03/01/2014

Padre Georges foi libertado do cativeiro na Nigéria

 Anne Benedicte Hoffner e Françoes-Xavier Maigre / Jornal La Croix
Depois de sete semanas em cativeiro, o missionário, padre Georges, chegou à França no dia 26 de dezembro. Sua missão está situada no sul da Nigéria onde as lutas de vários grupos muçulmanos se agravam. O jornal La Croix entrevistou-o:
La Croix : Como se sente agora com a liberdade recuperada?
P. Georges Vandenbeusch: me sinto bem. É o que eu digo, desde que cheguei, a todos os médicos que se preocupam comigo. Por outro lado, eu não conquistei plenamente a liberdade porque ainda há práticas legais que devo cumprir para ter de novo a carteira de condução e um telefone para me comunicar; a minha vida inteira está mergulhada nesse evento, mas não me preocupo. Ainda estou guardado por motos de policiais, mas daqui a pouco poderei viajar livremente.
Quanto ao descanso é necessário que o tome a sério, mas estou um pouco apegado a algumas coisas, porque quero responder rapidamente a todos os que me escrevem mensagens de fraternidade. Creio que na próxima semana poderei entrar num repouso completo.
Quais foram os motivos de sua prisão? O senhor teve medo?
Medo não; dormia bem todas as noites. Parece que o tempo não existe numa situação daquelas. Dormia do pôr ao nascer do sol. Apesar do piso ser um pouco frio, só passei um pouco de frio por causa do vento em alguns momentos. O segundo cobertor que foi prometido nunca veio. Dormia no chão sobre um largo colchão e só podia sair para o banheiro. Quanto à alimentação, eles pensavam que eu gostava de massas e diariamente me davam uma massa dura que às vezes podia até partilhar com outras pessoas.
Como se comportavam os vigias?
Eles se comportavam corretamente, tínhamos pouco contato com eles porque não falam inglês. Somente o chefe entendia o inglês. Estive sempre guardado por homens armados. Depois de alguns dias me deram sabão para poder me lavar e pasta de dentes só depois de um mês. Nunca revelavam má vontade e percebia que tinham algumas delicadezas comigo provavelmente porque eu também era útil para eles. Desde o começo eles me disseram que queriam negociações rápidas. Durante algum tempo pensei em escapar, mas fiquei indeciso me perguntando se iria dar certo...
Eles sabiam que você era padre?
Não creio. A cultura religiosa deles é muito superficial. Eles pouco conhecem além da religião muçulmana, e, nos campos onde atuam, pouca informação recebem. Na Nigéria também há algumas religiões evangélicas. Mas certamente sabiam que minha religião era católica romana porque foi o que a rádio anunciou. Me perguntaram se era pastor e ficaram maravilhados ao saber que não tinha esposa nem filhos.
Passou por algum momento de desespero?
Não, mas algum sentimento de decepção em cada dia me cercava. Todo o dia eu escutava os motores dos carros e das pick-ups que chegavam e partiam. Pensava que fosse chegado o momento da minha libertação. Esperava que podia sair antes do Natal. No dia 24 estive muito tempo em oração, mas no dia 25 já não consegui fazer o mesmo. Estava preocupado com os meus paroquianos de Nguetchewe, abandonados e sem nenhum padre para celebrar o Natal. Fiquei triste e revoltado. Nos primeiros dias na prisão só pensava na escola, nas crianças e nos pais que não tinham como pagar. Isto é muito pesado...
Com é que você rezava?
A solidão e a ausência com quem se comunicar, para mim que sou mais um pastor de ovelhas do que um contemplativo, foi pesado. Mesmo assim quase nunca havia silêncio no lugar. Todos os dias meus guardas recitavam suas frases do Corão em alta voz para mantê-las vivas na memória. Antes de viajar para os Camarões não era um admirador do terço. Aprendi com as irmãs que aí encontrei na paróquia, e durante o tempo que estive na prisão me apoiei muito nessa forma de oração e até inventei mistérios, por exemplo, da misericórdia e outros que se referem a curas ou as sete palavras de Jesus sobre a cruz.
Infelizmente não podia celebrar a missa porque não tinha missal, nem pão, nem vinho... também rezava perante meus guardas. Assim eles podiam saber que eu rezava também por eles. A oração da manhã era mais difícil e aquela da tarde mais fácil e compensadora. Sentia uma grande paz e confiança em Deus olhando para a minha prisão mais como um dom do que como um castigo. E sabendo que havia muita gente rezando por mim, era um pensamento que muito me confortava.

Podemos dizer que Deus escutou a oração daqueles que rezaram pela sua libertação? E porque não acontece o mesmo com outros presos?
Não estamos falando de um tipo de comércio espiritual. É verdade que, como eu já falei na televisão, parece ser injusto que eu tenha recuperado a liberdade depois de sete semanas e outros ficam detidos durante anos. Eu não sou melhor do que eles. Minha liberdade não é um simples favor de Deus.
A oração é importante, é necessário continuar a rezar pelos outros que estão detidos porque Deus tudo pode e o que é mais necessário é que ele dê a força de resistência. Ele deixou que eu fosse libertado, o que significa que ele não retira a mão dos que fazem o mal e que ele não nos trata como se fôssemos marionetes. Na paróquia onde trabalhava, já tivemos pais que foram mortos na frente de seus familiares pelos Boko Haram. Nos perguntamos porque Deus permite isso? É um grande mistério. Eu não tenho resposta para isso.
Não podemos acreditar que o mal pode nascer do bem, porque um mal é sempre mal. Não é a caça de pessoas para colocar na prisão que dá mais força aos que prendem. O que é bom é a fraternidade partilhada, as lembranças indescritíveis que permanecem vivas e me robusteceram. Esta experiência de amor universal é muito humana e é também uma autêntica experiência de amor cristão.
Você já perdoou aos que o capturaram?
É uma boa pergunta. Mas eu não a coloco desta maneira. A maioria são mais jovens do que eu, com pouca formação vivendo num país em ruínas. Eles mesmos são prisioneiros do jogo da história. Eu sei que era dever deles colocar um pano nos meus olhos para eu não poder ver, mas não guardo rancor por causa disso. Pensei muitas vezes na palavra de Jesus na cruz: "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que estão fazendo!" Mas, às vezes quando disparavam para o ar declarando uma operação armada sempre deixava vítimas. Isso me irritava.
Esta experiência me ajudou a aprofundar algumas questões que eu já me colocava anteriormente sobre os muçulmanos. Eles também têm respostas a nos dar sobre algumas das nossas questões. Eles estão convencidos de que todos os meios são possíveis para converter as pessoas? Todos os muçulmanos que estão espalhados pelo Oriente Médio e pela Europa também devem se esforçar para responder a essa questão.
Agora tenho mais curiosidade pelo Islã e quero conhecê-los melhor. Alguns deles também rezaram pela minha libertação nas quatro pequenas mesquitas de Nguetchewe ou nas grandes de Douala, a capital econômica. Às vezes tinha vontade de dizer aos que me guardavam que era mais importante combater pela paz do que derrubar inimigos e promover o diálogo entre religiões.
Fonte: www.la-croix.com

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