17/07/2013

Litigância de má-fé: desrespeito ao dever de lealdade gera multa ou obrigação de indenizar

17/07/2013  |  domtotal.com
A ampla defesa torna-se abuso de direito são violados os deveres de lealdade processual e comportamento ético.
Por Daniela Galvão
Repórter Dom Total


Entre os 10 mandamentos do advogado, trazidos por Eduardo Juan Couture, está o dever de ser leal: “leal para com o teu cliente, a quem não deves abandonar a não ser que percebas que é indigno de teu patrocínio. Leal para com o adversário, ainda que ele seja desleal contigo. Leal para com o juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que tu lhe dizes; e que, mesmo quanto ao direito, às vezes tem de confiar no que tu lhe invocas”. A advogada e professora de Ética Profissional da Escola Superior Dom Helder Câmara, Maria Flávia Cardoso Máximo, explica que no âmbito processual, a busca de cada uma das partes ou de terceiros interessados pela vitória é legítima. E, em vista disso tendem a se utilizar de tudo que lhes é possível para fazer valer os direitos que julgam possuir. 

“Porém necessário se ater ao dever ético – que se encontra evidentemente acima de toda essa discussão – bem como ao dever jurídico – previsto em nosso sistema processual de proceder de boa-fé”. Ela observa que, diante da fundamental garantia constitucional do pleno acesso ao Judiciário, cabem compromissos das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo. Sendo assim, ela destaca o artigo 14, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC): “proceder com lealdade e boa-fé”. De acordo com Maria Flávia, quando alguma das partes procede com deslealdade e má-fé, tem-se o conceito lacônico da litigância de má-fé.

Ela ressalta que doutrinadores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery conceituam o litigante de má-fé como "a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator (litigante desonesto), que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando (atrasando) o feito".

Dano processual

A advogada e professora da Dom Helder frisa que nos termos do artigo 16 do CPC, sempre que verificada uma das situações de litigância de má-fé, será imposto o dever de indenizar, cabendo ao juiz a analise de cada caso concreto. Ela afirma que a condenação por litigância de má-fé, se mal aplicada, desvirtua o princípio da ampla defesa. “Ao passo que, se aplicada a multa prevista no artigo 18 do CPC sem a inequívoca constatação do comportamento característico da litigância de má-fé, o referido instrumento, hoje utilizado na preservação da lealdade (probidade) processual, passará a ser um instrumento inibidor de atos processuais e recursos que são legítimos às partes litigantes previstos no diploma processual”. 

Previsão legal

Além do artigo 17 do CPC, que traz hipóteses de litigância de má-fé, o Código de Processo Civil, prevê, esparsamente, várias hipóteses em que a parte incorre em pena por desrespeito ao princípio da probidade. Entre elas Maria Flávia Cardoso Máximo cita os artigos 22 (réu que não alegar na contestação fato extintivo do direito do autor e dilatar o julgamento da lide, será condenado nas custas e perderá o direito ao reembolso dos honorários advocatícios), 31 (despesas dos atos protelatórios, impertinentes, ou supérfluos, serão custeadas por quem os promoveu), 69 (réu que não faz, quando necessária, a nomeação à autoria, responderá por perdas e danos), 129 (que trata de simulação visando à obtenção de fim proibido por lei), 161 (multa imposta a quem lança cota marginal nos autos), 233 (dispõe acerca da citação por edital, requerida dolosamente), 538, parágrafo único (menciona os embargos de declaração protelatórios), art. 557, §2º (trata do agravo inadmissível ou infundado), sem prejuízo de outras hipóteses previstas em estatutos processuais respectivos. 

Exemplos

São várias as práticas usadas pelos advogados para prolongar o andamento de uma ação. A advogada e professora da Dom Helder observa que uma delas é quando se procrastina notoriamente o andamento de uma ação em autos em apenso à principal, deduzindo pedidos de suspensão infundados. Isso ocorre ainda quando a parte agir de modo temerário com a interposição de recursos, em notória má-fé, “utilizando-se de subterfúgio para omitir a prévia interposição de recurso em que se aviou idêntica impugnação a outro recurso anteriormente proposto, procedendo a uma nova interposição como meio de se esquivar da inadmissão do pretérito recurso”.

Segundo ela, a litigância de má-fé também existe quando se furta de conduta temerária e indevida perpetrada pela parte litigante ao formular a pretensão judicial manifestamente destituída de fundamento (art. 17, IV, V e VI do CPC), demonstrando-se atentatória ao princípio da dignidade da Justiça. “E, quando em todos os demais casos, os litigantes agirem em desconformidade com o dever jurídico de lealdade processual. O que, embora aparentemente simples, abrange todo o universo da litigância de má-fé, pois, quem protela, gera incidente desnecessário, falta com a verdade ou interpõe recurso manifestamente infundado, está agindo de forma desleal”, comenta.

Antiprofissionalismo

Conforme o Superior Tribunal de Justiça (STJ), os ministros têm enfrentado situações que demonstram haver cada vez menos tolerância com a litigância de má-fé. “O Tribunal tem se dedicado a reduzir tanto o acervo quanto a duração dos processos em trâmite, e a tentativa de meramente procrastinar o desfecho judicial, além de não encontrar abrigo na jurisprudência, é vista como antiprofissionalismo”, afirma o STJ. Os magistrados podem condenar o litigante de má-fé, independentemente de um pedido nesse sentido, em multa ou indenização à parte contrária.
Redação Dom Total

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