A eleição do cardeal Jorge Bergoglio como Papa surpreendeu porque, diferentemente do conclave anterior –quando Joseph Ratzinger foi eleito–, em que era visto como papável, desta vez os vaticanistas não o consideravam candidato. Pelo menos não o contavam entre os principais. No entanto, o caminho de Bergoglio ao trono de Pedro começou há mais de uma década, a partir da crescente valorização de sua pessoa entre os cardeais e os bispos, por sua grande espiritualidade, sua lúcida concepção da Igreja no mundo atual e, também, por sua humildade e austeridade, que agora –convertido no Papa Francisco– tanto fascinam os fiéis e o mundo em geral.
Para encontrar o início da ascensão de Bergoglio ao ponto mais alto da Igreja é preciso lembrar do sínodo de bispos realizado no Vaticano em outubro de 2001. O argentino –até então um desconhecido a nível internacional– era o relator adjunto, mas como o relator titular, o arcebispo de Nova York, cardeal Edward Egan, precisou se ausentar para participar de uma homenagem às vítimas do atentado às Torres Gêmeas, no aniversário de um mês, Bergoglio passou a ser o condutor das sessões. Todos são unânimes em dizer que causou uma impressão excelente.
De fato, foi o mais votado, dentre os 252 padres sinodais, para integrar o conselho pós-sinodal em representação do continente americano. Pouco tempo depois –exprimindo o sentimento de muitos cardeais e bispos– o renomado vaticanista Sandro Magister escreveria no semanário italiano L'Espresso um artigo sobre Bergoglio que bem poderia ser qualificado de profético. Nesse artigo vaticinava que, se naquele momento houvesse um conclave, o argentino receberia "uma avalanche de votos", que muito provavelmente o consagraria como Sumo Pontífice. "Tímido, arredio, de poucas palavras, não mexe um dedo para 'fazer campanha', mas justamente isso é considerado um de seus grandes méritos", afirmou. E completou: "Sua austeridade e frugalidade, junto com sua intensa dimensão espiritual, são dados que o elevam cada vez mais à sua condição de papável".
Magister acertou a previsão. No conclave celebrado em 2005 para eleger o sucessor de João Paulo II, Bergoglio teve um excelente desempenho. Apesar de a eleição de um Papa ser algo muito secreto, naquele momento transcendeu que havia recebido 40 votos, sendo o segundo mais votado depois do cardeal Ratzinger, que se tornaria o papa Bento XVI. Nunca, não só um argentino, mas um latino-americano havia recebido tantos votos para Sumo Pontífice. É verdade que a renúncia do progressista Carlo Maria Martini como candidato por problemas de saúde o favoreceu, mas –seja como for– a votação de Bergoglio foi um triunfo inesperado.
Dizem que o argentino –grande cultor do perfil baixo– sofreu muito naquele conclave ao ver como aumentavam os votos para ele. Mas o fato de Ratzinger desde a primeira votação ter tido mais votos –era visto como o grande herdeiro de Karol Wojtyla–, e diante da possibilidade de que sua candidatura bloqueasse a eleição –pois dificultaria que o alemão chegasse aos dois terços requeridos para ser Papa–, Bergoglio pediu que seus votos fossem para quem depois se converteria em Bento XVI. Esse gesto, principalmente pelo fato de não ter demorado, caiu muito bem e acrescentou pontos ao seu prestígio.
Dois anos depois, por ocasião da V Conferência de Bispos da América Latina e do Caribe, realizada em Aparecida do Norte, no Brasil, ficou claro que a figura do argentino continuava crescendo na consideração de seus colegas. Foi eleito por amplíssima maioria presidente da estratégica comissão redatora do documento final, uma responsabilidade importantíssima levando em conta a transcendência dos pronunciamentos de conferências anteriores como as de Medellín e Puebla. Além disso, quando foi sua vez de rezar a missa diária –foi um dos 30 que rezaram missa durante o mês do encontro–, sua homília foi a única que ganhou um aplauso estrondoso.
Com a renúncia de Bento XVI ao papado muitos pensaram que Bergoglio –que tinha enviado sua renúncia como arcebispo de Buenos Aires em dezembro de 2011 por ter atingido a idade limite de 75 anos– desta vez não seria candidato a Papa, mas uma espécie de "kingmarker", ou seja, alguém que exerce grande influência na orientação do voto. Mas houve vários fatos que começaram a marcar sua candidatura. Em primeiro lugar, desta vez não havia um sucessor claro e os que se mencionavam como grandes papáveis –o italiano Angelo Scola e o brasileiro Odilio Scherer– eram mais hipóteses da mídia do que candidatos em condições de atingir os dois terços dos votos.
Nos plenários de cardeais prévios ao conclave foi ficando claro que era necessário um Papa sem compromissos com a cúria romana –muito questionada– para ter a liberdade de reformá-la, que impulsionasse uma maior colegialidade e que desse um renovado impulso à tarefa evangelizadora diante da perda de fiéis e da pouca prática religiosa. O perfil de Bergoglio parecia encaixar bem. Se ainda havia alguma dúvida, tudo ficou claro quando Bergoglio fez sua apresentação. O argentino destacou a importância de que a Igreja fosse em busca dos fieis, que deixasse de ficar olhando para o próprio umbigo (a autorreferência que faz adoecer) e que escapasse da mundanidade (que esvazia sua dimensão espiritual).
Finalmente, na Capela Sixtina, a apuração da primeira votação evidenciou que a candidatura de Bergoglio tinha saído na frente: mais de 30 votos. A colheita foi imparável. Na quinta votação ultrapassou folgadamente os 77 votos necessários: mais de 90. A surpresa causada pela eleição do argentino tinha uma explicação.
Fonte: www.clarin.com
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