15/08/2015

Assunção de Nossa Senhora


“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” diz Isabel à sua prima Maria.





Por Marcel Domergue*


Referências bíblicas:
Missa da Vigília

1ª leitura: «A arca de Deus foi colocada no meio da tenda que Davi tinha armado» (1 Crônicas 15,3-4.15-16;16,1-2)

Salmo: Sl 131(132) Subi, Senhor, para o lugar de vosso pouso, subi com vossa arca poderosa!

2ª leitura: «Ó morte, onde está a tua vitória? Onde está o teu aguilhão?» (1 Coríntios 15,54-57)

Evangelho: «Feliz o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram»


Missa do Dia

1ª leitura: «Uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés» (Apocalipse 11,19;12,1-3-6,10)

Salmo: 44(45) – R/ À vossa direita se encontra a rainha, com veste esplendente de ouro de Ofir.

2ª leitura: «Em primeiro lugar, Cristo; depois, os que pertencem a Cristo» (1 Coríntios 15,20-27)

Evangelho: «O Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor… Ele elevou os humildes» (Lucas 1,39-56)


Uma mulher de exceção


Jesus não era imortal. Maria tampouco. Por isso as segundas leituras (Missas da Vigília e do Dia) falam da ressurreição, que não é a mesma coisa que a imortalidade. Assim, portanto, da mesma forma que seu filho, Maria também passou pela morte. Mas, então, o que significa a Assunção? Para compreender, é preciso colocar este “mistério” no conjunto das figuras e imagens produzidas pelos cristãos para afirmar a sua fé. Partiu-se de uma experiência universal: todo mundo, homens e mulheres, cada um de nós, somos afrontados com muita frequência pelas “potestades e dominações” de que nos fala São Paulo. Traduzindo: a vontade de dominar, o desejo de possuir tudo o que se pode possuir, mesmo se em detrimento dos outros. Em resumo, tomando-nos por deuses, buscamos receber honra e louvor. E como isto de certa forma nos afeta a todos, Santo Agostinho formulou uma teologia do “pecado original” que hoje está a merecer um debate maior. Este é um mal que atinge todos os homens? Não a Jesus. E este, exatamente, é um dos sentidos da cena das tentações que, nos sinóticos, abre o relato da sua “vida pública”. Nem Maria é atingida, uma vez que não está mentindo quando se declara “serva” (Lucas 1,38 e 48). O evangelho de hoje é para ser lido todo ele sob este prisma. “Servo” é o contrário de senhor, de dominador. E, por aí, Maria se acha excluída de toda vontade de poder “original”. Para os antigos teólogos, não poderia ser de outro modo, pois a sua humanidade é feita do mesmo tecido que a humanidade de Jesus.


Uma exceção redobrada


Alguns leitores irão dizer: “já está prestes a falar da Imaculada Conceição, ao invés da Assunção”. Pois chegamos lá. Mas notemos que ambas estão intimamente ligadas. Se a Imaculada Conceição atém-se de alguma forma ao início da vida de Maria, a Assunção, que caracteriza o seu término, é somente uma consequência dela. Os homens pactuaram com o mal que respiram junto com os ares do tempo, por isso são submetidos ao julgamento. A teologia endureceu e esquematizou um pouco este tema do julgamento nas Escrituras, negligenciando todos os textos que falam em escapar dele: particularmente as palavras de Jesus que dizem ter ele vindo não para julgar o mundo, mas para salvá-lo. Já se falou em “juízo particular”, referente a cada pessoa na hora da sua morte, e em “juízo final”, no fim dos tempos. Tudo isto pertence a uma teologia, dita “dos fins últimos”, que mereceria reflexões mais aprofundadas. Neste contexto, é preciso dizer que, não tendo pactuado com o pecado do mundo, Maria não é passível de julgamento. Com a Assunção, está fora da lógica destes “fins últimos”. E nos é apresentada como sendo assumida diretamente por Deus, pois soube assumir o Filho, fazendo-se permeável à Palavra. O que reter de tudo isto? Compreendamos primeiro que todas as crenças cristãs, expressas e solidificadas pelos dogmas, querem dizer alguma coisa, inclusive as teologias do juízo. Maria já ressuscitou, na ressurreição do seu filho.


Maria e nós


Maria foi de fato cabalmente julgada, no sentido bíblico de pôr-se à prova, de ser “testada”, no julgamento que se realiza, para ela como para nós, ao longo dos acontecimentos da existência. E que, de certo modo, está fora do tempo, do outro lado da fronteira que separa o nosso tempo da eternidade. Nos caminhos que percorremos, e que podem se figurar por uma linha horizontal, temos de fazer escolhas. E, a cada vez, as nossas decisões têm como que um eco na verticalidade que nos ultrapassa e que chamamos de eternidade. Para Maria, houve um primeiro julgamento logo no começo, em sua escolha inicial. Na Anunciação, coube primeiro a ela julgar se a Palavra que lhe foi dirigida era acreditável ou não. Ao decidir pelo “acreditável”, manifestou-se crente e, por aí, encontrou-se julgada, revelando-se aberta a esta Palavra fecundante. No outro extremo da sua vida e dos evangelhos, temos o juízo-prova final: a mãe está ao pé da cruz do filho. Ela não desertou. Em Lucas 2,34-35, Simeão bem lhe havia dito que a espada dos dois gumes da Palavra traspassaria a sua alma e que se revelariam os seus pensamentos mais íntimos (Hebreus 4,12-13). Estando junto a Jesus crucificado, estava com ele já também na Vida. Maria projeta diante de nós o percurso do nosso próprio itinerário. A Assunção é tudo isto. Conservemos a imagem de Maria arrebatada ao céu pelos anjos, mas sabendo que isto é apenas uma imagem: cabe a nós descobrir todos os seus significados.



Instituto Humanitas Unisinos

*Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês.


Assunção de Nossa Senhora

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