28/07/2014

Imagem de padroeira de Fortaleza será doada para a 10ª Região Militar

Image-0-Artigo-1667006-1
A imagem de Nossa Senhora da Assunção chegou a Fortaleza em 1654. No dia 15, voltará ao Forte, em procissão que sairá da Catedral Metropolitana de Fortaleza, até o local onde ficará exposta à visitação
De valor histórico incalculável, a primitiva imagem de Nossa Senhora da Assunção, a padroeira de Fortaleza, voltará para o seu local de origem: o Forte de Nossa Senhora de Assunção, no dia 15 de agosto de 2014, data de celebração da santa. A figura será doada pela família do coronel Licínio Nunes de Melo à 10ª Região Militar.
Na ocasião, a imagem seguirá em procissão para o Quartel Militar, saindo da Catedral Metropolitana de Fortaleza, onde acontecerá uma missa. Antes, no próximo dia 14 de agosto, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará realiza uma sessão solene em homenagem à Nossa Senhora e aos seus guardiães por 157 anos. Já no dia 12 de agosto, ocorre missa no sítio Jurucutuoca, no Eusébio, de posse da família Nunes de Melo, que abrigou a escultura por muitos anos em um santuário.
A imagem chegou à Capital em 1654 trazida pelo comandante português Álvaro Azevedo Barreto para que a população pudesse ter uma santa de devoção e uma figura de contemplação. O antigo Forte Schoonenborch, erguido pelos holandeses para defender a cidade, foi retomado pelos portugueses e recebeu o nome de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, onde o município começou a ser construído. O comandante português construiu uma capela no centro do pátio da edificação para receber a santa, onde ficou por quase um século.
Quando da reforma do Forte para sua transformação em Quartel Militar, ela foi levada para a sacristia da matriz da cidade, antiga Sé, hoje Catedral Metropolitana.
Projeto
Image-0-Artigo-1667007-1
A dona de casa Maria Guiomar Nunes de Araújo e o aposentado Francisco Lauro Ferreira de Araújo foram os "guardiães" da imagem católica durante 47 anos
FOTOS: FABIANE DE PAULA
A santa será reintronizada ao Forte em local que ainda está sendo preparado, localizado no túnel onde Bárbara de Alencar foi descoberta e pelo qual a munição para os canhões era transportada. De acordo com o comandante da 10ª Região Militar, general Carlos Cesar Araújo Lima, no lugar, haverá uma placa com os nomes dos herdeiros e projeto de iluminação. "Uma forma de homenagear os guardiães da imagem por tantos anos".
A ideia inicial era colocá-la na Praça Nossa Senhora Assunção, onde está uma das réplicas. "Porém, o Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -, que precisou ser consultado para autorizar as intervenções no Forte, não recomendou a instalação da santa na praça por motivo da sua exposição às intempéries climáticas, o que traria danos à peça". O local que abrigará a imagem sofrerá alterações no futuro, como informa o general.
Trata-se de uma relíquia histórica de valor sentimental para a família. "É como a reconstrução de um nome", comenta a historiadora e filha de Francisco Juarez Costa Nunes, um dos herdeiros, Heliane Costa Nunes.
A historiadora revela que a doação foi firmada em termo e consentida por todos. "Esta é a época adequada para entregarmos a santa porque os filhos já possuem idade avançada".
Para ela, o Forte é o local certo para a escultura, afinal é o seu primeiro abrigo desde que chegou à Capital. Além disso, Heliane destaca que a figura precisa ficar em ambiente propício à contemplação. Onde possa ser adorada e visitada pela população e por turistas.
A recepção da 10ª Região Militar foi a melhor possível, segundo revela a historiadora, quando foi procurada pela deputada Fernanda Pessoa que fez a proposta de recepção da imagem.
Importância
O pároco da Catedral Metropolitana de Fortaleza, padre Clayrton Alexandrino, salienta a importância da imagem para o Município. "Testemunho histórico irrefutável de que a Cidade já nasceu sob a proteção da santa. Até o Forte foi dedicado a ela. Ninguém pode desprezar a presença de Maria na vida dos fortalezenses. Nascemos sob o signo do manto de Nossa Senhora", lembra o religioso. Conforme o padre, a doação deve servir de apelo para que as pessoas cultivem suas raízes.
A exposição da santa é um desejo antigo propagado pela campanha "Fortaleza tem Mãe", da Arquidiocese. "A figura de Maria tem papel importante na vida dos cristãos". Na visão do pároco, a imagem vai para o lugar certo. "Agora ela fica publicamente em seu local de honra", comemora.
O comandante da 10ª Região Militar revela que o processo de doação é antigo. "Outros generais já haviam tentando trazer a santa de volta".
A capela da RM acabou sendo destruída quando da reforma do local. Na época, o Exército decidiu não mais ter templos religiosos, portanto, a reconstrução da igreja não foi autorizada, ficando impossibilitado o retorno da imagem para o Quartel.
O comandante explica que os militares são homens de fé e costumam cultuar imagens. "Em todos as ocasiões que o Exército participa há cultos religiosos. Além disso, a maioria dos soldados é católica. Portanto, a decisão de devolver a figura de Nossa Senhora da Assunção foi muito aceita", ressalta.
De acordo com ele, o abrigo à escultura tem valor histórico para a 10ª Região Militar. "É como se ela voltasse para o seu lugar de origem e também serve como uma proteção a mais, fortalecendo o espírito religioso do Exército", diz. No entanto, o general reitera que a santa é da cidade. "Vamos apenas guardá-la", finaliza.
Trajetória da santa na família Nunes de Melo
O primeiro integrante da família Nunes de Melo chegou ao Ceará ainda durante o Primeiro Império. Manuel Nunes de Melo, o chamado barão de Santo Amaro, veio para o Estado a fim de assumir o posto de cônsul da França no Brasil.
Na mesma época, a cidade de Fortaleza recebeu o engenheiro Francisco Seifert para reconstruir a antiga Sé. Os projetos do engenheiro não foram aceitos, mas ele continuou no Ceará e acabou edificando a sede do sítio Jurucutuoca, em 1847. Seifert morre e sua viúva, Maria da Cunha, casa-se com o barão de Santo Amaro.
Herdeiro
O verdadeiro herdeiro da imagem de Nossa Senhora da Assunção, o coronel Licínio Nunes de Melo, era filho de Manuel Nunes de Melo e de Maria da Cunha. O coronel era administrador da Irmandade de São José, responsável pela procissão dos mortos e compadre do arcebispo de Fortaleza na época, Dom Joaquim José Vieira.
Licínio precisava de uma imagem para a capela do Sítio Jurucutuoca. O arcebispo pediu que ele escolhesse qual figura queria. O coronel elegeu, então, Nossa Senhora da Assunção porque cabia como uma luva no santuário, sendo então doada para a família Nunes de Melo.
Primeiro, a santa foi para a casa de Licínio, localizada no Centro de Fortaleza, na Rua Barão do Rio Branco (denominada Rua Formosa, na época). Nossa Senhora foi levada para o sítio somente em 1857.
O coronel teve oito filhos que acabaram herdando a imagem. Após a partilha dos bens, José Licínio Nunes de Melo ficou com o sítio Jurucutuoca e, portanto, com a imagem católica, até mesmo por ter cuidado do seu pai até a morte.
Receio
Na época da Ditadura Militar, em 1960, o genro de José Licínio Nunes de Melo, o hoje aposentado Francisco Lauro Ferreira de Araújo, retirou a santa do sítio e guardou em local sigiloso, com receio de que o Exército a tomasse. E assim ficou por 47 anos.
"Fui intimado a comparecer no quartel para dar explicações e não compareci. Depois fui convidado a tomar um chá com o general Borges da Fonseca e me apresentei. Foi então que o arcebispo provou que a imagem pertencia à minha família", conta.
O temor era que o Exército, pressionado pelo arcebispo da época, Dom Salgado, resgatasse a imagem à força.
Lauro ainda pensou em vender a peça, mas depois voltou atrás e resolveu procurar uma pessoa de influência para resolver o trâmite de doação.
O aposentado revela que várias pessoas o procuram ainda hoje para ver a figura de Nossa Senhora da Assunção, até com propostas de compra.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Posse pode ter deixado Capital sem referência
Uma imagem sacra dita original sempre causa uma expectativa, no mínimo, curiosa na população, principalmente por seus traços artísticos de época. Na verdade, tem uma coisa na vinda da figura de Nossa Senhora da Assunção para Fortaleza muito mais pertencente ao aspecto do ineditismo animado por alguns do que uma ampla e irrefutável penetração no imaginário religioso da população.
Tem mais a ver com São José, Nossa Senhora dos Navegantes, São Benedito, São João, Nossa Senhora de Fátima e vários outros exemplos. A memória do prédio do forte Nossa Senhora da Assunção tem mais apelo histórico com a cidade do que a santa. Parece-me que ela ficou um tanto suprimida nessa escala de devoção católica na cidade.
Deixar aos cuidados de particulares uma imagem que está associada ao surgimento de uma cidade seria a mesma coisa de terem privado a imagem de Nossa Senhora Aparecida nas mãos de alguns poucos e deixado a cidade sem referência imagética, até mesmo deixaria a Cidade de Aparecida órfã de identidade.
Só é curioso o fato da posse por uma família ter se estendido até o presente momento, sem maiores reações institucionais para resolver a situação. É algo que intriga por se tratar de interesses particulares em detrimento de uma população bem mais ampla de Fortaleza.
Penso que essa doação é um ato tardio, mas na verdade não sei ao certo a medida disso no interesse da comunidade fortalezense, até porque ocorrem missas, procissões, novenas e toda uma programação com a santa aqui em Fortaleza no período de suas festas. A imagem que sempre está lá nas procissões não é a original, bem, mas e daí, o mundo da fé católica vai parar?
Por outro lado, a imagem indo para 10ª Região Militar dará uma conotação de ambiente mais aquartelado, mas pode também ter seu apelo turístico, instrumentalizar o forte para uma vocação de maior fluxo de civis. Isso pode dar um ar mais simpático ao local.
Erick Assis Araújo
Historiador e Professor da UECE

FIQUE POR DENTRO
Santa é feita de madeira dourada
Nossa Senhora de Assunção é a denominação dada à Virgem Maria em alusão à sua assunção aos céus. Também conhecida como Nossa Senhora da Glória ou Nossa Senhora da Guia.
A imagem primitiva é de madeira dourada e policromada com coroa de prata, com 67 centímetros de altura e 34 de largura. O estilo é barroco. De origem portuguesa da segunda metade de século XVIII, coincidindo, portanto, com a data de reconstrução do forte Nossa Senhora da Assunção (1765-1781). Tem, portanto, pouco mais de 200 anos.
Lina Moscoso
Repórter
Diário do Nordeste

Nenhum comentário :

Postar um comentário