10/05/2014

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL SACRAMENTUM CARITATIS DE SUA SANTIDADE BENTO XVI

AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE A EUCARISTIA
FONTE E ÁPICE DA VIDA
E DA MISSÃO DA IGREJA

INTRODUÇÃO
1. Sacramento da Caridade, (1) a santíssima Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem. Neste sacramento admirável, manifesta-se o amor « maior »: o amor que leva a « dar a vida pelos amigos » (Jo 15, 13). De facto, Jesus « amou-os até ao fim » (Jo 13, 1). Com estas palavras, o evangelista introduz o gesto de infinita humildade que Ele realizou: na vigília da sua morte por nós na cruz, pôs uma toalha à cintura e lavou os pés aos seus discípulos. Do mesmo modo, no sacramento eucarístico, Jesus continua a amar-nos « até ao fim », até ao dom do seu corpo e do seu sangue. Que enlevo se deve ter apoderado do coração dos discípulos à vista dos gestos e palavras do Senhor durante aquela Ceia! Que maravilha deve suscitar, também no nosso coração, o mistério eucarístico!
O alimento da verdade
2. No sacramento do altar, o Senhor vem ao encontro do homem, criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 27), fazendo-Se seu companheiro de viagem. Com efeito, neste sacramento, Jesus torna-Se alimento para o homem, faminto de verdade e de liberdade. Uma vez que só a verdade nos pode tornar verdadeiramente livres (Jo 8, 36), Cristo faz-Se alimento de Verdade para nós. Com agudo conhecimento da realidade humana, Santo Agostinho pôs em evidência como o homem se move espontaneamente, e não constrangido, quando encontra algo que o atrai e nele suscita desejo. Perguntando-se ele, uma vez, sobre o que poderia em última análise mover o homem no seu íntimo, o santo bispo exclama: « Que pode a alma desejar mais ardentemente do que a verdade? » (2) De facto, todo o homem traz dentro de si o desejo insuprimível da verdade última e definitiva. Por isso, o Senhor Jesus, « caminho, verdade e vida » (Jo 14, 6), dirige-Se ao coração anelante do homem que se sente peregrino e sedento, ao coração que suspira pela fonte da vida, ao coração mendigo da Verdade. Com efeito, Jesus Cristo é a Verdade feita Pessoa, que atrai a Si o mundo. « Jesus é a estrela polar da liberdade humana: esta, sem Ele, perde a sua orientação, porque, sem o conhecimento da verdade, a liberdade desvirtua-se, isola-se e reduz-se a estéril arbítrio. Com Ele, a liberdade volta a encontrar-se a si mesma ».(3) No sacramento da Eucaristia, Jesus mostra-nos de modo particular a verdade do amor, que é a própria essência de Deus. Esta é a verdade evangélica que interessa a todo o homem e ao homem todo. Por isso a Igreja, que encontra na Eucaristia o seu centro vital, esforça-se constantemente por anunciar a todos, em tempo propício e fora dele (opportune, importune: cf. 2 Tm 4, 2), que Deus é amor.(4) Exactamente porque Cristo Se fez alimento de Verdade para nós, a Igreja dirige-se ao homem convidando-o a acolher livremente o dom de Deus.
O desenvolvimento do rito eucarístico
3. Contemplando a história bimilenária da Igreja de Deus, sapientemente guiada pela acção do Espírito Santo, admiramos cheios de gratidão o desenvolvimento ordenado no tempo das formas rituais em que fazemos memória do acontecimento da nossa salvação. Desde as múltiplas formas dos primeiros séculos, que resplandecem ainda nos ritos das Antigas Igrejas do Oriente, até à difusão do rito romano; desde as indicações claras do Concílio de Trento e do Missal de São Pio V até à renovação litúrgica querida pelo Concílio Vaticano II: em cada etapa da história da Igreja, a celebração eucarística, enquanto fonte e ápice da sua vida e missão, resplandece no rito litúrgico em toda a sua multiforme riqueza. A XI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que decorreu de 2 a 23 de Outubro de 2005 no Vaticano, elevou um profundo agradecimento a Deus por esta história, reconhecendo nela a guia activa do Espírito Santo. De modo particular, os padres sinodais reconheceram e reafirmaram o benéfico influxo que teve, na vida da Igreja, a reforma litúrgica actuada a partir do Concílio Ecuménico Vaticano II.(5) O Sínodo dos Bispos pôde avaliar o acolhimento que a mesma teve depois da assembleia conciliar; inúmeros foram os elogios; como lá se disse, as dificuldades e alguns abusos assinalados não podem ofuscar a excelência e a validade da referida renovação litúrgica, que contém riquezas ainda não plenamente exploradas. Trata-se, em concreto, de ler as mudanças queridas pelo Concílio dentro da unidade que caracteriza o desenvolvimento histórico do próprio rito, sem introduzir artificiosas rupturas.(6)
O Sínodo dos Bispos e o Ano da Eucaristia
4. Além disso, é necessário sublinhar a relação do recente Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia com o que sucedeu durante os últimos anos na vida da Igreja. Antes de mais, devemos pensar no Grande Jubileu do ano 2000, com o qual meu amado predecessor, o servo de Deus João Paulo II, introduziu a Igreja no terceiro milénio cristão; o Ano Jubilar teve, sem dúvida, uma caracterização intensamente eucarística. Depois, não se pode esquecer que o Sínodo dos Bispos foi precedido e, em certo sentido, preparado também pelo Ano da Eucaristia, estabelecido com grande clarividência por João Paulo II para toda a Igreja; teve início com o Congresso Eucarístico Internacional em Guadalajara no mês de Outubro de 2004 e terminou a 23 de Outubro de 2005, no final da XI Assembleia Sinodal, com a canonização de cinco beatos que se distinguiram, de forma particular, pela sua piedade eucarística: o bispo José Bilczewski, os sacerdotes Caetano Catanoso, Sigismundo Gorazdowski e Alberto Hurtado Cruchaga, e o religioso capuchinho Félix de Nicósia. Graças aos ensinamentos propostos por João Paulo II na Carta Apostólica Mane nobiscum Domine (7) e às preciosas sugestões da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,(8) numerosas foram as iniciativas que as dioceses e as diversas realidades eclesiais empreenderam para despertar e aumentar nos crentes a fé eucarística, para melhorar o cuidado das celebrações e promover a adoração eucarística, para encorajar uma real solidariedade que, partindo da Eucaristia, atingisse os necessitados. Por último, é preciso mencionar a importância da última Encíclica do meu venerado predecessor, a Ecclesia de Eucharistia,(9) deixando-nos através dela uma segura referência do Magistério quanto à doutrina eucarística e um derradeiro testemunho do lugar central que este sacramento divino ocupava na sua vida.
Finalidade do documento
5. Esta Exortação Apostólica pós-sinodal tem por objectivo recolher a multiforme riqueza de reflexões e propostas surgidas na recente Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos — a começar dos Lineamenta até às Propositiones, passando pelo Instrumentum laboris, asRelationes ante et post disceptationem, as intervenções dos padres sinodais, auditores e delegados fraternos —, com a intenção de explicitar algumas linhas fundamentais de empenho tendentes a despertar na Igreja novo impulso e fervor eucarístico. Consciente do vasto património doutrinal e disciplinar acumulado no decurso dos séculos à volta da Eucaristia,(10) neste documento desejo sobretudo recomendar, acolhendo o voto dos padres sinodais,(11) que o povo cristão aprofunde a relação entre o mistério eucarístico, a acção litúrgica e o novo culto espiritual que deriva da Eucaristia enquanto sacramento da caridade. Com esta perspectiva, pretendo colocar esta Exortação na linha da minha primeira Carta Encíclica — a Deus caritas est—, na qual várias vezes falei do sacramento da Eucaristia pondo em evidência a sua relação com o amor cristão, tanto para com Deus como para com o próximo: « O Deus encarnado atrai-nos todos a Si. Assim se compreende por que motivo o termo agape se tenha tornado também um nome da Eucaristia; nesta, a agape de Deus vem corporalmente a nós, para continuar a sua acção em nós e através de nós ».(12)

Fonte: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/apost_exhortations/documents/hf_ben-xvi_exh_20070222_sacramentum-caritatis_po.html#INTRODUÇÃO

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