14/01/2015

Dom Francisco de la Mancha


Como um Quixote reencarnado, o Papa desponta como único líder mundial.




Por Marco Lacerda*

“Cavaleiro sou e cavaleiro hei de morrer. Uns seguem o largo campo da ambição soberba, outros o da adulação servil e baixa, outros o da hipocrisia enganosa, e alguns o da cavalaria andante, por cujo exercício desprezo a fazenda, mas não a honra.


Tenho satisfeito agravos, castigado insolências, vencido gigantes e atropelado vampiros: sou enamorado porque é forçoso que o sejam os cavaleiros andantes, e, sendo-o, não pertenço ao número dos viciosos, mas sim ao dos platônicos e continentes. As minhas intenções sempre as dirijo para bons fins, que são fazer bem a todos e mal a ninguém”.


Essas são palavras de Dom Quixote, o pequeno fidalgo castelhano concebido por Miguel de Cervantes que, aos olhos do tempo em que viveu, seriam manifestações da mais pura loucura mas que, transportadas para os dias de hoje, são de uma lucidez descomunal. Como cavaleiro andante, ele se envolve em aventuras ao mesmo tempo em que se confronta com duras realidades, quase intransponíveis.


Ninguém encarna melhor a versão contemporânea do ‘louco’ de la Mancha do que Francisco Bergoglio, o papa que arrebatou o mundo com sua transparência, generosidade, carisma. Francisco é um autêntico líder político num mundo totalmente desprovido de líderes e vozes confiáveis, que ensina constantemente, que confia nos seus e, portanto, os respeita e coloca-lhes responsabilidades também.


Um papa que diz ‘não se interessem pelas vaidades que sustentam o mundo dos poderosos arrogantes e usurpadores; não se interessem pela aparência do consumismo que nunca satisfaz; a corrupção é abominável; a vida é o bem supremo e direito igualitário de todos’.


Como líder legítimo, ensina a fazer, de forma inspiradora, a transformação de uma vida em sociedade que não se quer mais. Este é o líder que o mundo espera, um mestre para uma sociedade que chegou à beira do abismo em sua busca voraz por líderes.


O novo fundamentalismo islâmico talvez seja a melhor tradução do pântano em que a humanidade chafurda, embora nada tenha de novo ou diferente das histórias de violência a que a história contemporânea nos habituou.


O que é novo é a emergência a posições de comando absoluto de novos personagens que são totalmente livres para anunciar e realizar iniciativas de violência louca, porque não pertencem a nenhuma classe dominante do passado, representam de modo arbitrário valores ambíguos que nada pretendem justificar, mas apenas se auto-proclamar.


Assim nasceu um suposto Islã fundamentalista, um ótimo pretexto para desorientar os crentes dessa fé e uma boa jogada para chamar para a guerra crentes igualmente fingidos de um suposto mundo cristão.


Francisco trocou o trono dourado por uma cadeira de madeira, mais apropriada para o discípulo de um carpinteiro. Aproxima-se dos fieis sem receio, beijando doentes e pobres sem medo ou nojo. Não aceitou a estola vermelha bordada a ouro ou a capa vermelha, utiliza suas vestes mais simples e brancas (símbolo universal da paz). Usa os mesmos sapatos pretos velhos e dispensa o luxuoso carro papal, utilizando um modelo mais simples. Por fim, usa sob a batina as mesmas calças pretas, a lembrar-lhe de que é apenas um sacerdote.


Num cenário mundial em que os Estados Unidos aos poucos retiram do tabuleiro a opção da guerra, resta apenas uma Europa esfacelada como única guardiã e garantidora das regras do jogo. Habitamos um planeta onde a loucura, como um incêndio perigoso, parece vir de todas as partes. A missão é grande, quase impossível. Mas é precisamente neste mundo que Francisco desponta como único líder possível.


*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total. Este artigo foi inspirado por texto do ex-deputado italiano Furio Colombo, publicado no jornal Il Fatto Quotidiano.


http://goo.gl/c1veWL

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