Os bois que passeiam pela minha rua dão um toque surreal ao dia-a-dia da vizinhança.
São grandes, não temem os carros, caminham com a placidez dos aposentados. (Foto: Arquivo) |
Por Alexandre Kawakami*
Moro num bairro que acho ser central em Belo Horizonte. Costumava ser afastado. Hoje, com o desenvolvimento de Belvedere, Buritis e Nova Lima, creio ser bem próximo ao centro da cidade.
Coloco esse fato para poder compartilhar com meu leitor a surpresa que sinto muitas das vezes que volto para casa, no fim da tarde: não é raro ficar preso numa fila imensa de carros que aguardam, pacientemente, a passagem de uma manada de bois.
Manada, mais ou menos, porque são três ou quatro. Mas são grandes, não temem os carros, caminham com a placidez dos aposentados e vão rua afora comendo os sacos de lixo deixados para os caminhões, mugindo alto pela rua, acordando incautos.
Meus amigos japoneses, chineses e coreanos que me visitam de vez em quando tiram fotos e riem, postam no Facebook, se deleitam com o espetáculo dos bichões.
Uma vez, meu cachorro, novo e deslumbrado que é, fugiu da minha guarda e tentou morder um dos bichos. Pra quê? Levou um coice que o pôs no lugar por bom tempo. Passou a semana andando comportado ao meu lado, acredito eu, arrependido de ter enfrentado aquela massa de músculos que sobe minha rua, chamando a mesma atenção do amolador de facas e do vendedor de cocada com seu mugido.
Os bois da minha rua dão um ar de surreal, um toque de Garcia Marquez no dia-a-dia da minha vizinhança. Mas apesar de alimentarem um saudosismo que me é caro, em outro dia, voltando cansado do escritório, um desses bois, preto, resolveu sentar e descansar na porta da minha garagem. À noite, na penumbra da minha rua. Fui chegando e só não levei o bicho para tomar café em minha casa por intervenção divina.
Dizem que a prefeitura não faz nada com os bois porque são propriedade de um traficante de drogas influente no morro perto de onde moro. Seria a convivência com os bichos soltos parte de um acordo entre os governantes da cidade e da favela, em prol do que quer que seja? Se for, que dessem espaço pros bois ficarem cercados em uma das praças ao redor. As crianças até agradeceriam, como se encantam ao ir no Posto da Vaquinha, em Oliveira.
Mas não, não só seguem os bois fertilizando as calçadas de minha vizinhança, como ganharam agora a companhia de uma vara de porcos. Quando falhamos em dar espaço para os bois, eles o tomam em sua placidez e nossa displicência. E prosperam.
Dom Total
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