16/07/2013

As manifestações e a dignidade humana

Produzo esta reflexão como uma contribuição a respeito das inúmeras manifestações que aconteceram neste "país continente" e sua relação com a dignidade humana

Padre Almir Magalhães*
Talvez algumas pessoas ao olhar para este título se espantem e até curiosamente se perguntem: o que as manifestações recentes têm a ver com a religião, com a Igreja, com a Teologia, com a espiritualidade cristã?

“Tudo é teologizável”. Esta é uma afirmação de Santo Tomás de Aquino, ou seja, pode-se fazer teologia a partir de qualquer realidade, evidentemente desde que a partir dos fundamentos da fé (da Revelação, da Tradição e do Magistério da Igreja). É partindo desta premissa que produzo esta reflexão, como uma contribuição a respeito das inúmeras manifestações que aconteceram neste “país continente” e tudo indica que vão continuar e sua relação com a dignidade humana.

Quase todas as minhas contribuições neste espaço têm um elemento convergente, que é a relação fé x vida, a Igreja e as questões sociais, o pensamento social da Igreja, a dimensão social do Evangelho. As manifestações populares são perpassadas por este viés. No fundo, o que está em jogo é a dignidade humana, aviltada em cada pedaço deste país e, mesmo que as manifestações não sejam motivadas pelo Evangelho, há um encontro muito feliz porque o que interessa é o ser humano e “o caminho da Igreja é o ser humano”, já dizia o beato João Paulo II em sua Carta Encíclica O redentor do homem (4/3/79, nº 14).

As demandas são inúmeras, difusas e vieram não contra o futebol, mas a partir de um confronto: a agilidade e eficiência do Estado na obtenção de recursos para a construção das obras e de forma contrária na ineficiência do Estado (o Executivo - Municipal, Estadual e Federal - e também no Legislativo em seus três níveis), quando se trata da qualidade da educação, do atendimento à saúde, a insegurança do cidadão que por vezes se sentiu enganado pelo tique-taque enjoado, das conversas fiadas unilaterais de quem representava qualquer um desses poderes.

Muito comum nas redes sociais e nos meios de comunicação a ideia de que o povo brasileiro cansou e explodiu; o cansaço e a enganação foram substituídos pelos gritos não só dos excluídos, dos machucados tradicionalmente, mas de outras representações da sociedade brasileira.

Vou buscar na Instrução sobre a liberdade cristã e a libertação (22/3/86) da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, uma inspiração que se associa bem a esta reflexão, partindo do Êxodo e as intervenções libertadoras de Javé: “Deus quer ser adorado por homens livres... O acontecimento principal e fundacional do Êxodo tem, portanto, um significado ao mesmo tempo religioso e político” (nº. 44).

Esta afirmação segundo a qual Deus quer ser adorado por homens livres, de um lado questiona as inúmeras expressões de adoração a Deus, dos louvores, da nossa expressão sentimental de tocar no Santíssimo, sem, no entanto, nos inquietar com a história da sociedade, alheios ao que acontece e de outro lado é referencial motivador para nossa ação agora não a nível macro, mas no nível mais micro possível, ou seja, nos bairros onde se situam nossas paróquias, áreas pastorais e contemplando os grandes problemas identificados nas manifestações ver como eles aparecem onde estamos: a situação dos postos de saúde ou hospitais, respectivo atendimento e a disponibilidade de remédios básicos para diabéticos, controle de pressão arterial, controle das diversas taxas; a questão educacional, da qualidade do transporte público, do monitoramento da representatividade dos políticos em quem votamos que são nossos funcionários e, em nome da dignidade humana, da defesa da vida produzirmos as mesmas exigências.

Uma questão fundamental que aparece e disso temos que nos desvencilhar é o individualismo e as paixões partidárias, substituindo por causas comunitárias, pelo bem comum, porque, quanto mais nos relacionamos com níveis mais próximos, estas questões podem ficar mais evidentes.

Neste particular, já que o tema em evidência proposto pela CNBB é uma nova paróquia, que seja uma comunidade de comunidades, nada mais oportuno no momento fazer uma leitura teológica destes acontecimentos: entendermos o recado que Deus nos manda através destas inesperadas manifestações, que estão mostrando as potencialidades da nação, a riqueza política de um povo, que começa a controlar as ações de quem recebe mandato para isto e na docilidade ao Espírito ser uma presença testemunhal.

*É sacerdote da Arquidiocese de Fortaleza, diretor geral e professor da Faculdade Católica de Fortaleza e mestre em Missiologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma.

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