A cultura se alimenta de arte, de literatura, de cinema, de linguagem, de construções, de artesanato, de música, de dança, de culinária, de gestualidade, de programas televisivos e radiofônicos, e de tantos infinitos sinais humanos a revelarem a alma do povo. Sem zelar pela tradição e pelo patrimônio espiritual que um povo constrói, a cultura se perde. Na sociedade globalizada cresce o risco de as culturas de países dependentes sofrerem danos irreversíveis pelo impacto das culturas dominantes.
O Brasil faz parte do bloco ocidental sob o império norteamericano. E dos EUA vêm ondas e ondas de todo tipo de costumes, procedimentos, comportamentos, valores, imagens que nos golpeiam, introduzindo mudanças profundas no modo de pensar, sentir e agir.
Como escapar de influências negativas vindas de fora? Como manter as riquezas culturais próprias? Temos a arma da consciência crítica que se desenvolve em vários momentos.
Um primeiro passo consiste na tomada de consciência dos valores culturais existentes. Nosso país de tamanho continental e nascido de sadia mestiçagem de várias culturas européias, africanas, indígenas possui maravilhoso patrimônio secular em pedras e letras, em gestos e falas, em costumes e ritos. Existe um Ministério da Cultura. Cabe a ele e a órgãos da sociedade civil inventariarem, nos diferentes campos, as manifestações culturais que merecem ser conservadas.
Conscientes de tal patrimônio, nascem-nos o desejo e o dever de valorizá-lo. Esse segundo passo inicia com a educação nas escolas. Talvez se faça pouco para que as crianças se apossem dos nossos valores culturais. O futuro dependerá da maneira como elas assumirão, com denodo, tais tradições culturais. Nada melhor que começar com a própria cidade, região, ampliando o espaço até atingir todo o país. Quanto mais fundas lançarmos as raízes nos corações infantis, tanto mais resistência eles mostrarão em face das influências estrangeiras em detrimento da nacionalidade.
Muitas das tradições culturais medraram no campo religioso. E com a entrada da secularização européia e americana, elas se enfraqueceram e sofrem ameaça de desaparecer. Um esforço crítico tem chance de recuperá-las, ao tocar-lhes as verdadeiras raízes. Há autênticas experiências religiosas que ainda conservam valor hoje, se forem reinterpretadas para o atual contexto. O risco maior advém de folclorizá-las por influência do mercado turístico que transforma tudo em mercadoria a ser consumida. A cultura religiosa pertence à esfera da relação com Deus, com o Transcendente. O folclore tende a remetê-la para o mundo fantasioso, pinturesco e objeto antes de museu a ser visitado que de vida a ser vivenciada. A conservação da cultura religiosa visa, porém, a que a beleza nela contida continue a enriquecer espiritualmente o povo.
João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação.
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