Há cantores excepcionais. Tem bailarinos espetaculares. E existem ainda atores geniais. Mas, há uma área artística em que possuir somente um desses talentos não é o suficiente. No Teatro Musical, cada artista tem que ser completo: cantar, dançar e interpretar. Tudo ao mesmo tempo e muito bem executado.
Gerardo Matos, o terceiro da esquerda para a direita, quando participou de "O Despertar da Primavera"
O musical é uma tradição nos Estados Unidos, onde há escolas e teatros totalmente voltados para essa área. A Broadway é a mais prestigiada forma de teatro profissional na América, além de ser a mais conhecida do público e a mais lucrativa para os atores, técnicos e outros envolvidos nos espetáculos. Quem não conhece "O Fantasma da Ópera", "O Rei Leão" ou assistiu à "Moulin Rouge" e "Chicago", clássicos que surgiram nos palcos e ganharam versões nos cinemas?
"Se aqui temos o frevo, o maracatu e outras tradições tão genuinamente brasileiras, lá eles têm o teatro musical", reflete André Gress, jovem ator e diretor do segmento. O cearense de 23 anos já carrega nas costas um currículo inspirador: iniciou seus estudos direcionados para o teatro americano aos 16 anos com uma oportunidade de estágio de oito meses na University of Notre Dame e na John Addams High em South Bend, Indiana, onde teve contato pela primeira vez com o teatro musical.
"Tive a oportunidade de assistir ao ´Fantasma da Ópera´ aos cinco anos em Nova York e lembro de ter ficado fascinado. Mas só fui voltar a ter contato com esse universo quando voltei aos Estados Unidos na adolescência. Assisti ´Rent´ e percebi que era aquilo que queria fazer da minha vida", relembra o diretor.
Karla Brito, no palco em "Prometemos Não Chorar", viu nos musicais uma forma de unir duas paixões
Ao voltar para o Brasil em 2007, iniciou um grupo de estudo e pesquisa em Direção visual para teatro musical na Unifor (Universidade de Fortaleza). Lá, André decidiu montar o espetáculo que havia marcado sua vida. Com audições abertas para "Rent - Não há um amanhã", mesmo com pouca experiência e muitas dúvidas, encontrou novos talentos ainda muito crus. Foi o caso de Karla Brito, de 26 anos.
"Meu coração sempre foi dividido entre música e teatro, me angustiava saber que eu tinha que escolher entre um ou outro, até que num dia normal na faculdade eu vi que estavam fazendo uma audição pra o musical ´Rent´ na própria universidade. Fui sem nem saber o que era exatamente um musical e passei para um dos papeis principais", relembra Karla.
André conta que a montagem desse espetáculo foi um aprendizado por completo. Mesmo com todas as dificuldades (que envolviam desde o casting dos atores até o conhecimento administrativo e logístico), a peça teve duas horas e meia de duração e foi uma das maiores lotações do Teatro Celina Queiroz naquela época.
André Gress, ao lado do do diretor da Broadway Thom Warren, durante o projeto que o jovem idealizou
Na plateia estava Gerardo Matos. "Conheci o mundo dos musicais, de fato, quando assisti à montagem de ´Rent´ do Grupo .COM de Teatro, na Unifor. Lembro de estar na plateia e pensar: ´Nossa...que legal! Queria muito estar aí em cima´. No ano seguinte, para a minha alegria, o grupo abriu audições para a entrada de novos membros, e eu entrei", comenta o ator, hoje com 24 anos.
Preparação
Passada a primeira experiência, André, Karla e Gerardo foram em busca de aperfeiçoar seus talentos. Gerardo se descobriu ator em cena, o que gerou a necessidade de uma preparação mais técnica do "fazer musical".
"No momento, estou em São Paulo tendo aulas de ballet clássico, jazz musical theatre, interpretação, consciência corporal, história do teatro, percepção musical e técnica vocal", revela.
Já Karla carrega uma base forte de quando ainda achava que precisava escolher entre a música e teatro. Optou, na época, pela música e fez conservatório, o que a deu controle fantástico para o palco.
"Fiz teatro na escola e também nos Estados Unidos quando morei lá, mas meus maiores professores foram mesmo meus diretores que sempre me impulsionam, acreditam e me forçam até o meu limite", declara.
Nessa busca de também ser um diretor que incentiva, André, este ano, em parceria com Allan Deberton, trouxe para Fortaleza o projeto "Broadway Brasil - Teatro Musical no Ceará" que propôs a capacitação de profissionais ligados à área de produção teatral. Em primeira mão para o Brasil, o projeto trouxe o ator, diretor e professor da Broadway Thom Warren para dar o pontapé inicial na capacitação de pessoas para outros futuros projetos.
"Thom me ensinou muito sobre Teatro Musical. Lembro dele dizendo que não podemos ser máquinas de dançar, cantar e interpretar. Temos que manter o nosso brilho no olhar. Além disso, ele me ensinou que a música, no teatro, entra quando o personagem está quase explodindo e precisa expor suas emoções através das canções. Ela funciona como uma potencializadora da tensão, assim como envolve o espectador com a melodia e a dramatização", avalia.
Jeito brasileiro
Perdendo apenas para os Estados Unidos e Inglaterra, o Brasil hoje é o terceiro maior produtor de musicais do mundo. Diretores como Charles Möeller e Claudio Botelho, Miguel Falabella e atores como Claudia Raia e Alessandra Maestrini contribuíram para trazer essa medalha de bronze para o País.
Além das produções internacionais que ganharam suas versões "verde e amarelo", o Brasil começa a ganhar fôlego valorizando artistas nacionais. Foi assim com o espetáculo "Tim Maia - Vale Tudo, o Musical", responsável pela popularização dessa forma brasileira de fazer teatro musical. "Eles têm a base do formato americano, mas têm as canções e o jeito de fazer brasileiro. Isso encanta o público", observa André.
Pelo país, estão em cartaz outros destaques como "Cazuza" e "Elis -a musical". "Uma das principais diferenças entre nossos atores nacionais e os ´gringos´ é a entrega. Claro que todos nós conhecemos e sabemos da importância da técnica, mas, às vezes, é importante se desapegar um pouco dela e deixar a emoção fluir. Nós, brasileiros, somos mestres nisso, e essa característica nos torna especiais", reflete Gerardo.
Karla relembra ainda que o teatro musical no Brasil não tinha esse formato que hoje se conhece. "Se chamava ´Teatro de revista´ e eram cheios de mulheres com pernas de fora e falavam sobre o que estava acontecendo no país naquele momento [anterior à popularização da TV] de forma irônica e engraçada, bem carioca. Acho mesmo que o teatro musical brasileiro só tem relevância cultural quando se cria e não se copia, como estamos vendo agora", reflete a atriz e cantora.
Cultura
Com a ascensão brasileira, Fortaleza segue em busca de criar uma cultura de público para esse tipo de espetáculo. Além disso, a capital sofre de uma falta de profissionais capacitadores em áreas específicas exigidas para formar um bom ator.
"Não temos um professor de Belting (técnica vocal para se produzir uma voz mais clara e projetada, em volume alto e notas agudas), a maioria dos atores não tem muita base seja em dança ou em canto, falta apoio das empresas que ainda não sabem o que é para poder investir... Falta muito. O grande problema não é a falta de talento, mas a falta de preparo", comenta André.
Karla concorda que talento há de sobra no Ceará, mas que realmente inexiste apoio. "Falta a cultura de ir ao teatro, do público acreditar que algo feito aqui pode ser bom", observa. "A partir do momento em que esse interesse passe a existir, a possibilidade de que as coisas aconteçam fica bem maior", complementa Gerardo.
Ainda assim, essa galera conseguiu criar e produzir espetáculos que foram sucesso de bilheteria na cidade. Karla, por exemplo, estava no elenco de "Prometemos Não Chorar", musical que abordava o universo da música brega. Gerardo interpretou Moritiz Stiefel na montagem de "O Despertar da Primavera". Já André está no processo de produção da adaptação do musical da Broadway "Avenida Q". Talento e vontade de fazer eles têm, agora é hora de apoiar!
GABRIELA DOURADOREPÓRTER
Diário do Nordeste
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