prática é chamada de minerar bitcoins, uma referência à mineração de ouro, também lenta e árdua. Só que, em vez da força dos braços, usa o poder de computação de cada máquina. “Hoje, a cada dez minutos, criam-se no mundo 25 bitcoins”, diz Gavin Andresen, cientista-chefe da BitCoin Foundation, uma organização dedicada a aperfeiçoar o funcionamento do sistema. Gavin estima que existam cerca de 15 mil computadores conectados. Com o tempo, as operações que validam as transações se tornam mais difíceis, assim como encontrar ouro no subsolo é cada vez mais raro no mundo. “Hoje, minerar bitcoins é 9 milhões de vezes mais difícil que em 2009”, afirma Andresen. A programação do sistema prevê que a produção de moedas diminua gradualmente. Há cerca de 11 milhões delas em circulação. Prevê-se que o número de bitcoins atinja o teto de 21 milhões, previsto no sistema, por volta de 2040.

Nakamoto, nome atribuído a um especialista em computação, explicou o funcionamento da moeda num artigo publicado em 2008. “Propomos um sistema para transações eletrônicas que dispensa a confiança (entre as duas partes envolvidas)”, afirmava o texto, escrito em formato acadêmico. “O sistema é seguro, contanto que os participantes honestos, coletivamente, controlem mais poder de computação do que qualquer grupo de atacantes (hackers).” Em 2009, ele lançou o sistema e, em 2011, sumiu. Sua existência é tema de debate. Muitos creem que se trata de um grupo, e não de um indivíduo. Seu primeiro nome, Satoshi, significa “sábio” em japonês. Ele conquistou uma multidão de admiradores.

No ano passado, um quarteto de pesquisadores, liderado pelo cientista da computação Simon Barber, do centro de pesquisas Parc, nos Estados Unidos, avaliou a novidade. Eles concluíram que, embora o método de segurança usado não seja genial, a arquitetura do sistema impressiona pela eficiência. “O apelo do bitcoin está em sua simplicidade, flexibilidade e descentralização”, afirmam os pesquisadores do Parc e da Universidade da Califórnia.


Eles avaliaram vários pontos fortes do sistema. Em três décadas de pesquisa com dinheiro eletrônico, nenhum outro pareceu tão atraente quanto o bitcoin para os consumidores. Como a mineração se torna mais difícil com o tempo, surge um forte incentivo para que os interessados entrem logo no jogo, em vez de esperar que ele “pegue”. O sistema parece menos com um jogo de realidade virtual (em que você só se diverte se já houver muita gente jogando) e mais com uma mina de ouro (em que você lucrará mais se chegar antes). O sistema ainda é aberto, um convite a programadores e empreendedores para melhorá-lo e adaptá-lo.

A família das moedas (Foto: Shutterstock (13), Facebook  e reprodução (2))
A humanidade usa o conceito de dinheiro há mais de cinco milênios na forma de mercadorias variadas (leia o quadro). Usa moedas há quase 30 séculos. E brinca com moedas digitais há alguns anos. Ao longo dessa história toda, a bitcoin é a primeira moeda que, ao mesmo tempo, não tem existência material nem é emitida por uma autoridade central.

Apesar desse sucesso, sua sobrevivência não está garantida. As autoridades têm ressalvas em relação à novidade, porque as operações não deixam identificação. A bitcoin facilita as remessas de dinheiro entre países e a compra de mercadoria ilegal. Outro problema é que a quantidade de bitcoins em circulação não é definida por uma política monetária, mas por um programa de computador. Como a produção de bitcoins se torna progressivamente mais difícil, ela tende a se valorizar em relação a outras moedas e a ganhar poder de compra. Esse fenômeno se chama deflação. Em tese, o mesmo ocorreria com o ouro, por novas minas serem cada vez mais difíceis de encontrar.


Aquilo que parece ser bom para a moeda – que o digam os brasileiros que veem o real mordido pela inflação nos últimos tempos – converte-se facilmente em problema. A valorização contínua tende a incentivar os hackers a investir em poder de computação suficiente para roubar bitcoins. Já houve casos assim, que podem espantar novos interessados. A valorização também estimula os especuladores a guardar bitcoins, em vez de gastá-los. É o caso dos irmãos e investidores americanos Cameron e Tyler Winklevoss, que se tornaram famosos por disputar na Justiça direitos sobre a criação do Facebook. Os dois passaram a investir em bitcoin e detêm cerca de 1% das moedas em circulação. No Brasil, há muito mais pequenos especuladores que pessoas interessadas em fazer compras. “Os especuladores são cerca de 95% dos usuários”, afirma o consultor de tecnologia Leandro César. Ele criou, em 2011, o site Mercado Bitcoin, em que interessados podem trocar reais por moedas virtuais. Há hoje 250 mil usuários cadastrados, segundo Leandro. Se os grupos de especuladores e “empilhadores” da moeda superarem em número os usuários comuns, dispostos a comprar produtos e serviços, a bitcoin perderá o sentido.


Atualmente, já surgem outros candidatos ao posto de moeda digital mais sofisticada do mundo. Ripple e Litecoin são duas delas. As ameaças e os novos concorrentes, porém, não mudam um fato: a bitcoin deve definir um modelo duradouro. Mesmo que outra moeda virtual a substitua, ela será uma melhoria de um conceito vitorioso. Podemos agradecer a Satoshi Nakamoto – mesmo sem saber direito quem é ele, ou quem são eles. 

Revista Época

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