O que haverá de glorificar a Jesus e a Deus é a manifestação ao mundo de um amor absoluto.
Por Marcel Domergue*
É altamente significativa a união entre o homem e a mulher, pois, além de revelar a incompletude humana, manifesta também que somente no outro se encontra a nossa verdade. Existir, portanto, consiste em relacionar-se. E as núpcias são o ápice da relação, a aliança por excelência. Por este motivo, a Escritura afirma que “Deus criou o homem à sua imagem, homem e mulher os criou” (Gn 1,27). Assim sendo, ao falarmos da Trindade, significamos que, em si mesmo, Deus é Aliança.
Para que o humano seja, de fato, “imagem de Deus”, homem e mulher devem unir-se, muito embora não passe esSa união de uma figura e de uma etapa, pois, para tornar-se participante da natureza divina, humanidade terá de superar o seu estatuto de imagem. Estas núpcias entre Deus e o homem têm sua expressão nas núpcias de Cristo com seu povo. João inicia o seu Evangelho com a bodas de Caná e quase termina o Apocalipse (19,6-9) com as bodas do Cordeiro.
É no quadro das núpcias humanas que Jesus irá produzir o sinal que antecipa as núpcias da humanidade com Deus. A água primordial (cf Gn 1,2) torna-se o vinho do fim, simbolizando o sangue da aliança. O relato de Caná recapitula assim, em apenas 11 versículos, tudo quanto advém à humanidade por meio de Cristo e em Cristo.
Maria
Maria não é nomeada no relato de Caná. João a designa simplesmente como “mãe de Jesus” ou como “mulher”, termo comumente empregado nos Evangelhos para designar um personagem feminino (cf Jo 8,10). Nada nos impede, porém, de ver nela a figura da mulher por excelência. Não é por mera casualidade que a encontramos, em S. João, no princípio - em Caná - e no fim da vida de Jesus, ou seja, ao pé da cruz, quando recebe uma nova maternidade: a do corpo de Cristo ou do povo de Deus, na pessoa do discípulo amado (Jo 19,25-27).
Em Caná foi ela quem deu pela falta de vinho: para alcançar a sua plenitude, a figura bíblica das núpcias humanas terá de ser superada. Sem que o saibam, os noivos esgotaram as suas reservas. E Jesus responde à sua mãe que a sua “hora” - a hora do vinho, a hora do sangue – ainda não chegou. Só chegará na cruz, verdadeiro leito de núpcias, no qual Deus consumará sua união com a humanidade.
É ali que Deus, tendo chegando em Cristo ao limite extremo da condição humana, assumirá inteiramente tudo quanto é nosso. Mas, para isso, é necessário que o ser humano manifeste o seu consentimento, dê o seu “sim” nupcial, a exemplo de Maria na Anunciação – “faça-se em mim segundo a tua palavra” - e na observação que faz aos serventes em Caná: “fazei tudo o que Ele vos disser”.
“Fazei tudo o que Ele vos disser!”
Esta fórmula é uma herança de Gn 41,55. Por meio dela, o ordenara o Faraó aos egípcios que se dirigissem a José. Lá faltava o pão. Aqui, falta o vinho. Como não nos reportarmos à última Ceia, abertura da Paixão na qual Cristo, como insiste João, é “glorificado”? Sua “hora” terá então chegado. É no discurso após a Ceia que ele dirá aos discípulos: “o Filho do homem foi agora glorificado e Deus foi glorificado nele...” (Jo 13,31). O que haverá de glorificar a Jesus e a Deus é a manifestação ao mundo de um amor absoluto, “mais forte do que a morte”, como lemos no final do Cântico dos Cânticos (8,6), poema em que Deus se revela a partir do amor nupcial.
Com Cristo e em Cristo aprendemos que a morte nada pode contra o amor, conforme o explicita a ressurreição. Já o pressentia o Cântico dos Cânticos: “As grandes águas não conseguem apagar o amor e os rios não podem afogá-lo" (8,7). Por conseguinte, é superando o temor que nos tornamos capazes de buscar “fazer tudo o que ele nos disser”.
Em Is 8,7 há uma expressão surpreendente: “Assim, como um jovem desposa uma donzela – o que nos lembra os esposos de Caná - assim teus filhos te desposam”. Incesto? Não! Certeza plena de que estamos destinados a nos unirmos totalmente à fonte da nossa e de toda e qualquer vida!
Croire
*Marcel Domergue é sacerdote jesuíta. O texto é baseado nas leituras da Festa de Nª Sª Aparecida, Padroeira do Brasil (Domingo do Tempo Comum (12 de outubro de 2014). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Nenhum comentário :
Postar um comentário