28/01/2014

Jesus de Nazaré: jovem camponês da periferia, mártir e portador de uma pedagogia emancipatória.



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“O camponês de Nazaré, nessa luta nos reuniu. Vem conosco caminhar, pela Terra Livre Brasil...” (Hino do 3º Congresso da PJR) “Jovem da roça também tem valor!” (Grito da PJR desde 1985.)
1 - A partir da roça, do campo.

Nasci na roça, no campo. Fiz muitos calos nas mãos no cabo da enxada tocando roça à meia ao lado do papai José Moreira. Na hora da colheita, quando via o fazendeiro levar no caminhão a metade da nossa safra e quase toda a outra metade também, porque contraíamos dívida na sede da fazenda onde comprávamos, do plantio à colheita, açúcar, café, sal, remédios etc, dentro de mim, ainda criança, gritava uma voz: “Deus não quer isso. Isso não é justo.” Trago na minha memória essa indignação diante da opressão do latifúndio e dos latifundiários. Saí da roça, mas a roça não saiu de mim. Meu sacerdócio e meu jeito de ser frade carmelita estão intimamente conectados com a luta dos camponeses por terra, pão e dignidade. 

2 - Juventude camponesa em Recife.

O III Congresso da Pastoral da Juventude Rural (PJR – www.pjr.org.br), em Recife, PE, de 14 a 19 de janeiro de 2014, reuniu mais de 1.500 jovens camponeses de todo o Brasil. Além das reflexões, troca de experiência, convivência, noites culturais etc, foi momento propício também para beber da herança espiritual profética de frei Caneca, padre Ibiapina, Padre Cícero, beato Zé Lourenço, padre Henrique, frei Jessé, Dom Hélder Câmara, Francisco Julião, cacique Chicão Xucuru, dentre tantos outros lutadores do povo. Frei Jessé e padre Henrique foram homenageados. Frei Cícero dos Santos Jessé (1954 a 1995), uma vida a serviço da Juventude Camponesa. Frei Jessé foi assessor da PJR por vários anos. Ao adoecer dizia: “Não deixem de fazer nada porque estou ausente.” Padre Antonio Henrique Pereira Neto (1940 a 1969), mártir da juventude que ousa viver a sua fé no mundo. Chamado por dom Hélder, padre Henrique, além de secretário do Dom, foi também assessor da Juventude. Chamado de subversivo, em 26 de maio de 1969, foi torturado e assassinado pela ditadura civil-empresarial-militar. Antes de completar 29 anos tombou por sua opção pelos pobres e pelos jovens, mas frei Jessé e padre Henrique, assim como todos os mártires da caminhada, continuam conosco, presente, presente, presente.

A cidade de Recife nos convida a recordar: a) frei Caneca, o carmelita da Confederação do Equador, fuzilado dia 13 de janeiro de 1824, após ter sido preso em 1817 e ter ficado vários anos no cárcere, em Salvador, Bahia. Frei Caneca, ao lado de outros 50 padres, esteve à frente da Confederação do Equador que lutava pela independência do Pernambuco, contra a violência da monarquia. Lutava por vida e liberdade para todos; b) Dom Hélder Câmara, o dom do amor, da paz e da justiça; d) Pernambuco também foi palco das Ligas Camponesas que, sob a liderança de tantos como o advogado Francisco Julião, se espalharam pelo país, com mais de 2.000 já organizadas quando se instaurou a ditadura. As Ligas camponesas lutando por reforma agrária na lei ou na marra. 

3 – Deus na história, o divino no humano.

O Deus do cristianismo é um Deus da história, quer dizer, age nas entranhas dos fatos e dos acontecimentos. O Deus da vida, mistério de infinito amor, não faz mágica. Desde que Deus, por infinito amor à humanidade, encarnou-se, o divino está no humano.

O Concílio de Calcedônia, no ano de 451, reconheceu Jesus Cristo com “natureza” divina e humana. O apóstolo Paulo reconhece que Jesus é o Cristo, filho de Deus, mas “nascido de mulher” (Gal 4,4), ou seja, humano como nós desenvolveu seu infinito potencial de humanidade. “Jesus, de tão humano, se tornou divino,” dizia o papa João XXIII. 

“Não é ele o filho de Maria e José, o carpinteiro (Mt 13,55)?”. Progressivamente, na Galileia, Samaria e Judéia, Jesus se revela, à primeira vista, em aparentes contradições, mas, no fundo, com tal equilíbrio que chama a atenção de todos. Assim, ele testemunha que Deus é mais interior a nós do que imaginamos. A mística “encarnatória” revela a pessoa humanamente divina e divinamente humana. “Quem me vê, vê o Pai (Jo 14,9)”.

Jesus, antes de se tornar mestre, foi discípulo, mas como mestre continuou aprendendo. Antes de ensinar, aprendeu muito com muitos: com Maria e José, com o povo da sinagoga, com os vizinhos, amigos, com os acontecimentos históricos, com a natureza etc.

Somos discípulos/as de um jovem camponês, da periferia, que foi condenado à pena de morte pelos podres poderes da política, da economia e da religião. Somos discípulos de um mártir. Feliz quem não esquece a vida, o testemunho e o ensinamento dos mártires.

Jesus compreende a mulher acusada de adultério, mas ferve o sangue de ira santa contra os vendilhões do templo.

4 – Jesus, a Juventude Camponesa e a PJR.

Em sintonia com a Campanha da Fraternidade de 2013 - Fraternidade e Juventude -, como instrumento inspirador para a Juventude Camponesa e para a Pastoral da Juventude Rural, apresentamos Jesus de Nazaré, o jovem de Nazaré que se tornou Cristo, messias, filho de Deus. Jovem, camponês, da periferia, Jesus, no meio de muitos jovens, apresenta uma Pedagogia que emancipa e liberta. Hoje, os/as jovens estão sendo marginalizados, violentados em sua dignidade, milhares assassinados anualmente. As prisões estão abarrotadas de jovens das periferias. Os modelos de educação hegemônicos mais fazem adestramento, capacitação profissional para encaixar os jovens na máquina mortífera que é o mercado endeusado. No meio dessa realidade conflituosa, faz bem nos inspirar na pedagogia de Jesus, um jovem camponês da periferia, que humaniza pelo seu ensinamento e testemunho. 

5 – Treze características da pedagogia emancipatória de Jesus de Nazaré.

Jesus não nos salva automaticamente, mas testemunha um jeito de viver, melhor dizendo, um jeito de conviver que é libertador e salvador. Vital é prestarmos atenção no jeito e como Jesus ensina e atua. Faz bem prestarmos atenção no processo pedagógico efetivado por Jesus. Trata-se de uma Pedagogia emancipatória com muitas características, entre as quais, destacamos treze.

5.1) A partir da periferia. O Evangelho de Lucas interpreta a vida, ações e ensinamentos de Jesus ao longo de uma grande caminhada da Galileia até Jerusalém, ou seja, da periferia geográfica e social ao centro econômico, político, cultural e religioso da Palestina. A Palavra, em Lucas, é a palavra de um leigo, de um camponês galileu, “alguém de Nazaré”, pessoa simples, pequena, alguém que vem da grande tribulação. Não é palavra de sumo sacerdote, nem do poder.

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