23/07/2013

Ato de 600 crianças cobra mais atenção para jovens que moram nas ruas

Para muitos, elas são invisíveis. Mas não são. São crianças e adolescentes usurpadas dos seus direitos mais básicos. O direito à vida com dignidade. Versa o 4º artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

É neste contexto, ou melhor, por causa da falta deste contexto, que nesta terça-feira, 23, a campanha nacional “Criança Não é de Rua” realiza, em 15 capitais, uma mobilização do qual participam crianças, adolescentes e famílias atendidas por entidades da sociedade civil para exigir uma Política Pública Nacional para este grupo de brasileirinhos. Na capital cearense, a articulação da campanha confirma a participação de 600 crianças, que tomarão parte do movimento em frente à Catedral de Fortaleza.

A concentração começa na Praça do Ferreira com oficina de cartazes para colher em linguagem artística as expressões de crianças e adolescentes sobre o tema. As faixas já foram confeccionadas nas comunidades que sairão da Praça do Ferreira em direção à Catedral para encerrar a manifestação com um ato público.

Criança Não é de Rua
A campanha nacional “Criança Não é de Rua” é um movimento que nasceu em Fortaleza, segundo o secretário nacional da campanha, Adriano Ribeiro. “A campanha foi idealizada em 2007, quando ocorreu a primeira edição. O movimento surgiu a partir da Associação O Pequeno Nazareno, que abriga crianças e adolescentes que viveram em situação de rua”, explica.

De acordo com Ribeiro, o objetivo da mobilização é sensibilizar poderes públicos e sociedade civil para a necessidade de construir uma política pública que atenda essa parcela da população que mora nas ruas. “O Brasil precisa de uma política pública específica para essas crianças e adolescentes que vivem em situação de rua. Até hoje ainda não temos”, reflete ele, lembrando que é imperativo pensar numa política que também atenda a família da criança.

“No trabalho que desenvolvemos na Associação O Pequeno Nazareno, focamos também na família. Veja, quando uma criança vive nas ruas, ela está dando um grito silencioso. Ela quer uma família, mas uma família que ela compreenda como protetora. Então trabalhamos neste sentido, que esse jovem construa um relacionamento, ou com sua própria família ou com alguma que venha adotá-lo”, detalha Ribeiro.

As crianças que participarão do protesto em Fortaleza, nesta terça-feira, são atendidas por várias associações cearenses. “Elas são atendidas por várias entidades daqui. É um momento muito bonito. Elas pintam o rosto, levam cartazes, se solidarizam com a situação de outras crianças. São protagonistas do movimento”, comenta Ribeiro.
 
Chacina da Candelária
A data dos protestos no país não é aleatória. Ela foi escolhida para resgatar a lembrança de um episódio doloroso e trágico da história brasileira. Dia 23 de julho marca, em 2013, os 20 anos do massacre que ficou conhecido como “Chacina da Candelária”. A data também destaca o Dia Nacional de Enfrentamento à Situação de Rua de Crianças e Adolescentes.

O crime conhecido como “Chacina da Candelária” ocorre na madrugada de 23 de julho de 1993, em frente à Igreja da Candelária no centro do Rio de Janeiro. Policiais “abriram fogo” contra cerca de 70 pessoas em situação de rua que se abrigavam à noite no entorno da Igreja. Dentre elas, oito crianças e jovens foram assassinados.

Diálogo
O debate sobre políticas públicas para crianças e adolescentes que vivem em situação de rua não pode ser raso. É preciso primeiro, aponta Ribeiro, um diagnóstico correto da real condição dessa população. “Ainda não temos um dado numérico acertado sobre a quantidade de meninos e meninas que estão nesta situação. Como construir uma política pública e planejar um orçamento se não sabemos quantos jovens estão na rua?”, questiona o articulador nacional da campanha.

Na esteira desta discussão, Ribeiro lembra que é necessário também valorizar os educadores sociais de rua, pois são eles as pessoas ideais para traçar o perfil e fazer o levantamento do quadro. “São esses educadores que sabem como fazer a abordagem correta com essas crianças. Elas são desconfiadas, ariscas. Preferiram sair de casa e ir morar nas ruas por fortes motivos. Em muitos casos, a família é violadora. Assim, encontramos crianças de até sete anos morando na rua. É preciso cautela e um trabalho vocacionado, como é o dos educadores sociais”, argumenta.

Ribeiro explica que tentar fazer uma abordagem padrão junto a esses jovens não funciona. A confiança precisa ser conquistada antes. Do mesmo modo, quando as políticas forem implantadas, os educadores sociais, defende ele, serão essenciais. “A política pública que queremos é atender de imediato esses jovens, porém, com o objetivo de retirá-los desta condição. Contudo, antes é preciso convencê-los, explicar que eles têm direitos. É necessário profissionais vocacionados, que entendam a vivência destas pessoas”, sintetiza.

Um trabalho que vem sendo feito há anos, começa a apresentar os primeiros resultados, conforme adianta Ribeiro. Ele conta que no final de 2012, o Governo Federal, diante das ações da sociedade civil, sugeriu a construção de política pública específica para esse grupo. As conversas estão adiantadas. Nos dias 14, 15 e 16 de agosto haverá um grande seminário em Brasília, para começar a estabelecer as primeiras diretrizes. “Depois disso vamos realizar mais cinco seminários, em todas as regiões do país. Nosso plano é até junho de 2014 termos esse projeto fechado”, conta.

Raio X
O que leva esses garotos a viver nas ruas? A dependência química, explica Adriano Ribeiro, potencializa o êxodo do núcleo familiar. Ainda de acordo com ele, durante muito tempo também se calculou que a miséria fosse a causa. Ribeiro relata, porém, que uma análise feita, em parceria com o departamento de Ciência Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), revelou que o desgaste familiar salta como um dos fatores determinante.  “Se fosse miséria apenas, teríamos mais crianças morando nas ruas. Mas o desgaste dos vínculos familiares resulta na saída desses meninos do seu núcleo, pois já não identificam a família como protetora”, avalia.

Serviço
Protesto “Criança Não é de Rua”
Data: 23 de julho
Local: 15h concentração Praça do Ferreira / 16h caminhada e ato público na frente da Catedral de Fortaleza.
Mais informações: Adriano Ribeiro (85) 8829-1122 / 3212-0226


Boa Notícia

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