05/03/2015

A Amazônia é esquecida pela mídia


A Amazônia é esquecida pela mídia


O tal “Brasil que conta” parece mesmo circunscrito só ao tal Triângulo ao qual o Altino Machado se refere.




Por Ricardo Soares*


Hoje eu vou longe. Para a parte de cima do mapa do Brasil esquecida pela mídia “concentrada no Triângulo das Bermudas (RJ, DF e SP) e no embate Garantido x Caprichoso”, como diz o jornalista Altino Machado, o melhor ou, ao menos, o mais ativo dos “correspondentes amazônicos” (que, aliás, são muito poucos) que atuam em nossa mídia .No geral, como ele mesmo diz, “a imprensa segue ignorando a Amazônia brasileira”.


A Amazônia brasileira e sua imensa diversidade biológica, geográfica e humana parece não ser assunto apenas para a nossa mídia. Os gringos vivem falando dela. Sem exagero, é mais fácil saber do que ali se passa se formos para exterior do que se ficarmos sintonizados nas nossas TVs comerciais e públicas, assim como nossas rádios e jornais. O tal “Brasil que conta” parece mesmo circunscrito só ao tal Triângulo ao qual o Altino Machado se refere.


Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e mesmo o Pará só chegam ao noticiário se for por vias superlativas. Tem que ser notícia grande, notícia grossa, de preferência trágica. Grandes embates pela posse de terras, enchentes, mortes de seringueiros e ambientalistas, destruição ininterrupta da floresta ou as idas e vindas da melancólica Marina Silva, ex-musa da floresta, hoje uma triste caricatura política de si mesma.


Só mesmo esse desprezo pela Amazônia para explicar por que ali os escândalos grassam, não são apurados e nem punidos, e chegam ao poder político que são verdadeiras hecatombes administrativas e éticas comprovadas em gestões passadas. Peguemos apenas um pequeno exemplo. A tal Suely Campos, eleita governadora de Roraima pelo PP de Paulo Maluf. Só a legenda já diz muito sobre a senhora. Obscura e dissimuladamente, ela ganhou a eleição e virou notícia porque nomeou a família inteira pra mamar nas tetas do Estado, como se nada tivesse acontecido. Teria acontecido isso se a mídia que ignora a Amazônia tivesse lembrado que essa senhora é esposa de Neudo Campos, ex-governador de Roraima que, segundo levantamento do Supremo Tribunal Federal, é apontado como o político com a ficha mais suja do Brasil?


Ele é réu em seis ações penais e 14 inquéritos criminais apenas no STF, todos por peculato (apropriação indevida de dinheiro público). Responde ainda a sete ações penais no Tribunal Regional Federal por crimes de quadrilha, peculato e improbidade. Foi inclusive afastado do governo em 2002 por seus negócios escusos.


Pois bem, Neudo volta ao poder pelas mãos de Suely. Retirou a imunda candidatura e colocou a da esposa que ganhou. Como se, na eleição de 2010, em Brasília, o nefasto Joaquim Roriz tivesse voltado ao governo pelas mãos de sua esposa Weslian Roriz, derrotada no segundo turno por Agnelo Queiroz. Ou seja, o Brasil é mesmo uma triste piada turbinada pelo pouco holofote que dão às questões amazônicas, que tem problemas tão grandes como a própria dimensão territorial da região. Ter Suely e Neudo no poder em Roraima, com seus 19 parentes, é uma vergonha inominável, mas o estado deles só entra na mídia pelos incêndios florestais e falta d’água .


Um jornal que se diz “nacional” ou  uma mídia que imagine representar todo esse país continental deveria, no mínimo, ter um correspondente em cada região. Mas é Rio, São Paulo e Brasília que dão o tom. Sequer as mídias publicas cobrem a região como deveriam, exceção feita ao notável trabalho da Rádio Nacional do Alto Solimões, cuja equipe enxuta e abnegada tenta com brio cobrir e revelar as mazelas e alegrias da região de Tabatinga ali na Tríplice Fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, às margens do caudaloso e problemático Solimões.


Estamos já avançados no século 21 e eu fui longe hoje só para lembrar que, se formos pensar em mídia como negócio, talvez continuem excluindo a Amazônia Legal brasileira do noticiário. Mas, pergunto: não seria um grande negócio, inclusive daqui para fora, termos uma cobertura isenta e completa do que acontece na Amazônia, uma geradora de notícias tão poderosa quanto o tal “Triângulo das Bermudas” tupiniquim? Uma coisa, eu garanto. Em termos de boas notícias e potencialidades, apesar dos pesares, acho que a Amazônia brasileira está melhor que o tal Triângulo, infectado dos predadores que destróem à distância o mais valioso patrimônio ambiental da humanidade.



*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Foi cronista dos jornais “O Estado de S.Paulo”, “Diário do Grande ABC” e “Jornal da Tarde” e da revista Rolling Stone. Esteve na Amazônia muitas vezes.

 



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