Por Marco Lacerda*
Levado pela crise econômica, artista retrata a demolição do Velho Mundo com realismo chocante
A hecatombe econômica vivida pela Europa é retratada com nitidez descomunal na exposição “Cronologia do ruído” do artista espanhol Pablo Genovés, em cartaz na galeria Pilar Serra (calle Almagro, 44, em Madri). Nela pode-se ver, por exemplo, uma imagem da entrada principal do Louvre com a praça em frente entulhada de debris e escombros. Um terremoto arrasou Paris ou a voracidade da especulação imobiliária violou a última fronteira e as obras-primas do museu foram sucateadas?
Tranquiliza saber que trata-se apenas de uma foto-montagem, embora um desastre dessas proporções não esteja completamente fora de cogitação numa Europa à beira do colapso. Mais que isso, a mostra de Genovés põe em dúvida os supostamente sólidos valores da cultura ocidental. Nada está seguro, nem as imponentes catedrais, nem as pinacotecas que abrigam séculos de sabedoria, nem os palácios que guardam tesouros deslumbrantes.
A exposição, que já viajou pelas principais cidades européias, inclui 14 fotografias retratando a destruição que ameaça os grandes cenários culturais. A forma de trabalhar de Pablo Genovés move-se entre o passado e as tecnologias mais recentes. Há muito tempo ele vive entre Madri e Berlim (“cidade que continua sendo uma ferida aberta na história da Europa), dedicando-se, entre outras atividades, a colecionar postais de edifícios culturais emblemáticos: a Filarmônica de Berlim, o Scala de Milão, a Fenice de Veneza e muitos outros, submetidos a um tratamento gráfico através da técnica de photoshop.
Em entrevista recente ao jornal espanhol El Mundo, Genovés, de 52 anos, explicou os critérios que usa na escolha dos postais. “A maior parte das imagens que utilizo vem de estampas antigas que procuro em todo o mundo. Me seduz enormemente a história por trás de cada uma delas. São fotos pequenas de lugares que já viajaram por todo o planeta, dormiram esquecidas em caixotes e foram passando de geração em geração. Resgatá-las do esquecimento e injetar nelas uma segunda versão da história é uma necessidade para mim. É uma constante na minha obra. Antes de escolher uma imagem, examino milhares de estampas”, conta ele.
A destruição de séculos de História
A busca dos postais é parte essencial da obra de Genovés. “Busco-as em mercados, livrarias e, não raro, em lugares incômodos de se visitar. Passo horas, às vezes dias, em cada um desses lugares, exposto ao frio, à chuva ou a verões inclementes. Se encontro algo especial, não sei explicar o que faz aquele postal especial. As palavras perdem sentido nesses momentos. Não sou capaz de traduzir o resultado do meu trabalho em língua falada”, admite. Segundo ele, os museus, as igrejas, os teatro encontrados já passaram por uma seleção prévia feita pela história da fotografia. “Não existem cenas em estampas de pequenas cenas domésticas. O ser humano preferia, no passado, fotografar o grande, o que era considerado uma conquista, algo que transcendeu sua época”, acrescenta.
Na maioria das vezes Genovés funde o material antigo (os postais) com fotografias feitas por ele mesmo. Numa das foto-montagens da exposição pode-se ver um palácio veneziano inundado por águas que quase chegam a tocar os lustres de cristal de murano no teto. A intenção do artista é mostrar a falta de piedade com a cultura manifestada pela natureza devastada pelo homem. Na inauguração da mostra, recém publicada em livro, um crítico de arte perguntou a Genovés se ele se dá conta de que está retratando a destruição da Europa. “Não sei se chega a tanto, mas com certeza é uma tentativa de expor as mudanças históricas que temos vivido, talvez de maneira mais intuitiva que reflexiva”, respondeu o artista.
"Que cést triste Venise" - Charles Aznavour. Veja o vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do DomTotal
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