08/02/2014

Multidão de miseráveis se espreme em quartinhos de Pequim

Pequim (AFP) - Trabalhadores vindos do campo viraram massas invisíveis que vivem em condições miseráveis nos porões de grandes cidades como Pequim, onde o preço de um apartamento é proibitivo.

Para eles, o milagre econômico ainda ainda é um sonho.

Ye Yiwen, seu marido e seus dois filhos vivem confinados em um quarto de dez metros quadrados em um porão perto do estádio nacional de Pequim, conhecido como "Ninho do Pássaro".

A família deixou uma casa de 200 metros quadrados em um povoado situado a 1.000 km da capital por este quartinho sombrio no qual só cabem duas camas e uma pequena mesa.

"É claro que a casa do nosso povoado era mais confortável, mas o trabalho está aqui", explica a mulher que pede para ser chamada pelo pseudônimo Ye. "Sinto falta das flores", lamenta.

O êxodo de centenas de milhões de pessoas do campo para as cidades da China desde o início das reformas econômicas, há pouco mais de três décadas, é a maior migração humana da História. Mas a vida que as espera no fim do caminho costuma ser muito diferente da que imaginavam.

Pequim tem mais de 20 milhões de habitantes, dos quais 6 ou 7 milhões são explorados e tratados como cidadãos de segunda classe.

Como não têm permissão de residência oficial, não recebem subsídios sociais, nem têm direito às escolas gratuitas para seus filhos.

Pelo menos 281.000 pessoas vivem em porões, segundo autoridades municipais. Na gíria, são chamados de "ratos". A imprensa oficial estima em um milhão o número de pessoas que podem estar vivendo em lugares rudimentares, subterrâneos sórdidos ou antigos refúgios da Defesa Civil.

Após chegarem ao poder em 1949, as autoridades comunistas da China ordenaram a construção de uma rede de refúgios subterrâneos em Pequim.

Ye deixou sua província, de Anhui (leste), há 15 anos. Ela trabalha como doméstica para uma família do bairro sofisticado de Guanjuncheng. E conseguiu que seus filhos, com 20 e 21 anos, seguissem seus passos enquanto terminam o ensino médio.

"Sabemos que não é um lar ideal, mas não estamos uns sobre os outros", diz, como se quisesse se consolar.

Vivendo como ratos

O Partido Comunista Chinês (PCC) anunciou, em novembro, medidas para permitir que cada vez mais trabalhadores possam se instalar legalmente nas cidades.

Mas a carestia dos aluguéis impossibilita que os trabalhadores pobres possam comprar uma casa e menos ainda em Pequim, a cidade mais cara da China continental. 

Ye e sua família sabem bem: a renda mensal da família é de 9.000 iuanes (US$ 1.350), mas o preço médio do metro quadrado na capital chinesa chegava em dezembro a 31.465 iuanes (US$ 5.100), com alta de 28,3% anuais, segundo um estudo do instituto independente China Index Academy.

O preço médio de uma residência na capital corresponde a 13,3 vezes a renda anual média oficial. O Banco Mundial considera que a diferença não deveria superar uma razão de 1 a 5.

A febre imobiliária é fonte de descontentamento popular, e não só entre os mais pobres.

Guan Sheng, de 25 anos, cresceu em Pequim e está desempregado. Atualmente, mora em um porão de quatro metros, suportando o odor dos banheiros compartilhados. Ele usa um tubo enferrujado no teto para pendurar a roupa lavada. As paredes estão cobertas de mofo por causa da umidade.

Guan, que também prefere usar um pseudônimo para preservar sua identidade, paga um aluguel mensal de 600 iuanes, aos quais precisa somar 30 iuanes de eletricidade e 15 de água.

"O mais importante para mim é economizar para a casa", diz. "Não me imagino sendo proprietário".

Mas as condições de vida em Pequim podem ser piores ainda, por mais difícil que pareça.

A imprensa local revelou no mês passado que alguns imigrantes vivem nos esgotos. Após a publicação da notícia, as autoridades ordenaram que fossem enviados de volta para suas regiões de origem para evitar manchar a imagem de Pequim como uma cidade moderna e próspera.
AFP
Dom Total

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