31/10/2013

Omissão dos pais justifica intervenção

Fãs adolescentes fazem loucuras para ficar próximos de Justin Bieber.
Por Daniela Galvão
Repórter Dom Total

A educação dos filhos menores está entre os deveres dos pais, previstos no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Cabe a eles também fazer cumprir, em nome dos pequenos, as determinações judiciais. Entretanto, não é raro encontrar situações em que ambas as obrigações são desrespeitadas. Um exemplo recente é o acampamento de várias crianças e adolescentes nas proximidades da Arena Anhembi, em São Paulo, e também do Sambódromo, no Rio de Janeiro, para garantir os primeiros lugares na fila para o show do cantor Justin Bieber, marcado para este fim de semana. Além de estarem longe das salas de aula, os garotos ainda dormiam em condições precárias, tiveram a segurança comprometida, sem falar na falta de estrutura para alimentação e higiene pessoal. 

Por esses vários motivos, a Justiça, no Rio de Janeiro, proibiu o acampamento no entorno do Sambódromo. Já em São Paulo, o Ministério Público instaurou procedimento administrativo para apurar os fatos. Conforme a Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e Juventude, algumas crianças e adolescentes estavam na fila há mais de 30 dias da realização do show com a autorização dos pais que, neste caso, estavam descumprindo os deveres inerentes ao poder familiar. 

De acordo com o desembargador da 13ª Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e professor de Direito Civil da Escola Superior Dom Helder Câmara, Newton Teixeira Carvalho, criminalmente esse comportamento desses pais pode ser caracterizado como crime de abandono intelectual. Isso porque os pais não estão agindo de forma a garantir que o filho continue na escola e aprenda. “Se eles concordam que o filho não esteja na escola, há crime de abandono intelectual. Isso porque a criança e o adolescente não têm condições de entender a importância desse momento na vida dele. Quem tem que transmitir primeiramente a importância da educação é a própria família. E não é só matricular na escola e pronto. É preciso acompanhar a frequência e o desempenho. Afinal, assim como a ausência do filho na escola caracteriza o abandono intelectual, o mesmo acontece com a presença dele na sala sem o devido aproveitamento. Há casos em que o filho toma uma, duas, três bombas e os pais não tomam nenhuma atitude”.

Poder familiar

O magistrado ressalta que os pais devem abrir o diálogo com os filhos e, acima de tudo, devem ter em mente que, em nenhum momento, foram despidos da autoridade parental. Conforme ele, é importante o filho ver que há lá autoridades dentro de casa que devem ser respeitadas. “Pelo diálogo, ele entenderá que ali tem pessoas que já têm uma experiência de vida para lhe transmitir. Se o filho não sente isso, há um rompimento nesse canal de comunicação e as coisas não funcionam bem. Ao autorizarem os filhos a permanecerem nessas filas, os pais estariam sendo omissos no exercício do poder familiar. Isso pode levar à suspensão do poder familiar e, essa conduta for reiterada, consequentemente haverá a perda do poder familiar, com a colocação dessa criança ou adolescente em um lar substituto”, alerta.

O Estado, segundo Newton Carvalho, tem um papel imediato nessa questão. Se as crianças e adolescentes já estão na fila, ele deve proibi-la para, posteriormente, apurar se quem causou isso foi a família ou a escola, punindo o responsável. É preciso ainda que por meio do Ministério Público o Estado chame os pais e os filhos para dialogar. “Haveria uma conversa com eles em separado e depois conjuntamente para se estabelecer um pacto de convivência. E se a fila persistir, a solução é colocar assistentes sociais e psicólogos onde está o acampamento. Aí esses profissionais levarão os pais até seus filhos. Até porque, tem pai que acredita mesmo que o filho esteja na aula, mesmo que a escola diga o contrário. Então, o assistente social ou o psicólogo leva o pai para causar nele um impacto e mostrar que o filho está sendo persuasivo, ou seja, não está trabalhando com a verdade”. 

Na opinião do desembargador e professor da Dom Helder, também é possível que o Estado, no momento de autorizar a realização desses shows, exija uma venda diferenciada dos ingressos, de forma a garantir que os primeiros compradores fiquem com os primeiros lugares. Ele frisa que a manifestação artística é livre, mas tem que ser organizada e não causar prejuízo a uma população. “Pode haver shows, sem qualquer cerceamento de liberdade, mas há necessidade de que a polícia,  MP, organizadores de eventos e representantes dos pais sentem à mesa para debater como evitar acampamentos de jovens em filas para shows”.

Intervenção

Para que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente prevaleça, Newton Carvalho destaca que o Judiciário pode sempre intervir. Isto é, se determinadas situações - como é o caso de acampamento em filas para shows – prejudicam crianças e adolescentes, sem que eles tenham essa consciência e diante da omissão dos pais, haverá intervenção judicial imediata. “Deve-se agir preventivamente. Mas se necessário for, pode ser decretada a perda ou a suspensão do poder familiar. Se os pais autorizaram a permanência do filho nas filas para shows, dificilmente ele sairá de uma responsabilização civil ou criminal. Temos limites na própria lei e na Constituição Federal que devem ser seguidos. Haverá intromissão do Judiciário se o pai for omisso”, conclui.

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Redação DomTotal

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