07/07/2013

O lamento de Scott Fitzgerald - foto em foco

01/07/2013

Em cartas à filha Frances, o autor de ‘O grande Gatsby’ revela sua tragédia pessoal



Francis Scott Fitzgerald, um dos maiores e mais fracassados escritores da história da Literatura (Foto: Divulgação)
Por Marco Lacerda*
As lamúrias do escritor Francis Scott Fizgerald não foram provocadas por alguma mensagem recebida além-túmulo informando-o sobre a desastrosa versão para o cinema de sua obra-prima, "O Grande Gatsby", realizada recentemente pelo diretor australiano Baz Luhrmann.
Na verdade, a tragédia permeou grande parte da vida do escritor. Como tantos filhos de pais exageradamente autodestrutivos e complicados, sua filha, Frances, construiu uma barreira que a separou do pai durante toda a vida. Não era falta de amor. Ao contrário, era uma forma de fazer funcionar o seu instinto de sobrevivência.
A filha de um dos maiores e mais fracassados escritores da história da Literatura pecou pela indiferença diante dos tormentos do pai. Nada de reprovável na atitude da pequena Sottie, como ele a chamava, que apenas sonhava com dias melhores em que sua família assumisse feições normais e ela pudesse viver num lugar que pudesse chamar de lar.
Tampouco se pode dizer que Francis era uma garota egoísta. Ela mesma reconhece sua atitude com uma ponta de arrependimento em seu recém lançado livro ‘Cartas a minha filha’ (inédito no Brasil): "Compreendi que só havia uma maneira de enfrentar a tragédia do meu pai: ignorando-a".
O livro, já publicado em espanhol, reúne pela primeira vez a correspondência que Fitzgerald manteve com sua única descendente, desde o seu primeiro acampamento de verão até entrar na faculdade. São textos delicados em sua nudez, onde transborda o amor de um pai e sua esperança de aproximar-se da filha que amava de verdade. “Na vida, só creio nas recompensas conquistadas pela virtude e nos castigos por não cumprirmos nossas obrigações” – confessou-lhe o escritor em 1933. Noutra carta ele recomendava a Frances que pedisse a um de seus professores que lhe mostrasse o soneto de Shakespeare onde se encontra o verso: “O lírio que apodrece cheira pior que a morte”.
Conselhos literários
"O livro é trespassado de uma urgência e uma magia que tocam mesmo aqueles, como eu, que jamais leram uma obra de Fitzerald", diz Ana Pareja, sua editora em espanhol. “É um testemunho comparável às apaixonantes "Cartas à minha mãe’, de Sylvia Plath".
Frances Scott Fitzgerald, jornalista e escritora que morreu em 1986, decidiu publicar a correspondência com o pai em 1965, aos 44 anos, a mesma idade do escritor quando faleceu. Cansada de ouvir histórias deturpadas sobre o pai que circulavam no mundo intelectual, ela resolveu apresentar sua própria versão. “Guardei as cartas da mesma maneira que muitos guardam "Guerra e paz" para ler de novo ou Florença, para visitá-la algum dia”, revela Scottie no prólogo do livro.
Os anos duros começaram quando Frances tinha 11 anos e o mundo parecia desabar sobre o pai e começou a ganhar forma o que ele mesmo descreve num ensaio como “esse lento processo de demolição”, do qual nunca conseguiu se desvencilhar. Enquanto o álcool e o fracasso começavam a dar frutos, Scott escrevia cartas amorosas à filha nas quais dava inclusive conselhos literários: "Se não conseguir desconstruir sua prosa, acabará no mesmo nível de um jornalista mau pago”.
Scottie foi personagem de um dos melhores e mais trágicos contos do pai, "Regresso a Babilônia" que conta a história de um ex-alcoólatra que volta a Paris em busca da filha abandonada muito tempo antes. Em sua carta mais conhecida, Fitzgerald enumera para Frances uma série de coisas com quais deveria preocupar-se: "Cuida da coragem, da higiene, da eficácia, da equitação. Não se preocupe com a opinião dos outros, com o passado, o futuro, o envelhecimento, o fracasso, o triunfo, os padres, os meninos, as desilusões, os prazeres, as realizações..."
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do domtotal

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