24/07/2013

Sereno adeus a Dominguinhos, o discípulo maior de Gonzagão

Após meses de internação, o músico morreu em decorrência de complicações infecciosas e cardíacas
Saudade assim é ruim. Longe dos palcos desde o dia 17 de dezembro de 2012, quando foi internado com arritmia cardíaca e infecção respiratória, Dominguinhos faleceu ontem.

Com cerca de meio século de carreira, o pernambucano de Garanhuns José Domingos de Morais deixou mais de 40 discos gravados. Com parceiros, assina clássicos como "De volta pro aconchego" FOTO: TUNO VIEIRA

Admirado e querido em todo o Brasil, José Domingos de Morais, natural de Garanhuns, tinha 72 anos, completos no último dia 12 de fevereiro e mais de 50 anos de carreira.

Ele faleceu, às 18h, de acordo com o último boletim oficial divulgado pelo Hospital Sírio-Libanês. O cantor lutava contra um câncer de pulmão há sete anos. No dia 13 de janeiro, a pedido da família, o músico foi transferido para o Sírio-Libanês, em São Paulo. Segundo o boletim médico divulgado pelo hospital, ele morreu de complicações infecciosas e cardíacas.

Tradição nordestina

Um dos principais guardiões da musicalidade tradicional nordestina e discípulo de Luiz Gonzaga, pouco antes de ser internado, Dominguinhos havia participado das comemorações do centenário do rei do baião, em Exu (PE). Sentado, ele cantou e empunhou à sanfona alguns dos clássicos de Luiz Gonzaga, além de sucessos de sua autoria como "Eu Só Quero um Xodó" e "Lamento Sertanejo". Uma apresentação curta e memorável que marcou também sua despedida. Liv Moraes, sua filha, o acompanhou no palco.

Dominguinhos tinha diabetes. Em 2011, chegou a cancelar shows por conta do agravamento de seu estado de saúde, sendo submetido a um cateterismo e uma angioplastia. A última internação aconteceu em Recife, sendo transferido a pedido da família para o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

Carismático, sereno, dono de uma voz forte e um toque único à sanfona, Dominguinhos se destacou ainda como um dos grandes compositores da música popular brasileira. Daqueles que cantamos, muitas vezes sem saber quem é o autor.

Com mais de 40 discos lançados, ele assina clássicos como "Lamento Sertanejo", parceria com Gilberto Gil, "Pedras Que Cantam", com Fausto Nilo, as parcerias com Nando Cordel, "Isso Aqui Tá Bom de Mais", "De Volta Pro Aconchego" e "Gostoso Demais", ou "Tantas Palavras", com Chico Buarque. Sua primeira esposa, Anastácia, foi também uma das grandes parceiras de composições, com quem fez "Eu Só Quero um Xodó" e "Tenho Sede".

O nome artístico, Dominguinhos, também foi um presente de Luiz Gonzaga. Começou a tocar sanfona ainda cedo, ao seis anos de idade, por influência do pai, o afinador e sanfoneiro conhecido como Mestre Chicão.

Ao todo, foram mais de 40 discos gravados. O primeiro deles, Fim de Festa, em 1964, pela gravadora paulista Cantagalo. Entre os mais recentes, destaque para "Dominguinhos ao vivo" (2001), primeiro disco nascido da gravação de um show, no Sesc Pompéia, em São Paulo.

Entre os prêmios recentes que recebeu por sua obra, em 2002, foi vencedor do Grammy Latino com o disco "Chegando de Mansinho". Em 2007, ganhou o Prêmio TIM na categoria Melhor Cantor Regional pelo álbum "Conterrâneos" (2006) e no ano de 2010 foi homenageado no Prêmio Shell de Música Brasileira, recebendo a premiação pelo conjunto da obra.

FÁBIO MARQUES
REPÓRTER


FRASES

"Aprendi e ainda continuo aprendendo muito com o Dominguinhos. Tínhamos uma relação especial. Quase de pai para filho"
Waldonys Menezes
Sanfoneiro

"Não tenho muito o que falar sobre o Dominguinhos agora. Foi um grande amigo e deixará muitas saudades"
Fausto Nilo
Cantor e compositor

"Ele era um gênio. Depois de Luiz Gonzaga, era o maior nome da nossa música. Além de ser um homem muito humilde"
Adelson Viana
Sanfoneiro

"Lá se vai o meu amor, deixando uma grande saudade... Dominguinhos, eterno amor. Meu coração chora a morte do amigo"
Elba Ramalho
Cantora


Parceiros lamentam perda

Desde os 11 anos o sanfoneiro Waldonys era próximo de Dominguinhos. Ao longo desse período os dois cantaram e gravaram juntos diversas músicas. "Aprendi e ainda continuo aprendendo muito com o Dominguinhos. Tínhamos uma relação especial. Quase de pai para filho", disse emocionado.

Para Waldonys, o músico era uma página muito importante da musica brasileira, pois conseguiu enriquecer o jeito de se tocar a sanfona. "Mesmo com viagens e morando até em países diferentes nunca perdi o Dominguinhos de vista. Tudo que tenho foi graças a ele".

Além de compor em parceria com o Dominguinhos o cantor e compositor, Fausto Nilo, cultivava a amizade com o pernambucano. "Ele foi um grande amigo e deixará muitas saudades", disse.

Um dos últimos sanfoneiros a tocar ao lado de Dominguinhos, Adelson Viana, diz acreditar que o legado do sanfoneiro será igual às suas qualidades como pessoa. "É difícil conhecer alguém tão talentoso e humilde como ele. Dominguinhos foi capaz de inovar o acordeom em todo os sentidos", afirmou.

Devido a tudo que Dominguinhos fez em sua carreira, Viana sente-se orgulhoso por ter cantado e gravado junto com um de seus maiores ídolos. "Sou fã dele desde pequeno e acabei me tornando um querido amigo. Sem dúvida ele era o Tom Jobim da nossa época".

Em entrevista à Rádio Verdes Mares AM 810, a Verdinha, na noite de ontem, o cantor cearense Raimundo Fagner lamentou a morte do amigo.

"Ele foi um amigão durante muitos anos, era um irmão mesmo, muito carinhoso. O que fica é a saudade de um grande amigo e de um artista único pelo maior sanfoneiro que ele foi. Como artista ele enveredou por vários estilos. Era um músico completo, e deixa a sua obra. Eu acho que o que fica da gente mesmo é o nosso trabalho", disse.


Convivência vira documentário

A relação que Dominguinhos teve com seu padrinho, Luiz Gonzaga, se fez presente durante toda a sua carreira musical. Em sua última apresentação na Capital cearense, no dia 23 de novembro de 2012, o sanfoneiro homenageou Gonzagão, relembrando as histórias da convivência entre os dois.

Luiz Gonzaga, Osvaldinho do Acordeom, Dominguinhos e Sivuca, que são considerados os maiores sanfoneiros do Brasil FOTO: FOLHAPRESS

Relação essa que teve início ainda na adolescência, quando recebeu de presente sua primeira sanfona, aos 13 anos, e mais tarde, aos 16, seria apresentado como o legítimo herdeiro artístico do Rei do Baião.

Entrando profissionalmente para a música ao lado de Luiz Gonzaga, Dominguinhos chegou a fazer turnês como motorista, divulgador de shows e atração de abertura. "Toquei muito com ele, andei muito com ele, a gente tinha uma amizade acima da música, quase de pai para filho", disse ele em entrevista ao Diário do Nordeste em novembro do ano passado.

Filme

Em uma das últimas homenagens, o documentário "Dominguinhos Canta e Conta Gonzaga", produzido pela M.3 Filmes e lançado no fim do ano passado, são narradas várias histórias da convivência entre o mestre e o discípulo sob o olhar do próprio Dominguinhos, que também interpreta os maiores sucessos do Rei do Baião.


ANÁLISE

Impressões com o herdeiro de Luiz Gonzaga

A última vez que Dominguinhos esteve em Fortaleza foi em 23 de novembro de 2012. Na ocasião, o sanfoneiro comandou homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga em um grande show, que contou com participações dos amigos Adelson Viana (acordeom), Paulo Viana (triângulo e voz), Luciano Franco (baixo), Cainã Cavalcante (guitarra) e Daniel Alencar (bateria), no Kukukaya. Parecia confortável no palco, satisfeito, mas já não cantava e não tocava com a energia de antigamente... Durante a  performance, o artista se apresentou sentado e seus parceiros, especialmente Paulo Viana que assumiu o microfone na maioria das canções, conduziram o repertório.  No backstage, o músico conversou com o Diário e não conseguiu esconder sua fragilidade: estava apático e magro. Na época, me perguntei: será que ele estava só cansado, indisposto ou estaria ainda doente em decorrência do câncer? O que se sabia era que o herdeiro de Mestre Lua já havia passado por uns maus bocados, mas até então havia se recuperado... Contudo, apesar da vulnerabilidade, o pernambucano foi simpático e solícito no bate-papo em que revelou curiosidades sobre sua relação com Gonzagão e dos planos de lançar um novo disco. Uma triste perda para música popular brasileira.

Juliana ColaresColunista da Sound

Confira entrevista de Dominguinhos no último show em Fortaleza




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