Nos últimos cem anos, elevaram-se consideravelmente as emissões de carbono (Foto: Reprodução) |
Marcus Eduardo de Oliveira
Crescer, distribuir, sustentar...continuar a crescer sem agredir o meio ambiente. Esse é o desafio mais premente dos dias que correm. Isso é possível ou se trata de mera utopia? O que não é possível é fazer uma economia crescer sem produzir na esteira desse acontecimento impacto ambiental e depredação ecológica.
Nos últimos cem anos da história do mundo, a produtividade aumentou significativamente, prosperou o capitalismo em diversas frentes, diversificou-se a capacidade produtiva das economias mais modernas. No entanto, elevaram-se consideravelmente as emissões de carbono, os recursos da natureza foram dilapidados e a natureza, em sua essência, diminuída.
Contudo, é sabido que nenhuma população e nenhum padrão de vida elevado se sustentam indefinidamente. Em algum momento, os limites vão surgir. Quais são esses limites diante do mais urgente desafio expresso na “construção” de uma economia de baixa emissão de carbono?
Um primeiro limite a ser considerado é de ordem conceitual. É necessário entender que a economia (atividade produtiva) não pode conquistar tudo e todos.
Se desejarmos medir desempenho econômico pelas lentes exclusivas da ciência econômica, ao menos duas variáveis precisam ser consideradas: 1. O aumento da renda per capita e familiar e, 2. A possibilidade de assegurar a continuidade da vida a todos.
A primeira variável é de conhecimento de qualquer economista. Já a segunda, os economistas - com raras exceções - tem tido certa dificuldade em assimilar tal prerrogativa, uma vez que é comum, por parte de alguns economistas, ignorar-se as leis da natureza, assim como os ecologistas tendem a não considerar os mecanismos econômicos.
Conquanto, é preciso, de antemão, esclarecer que desenvolvimento, no dicionário da vida, significa, grosso modo, organizar socialmente a economia para efetivar-se o acesso ao mínimo indispensável para bem viver. É imperioso, nesse aspecto, enfatizar que por trás da ideia contida na expressão desenvolvimento encontra-se nitidamente o objetivo precípuo da ciência econômica: atingir bem-estar.
Definitivamente, o que importa em matéria de qualidade de vida e de economia social e ambiental saudáveis e responsáveis não é um crescimento quantitativo, mas sim qualitativo.
Um segundo aspecto conceitual que decorre do ponto em que estamos discutindo diz respeito a não mais obedecer cegamente à ordem que impera na macroeconomia.
Enquanto a ordem da macroeconomia é a de “crescer a atividade econômica”, a ordem da ecologia é a de “fazer” com que as pessoas vivam sem sobressaltos, sem ameaças.
A lei básica dos compêndios macroeconômicos consiste em buscar o aumento incessante do consumo e da produção. Já a receita ecológica é mais simples, porém é muita objetiva: reitera a necessidade de respeitar as leis da natureza para assegurar a possibilidade da vida ampla.
É oportuno entender que um sistema econômico, para promover qualidade de vida, não necessariamente precisa aumentar de tamanho. Não há magia nisso. O que deve ocorrer é planejamento vinculado a busca pelo equilíbrio. Logo, isso não fere mortalmente os objetivos daquelas economias que ainda encontram-se atrasadas em matéria de desenvolvimento, cuja maioria da população passa privacidade nos termos mais básicos para a melhoria de vida e que precisam ver prosperarem a capacidade produtiva para a promoção do resgate dos mais necessitados.
Em muitos casos, melhoria da qualidade de vida passa pela ideia da distribuição do que já está produzido, rompendo, para isso, com a erva daninha da concentração. Não necessariamente passa, portanto, por produzir mais, mas, sim, por “desconcentrar” (distribuir equitativamente) o que está em poucas mãos.
Já do lado das economias mais ricas, os limites esbarram nas ações individuais e coletivas fortemente arraigadas à uma ditadura do consumo conspícuo. Será tarefa dificílima mudar paradigmas estabelecidos, não há dúvidas disso.
Um impedimento disso que estamos mencionando encontra-se na própria dinâmica do capitalismo. Enquanto essa estiver balizada na criação de necessidades materiais, muitas vezes de cunho puramente artificial (para não dizer fúteis), será difícil levar à prática comum de que a economia apresenta limites para essa continuidade desenfreada que corre às soltas no mercado consumidor. Sempre haverá alguém disposto a defender a ideia de que o planeta, pelo lado do conhecimento tecnológico, num belo dia qualquer, dará conta de todas as necessidades materiais.
Os que assim pensam são categóricos em suas recomendações: é necessário fazer a economia crescer; é imperativo que a prosperidade se expanda, pois há que se resgatar os que ainda se encontram abaixo das linhas de pobreza e indigência. Infelizmente, esses são os que mais ignoram as leis da natureza. Esses, certamente, não sabem – ou fingem desconhecer - que não é o planeta que está em perigo, mas a nossa raça. Se alguém um dia irá acabar, seremos nós, e não o planeta que saberá viver sem seus (nós) moradores incômodos. Os que ignoram a problemática ambiental, não se dão conta que a atmosfera do planeta está abafada, segundo dados do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), por um manto de gás com 800 bilhões de toneladas de carbono. Não se dão conta ainda de que isso provocará, até 2030, a elevação da temperatura em mais 2° C.
Esses apedeutas – que defendem o crescimento da economia a qualquer custo - insistem em dizer que isso se trata de retórica; já os sábios estão conscientes de que se trata de uma catástrofe ecológica iminente
Por fim, esses que ignoram a questão ambiental e fazem coro à perspectiva de que uma vez crescendo a economia põe-se um fim às dificuldades sociais, se equivocam ao não olhar o histórico do país.
Por qualquer régua que se meça, nosso histórico é de muito crescimento (econômico), mas de pífio desenvolvimento (social) coligado a um profundo desrespeito para com a questão maior (a ambiental).
Sempre é bom recolhermos os fatos históricos: nos últimos cem anos, o PIB brasileiro cresceu quase 150 vezes, mas, em pleno século XXI, em que pese consideráveis avanços “patrocinados” pelos últimos governos, ainda “temos” 20 milhões de famintos num país que é, por exemplo, dono do maior rebanho bovino do mundo.
Em decorrência desse crescimento sem desenvolvimento com agressão ambiental, apenas nos últimos 40 anos, para ficarmos apenas num único exemplo, 18% da Floresta Amazônica foi destruída.
Essa “patologia ambiental” dos últimos anos, responsável por 75% da emissão de gás carbônico, decorre do forte desmatamento que responde, em linhas gerais, pela “necessidade” de fazer a economia crescer. Moral da história: fizemos com que a economia crescesse, melhoramos a vida de uns poucos, mas relegamos 15% de nossa gente à uma condição de vida miserável. Na somatória dos fatos, ainda “matamos” quase 20% da nossa Floresta. Resta perguntar: quem está em perigo mesmo?
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br
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