Autor de 'Vidas secas' é tema de conferência de Milton Hatoum.
Primeira noite vai ter show de Gilberto Gil; evento literário vai até domingo.
Se a política vai ser assunto recorrente na 11ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que começa nesta quarta-feira (3), muito é por causa do homenageado da vez: Graciliano Ramos (1892-1953). O escritor alagoano é tema da conferência de abertura, às 19h30 desta noite, a cargo de Milton Hatoum. Em seguida, às 21h, há show de Gilberto Gil. Veja abaixo a programação completa da Flip 2013.
Para o curador do evento, Miguel Conde, “a programação tem uma inflexão política forte, em primeiro lugar, porque a homenagem a Graciliano pede isso”. “Das três mesas sobre ele, inclusive, duas têm a palavra ‘política’ no título”, afirma em entrevista ao G1 por telefone. Diz ainda que o autor de “Vidas secas” e “Memórias do cárcere” tratava “diretamente nos livros desse lugar problemático do intelectual e do artista num país em que o ‘letratamento’ pode se tornar muitas vezes uma maneira de reiterar e marcar a divisão do país”. O G1 transmitirá ao vivo todas as mesas da Flip 2013, tanto com áudio traduzido (se a palestra não for em português) quanto com áudio original.
O curador antecipa que o tributo ao escritor não estará restrito à atividades política – entre 1928 e 1930, foi prefeito de Palmeira dos Índios (AL) e também se filiou ao Partido Comunista. “Graciliano se bate muito contra a mistificação, certa ‘fetichização’ da figura do escritor. Ele tem declarações muito irônicas a respeito disso”, observa Conde.
Era uma opção estética do autor. “A própria escrita concisa e irônica dele tem algo de uma recusa de certo virtuosismo mais rebuscado da linguagem.” O curador aponta em seguida um possível efeito nocivo da literatura: “Ela pode se tornar, na verdade, um bem simbólico que reafirma em vez de questionar as divisões e as desigualdades do país”.
Na prática, significa que há ocupantes de classes sociais superiores que falam e escrevem “difícil” para reiterar determinada posição social e econômica. Ou por ter acesso a uma instrução negada a outros grupos. Graciliano buscava aparência de simplicidade precisamente para evitar contribuir com a manutenção do cenário e questioná-lo.
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‘Mau humor’
Na programação da Flip 2013 – que ficou desfalcada de sua principal atração, o francês Michel Houellebecq –, há autores premiados, mas nenhum que seja propriamente estrela fora dos círculos literários. Há gente como a americana Lydia Davis, o cientista político e poeta egípcio Tamim Al-Barghouti, o jornalista e escritor britânico Geoff Dyer e o bósnio Aleksandar Hemon. De última hora, outro destaque, o norueguês Karl Ove Knausgård, anunciou ocancelamento de sua participação.
Mais conhecidos, entretanto, são os convidados que atuam em outras áreas que não a literatura de ficção, caso dos cantores Maria Bethânia, Gilberto Gil e dos cineastas Eduardo Coutinho e Nelson Pereira dos Santos. Ao falar sobre a escalação dos escritores, o curador, Miguel Conde, comenta que “muitos deles têm em comum o que a gente poderia chamar de experimentação mesmo”.
“É experimental não no sentido em que o termo é usado, de algo hermético ou elíptico, mas mais no sentido de diluição de fronteiras entre gêneros diferentes. Muitos desses autores têm livros que dialogam com história, autobiografia, ou fazem uma prosa que parece com poesia. Ou, às vezes, é até difícil dizer o que é, como o caso da Lydia Davis.”
Questionado se existe algum dos participantes da Flip 2013 que tem semelhança com Graciliano Ramos, Conde curiosamente cita um diretor de cinema, não um autor. Ou talvez não tão curiosamente, dado que o próprio curador reconhece que esta 11ª edição “tem uma presença mais forte de artistas de outras áreas”. “Acho que o artista brasileiro que de alguma forma lembra o Graciliano – no temperamento também, mas mais importante na obra – é o Eduardo Coutinho”, compara. “Graciliano tem um desejo de intervenção crítica no debate intelectual e na maneira do Brasil de pensar a si mesmo. Mas ele percebe que essa crítica, num país como o nosso, não pode ser feita sem autocrítica da própria figura do escritor.”
O curador diz acreditar que Coutinho faça algo semelhante. “Seus filmes claramente têm um olhar autorreflexivo. Ele não faz filmes apenas sobre certo tema, mas discute o próprio processo de construção desse filme e o lugar dele nesse processo.” Quanto a provável similaridade de “temperamento”, explica: “Tem um certo mau humor meio charmoso, uma ironia cortante – isso aproxima os dois”.
Em sua agenda paralela, a festa tem a FlipMais (são 19 eventos ao todo, a maioria na Casa de Cultura de Paraty), a Flipinha (para o público infantil), e Flizona (para adolescentes). Há ainda o circuito Off Flip, que terá Paulo Valente, filho da escritora Clarice Lispector.
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