28/01/2015

Novo ciclo

Manfredo Araújo de Oliveira*


manfredo300


Em seu discurso de posse a presidenta da República apresentou-se encarnando um “projeto de nação” que teria o mais profundo e duradouro apoio popular e que triunfou em virtude dos resultados alcançados e porque o povo entendeu que é um projeto coletivo e de longo prazo, um projeto que é do povo brasileiro e para o povo brasileiro. A pergunta primeira a partir desta afirmação solene e de grande importância para a configuração da via coletiva é: em que consistiu este projeto, quais seus traços fundamentais? O que é chave para entender o que foi realizado é que se tratou sobretudo da integração da classe trabalhadora enquanto “integração pelo consumo”.


Trata-se de uma forma determinada de inclusão social. A presidenta enumera os resultados mais importantes: temos hoje a primeira geração no país que não vivenciou a tragédia da fome, 36 milhões foram regatados da extrema pobreza, nunca tantos brasileiros conquistaram tantos empregos com carteira assinada, nunca o salário mínimo e os demais salários se valorizaram tanto, nunca tantos foram donos de suas próprias casas. Cumpriu-se o compromisso de “oferecer a uma população enorme de excluídos os direitos básicos que devem ser assegurados a qualquer cidadão”. O novo estaria na combinação entre o social e o econômico que desmascarou a convicção hegemônica de que seria impossível associar políticas de inclusão social, de distribuição de renda ao crescimento econômico.


Pode-se dizer que em nossa história nunca havíamos visto um processo semelhante. No entanto, o processo mesmo gera nas pessoas novas necessidades até em função da continuidade do processo de integração para as novas gerações. É por esta razão que muitos falam hoje que este ciclo em princípio encerrou-se e que estamos diante do desafio de começarmos um novo ciclo. A própria presidenta afirma que a palavra que mais se ouviu na campanha foi “mudança” e que o tema mais mencionado foi o de “reforma”. Ela mesma nos interpreta o que isto significa: “O povo quer democratizar, cada vez mais, a renda, o conhecimento e o poder. O povo brasileiro quer educação, saúde e segurança de mais qualidade. O povo brasileiro quer ainda mais transparência e mais combate a todos os tipos de crimes, especialmente a corrupção e quer ainda que o braço forte da justiça alcance a todos de forma igualitária” .


Isto significa articular o grande desafio do momento que é uma nova forma de integração, poder-se-ia falar de um novo padrão civilizatório: a integração pelos serviços essenciais garantidos pelo Estado (educação, saúde, segurança etc.). Isto não poderá acontecer sem reformas estruturais fundamentais que todos os países desenvolvidos fizeram ainda no tempo do capitalismo industrial e o Brasil, que já entrou no capitalismo pós-industrial, ainda não realizou. Partindo no nosso caso de uma espécie de pré-reforma, uma radical reforma política, trata-se, sobretudo, da reforma tributária e da reforma agrária. Nossa estrutura agrária é comparável à de 1850 (Lei das Terras) e os mais pobres continuam pagando 50% de sua renda com impostos.


manfredo.oliveira2012@gmail.com


*Padre e filósofo. Professor na Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, Itália, e doutor em Filosofia pela Universidade Ludwig-Maximilian de Munique, Alemanha. Assessor das Pastorais Sociais e padre da Arquidiocese de Fortaleza. É Presidente da ADITAL



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