12/08/2015

Igreja de pecadores




O Papa Francisco declarou uma coisa que pode incentivar a discussão entre os teólogos e os doutores de Direito Canônico: que os cristãos divorciados recasados não são excomungados, mas pertencem à Igreja. Não disse que podem, sem mais, “receber a hóstia”, nem que não são pecadores, que não fizeram nada errado. Mas disse que fazem parte da Igreja. Mesmo se eventualmente forem pecadores… pois isto é o caso de todos nós. Ser pecador na Igreja não é privilégio dos divorciados recasados. Desde sempre a missa começa com um ato penitencial, e antigamente o padre rezava primeiro o ato penitencial especialmente para si, antes que o repetissem os (outros) fiéis. Também nisso o padre precede os outros fieis. Há uma oração eucarística que reza que a Igreja á “santa e pecadora” – o que alguns logo corrigem dizendo “santa e de pecadores”, para não desacreditar a santidade como marca da Igreja como tal. Mas o importante é incluir os pecadores, para não nos excluir a nós mesmos.

Pecar não é só divorciar e recasar. O pecado é democrático, é para todos. Quando o papa João Paulo II, muitos anos atrás, falou do “pecado social”, jornais considerados sérios, como o Estadão, se não me engano, comentaram que o papa inventou novo pecado. Ora, o pecado social não é nada novo. Existe desde sempre, e hoje é mais atual que nunca. Até o pecado do paraíso foi um pecado social, apropriação de um bem alheio, a fruta que Deus tinha reservado para si. Aliás, é sempre a maçã no pomar do outro que a gente mais cobiça. “Fazer um empréstimo no nosso banco, depois teus olhos vão se abrir: vais ficar pagando para nós até a eternidade…” Conversa de serpente.


Por que nossa gente identifica o pecado exclusivamente com o sexto e o nono mandamento (ou o sétimo e o décimo, na contagem judaica e protestante)? Será para se ver livre quanto aos outros mandamentos? E se tem algo que não é segundo as regras em matéria de casamento, fazem aquele problema! Os príncipes católicos e ricos conseguem facilmente declaração de nulidade de seu primeiro casamento. Melhor seria terem casado direitinho! Na realidade, pelas mesmas razões (falta de pleno conhecimento, intenção séria e liberdade – havia gravidez no meio etc.) muitos casamentos dos nossos pobres também mereceriam declaração de nulidade, mas, por mil causas, eles não procuram o tribunal eclesiástico, mesmo se for de graça. E os peritos do tribunal não vão atrás, pois já tem serviço demais.


O pecado não está tanto atrás, num casamento errado, mas à nossa frente, sempre. O pecado do passado, Deus o perdoa, com certeza, se nos dirigimos a ele como filhos e filhas confiantes. Lembra-se a mulher adúltera. Mais importa o que está na nossa frente, uma nova maneira de viver: “Eu não te condeno. Vai, de agora em diante não peques mais”  (João 8,11).

Diante de Deus, o pecado não é a última palavra. Deus é tão justo e poderoso que ele pode até perdoar. Nisso consiste sua “justiça ajustadora” (não assustadora). Lutero, que se considerava um grande pecador, gostava de rezar “Pela tua justiça, salva-me” (Salmo 31,2).


O mal de nosso tempo é a recusa de se aceitar a si mesmo como imperfeito. Horst Richter, psicólogo agnóstico sinal, chamou isso de “complexo de (ser) Deus”. Neste contexto, a frase agostiniana de Lutero, “Podes pecar muito, acredita com mais fé ainda”, torna-se inspiradora. Se tem uma situação errada, um casamento desfeito, um prejuízo financeiro causado a outro, uma maledicência que não mais conseguimos reparar – coisas graves – Deus diz: “Podes lançar na minha conta, mas cuida para frente”. A consciência plenamente assumida de ter feito algo errado é a melhor base para a generosa conversão. “Feliz  culpa” disse Agostinho a respeito do pecado de Adão, que é o de todos nós.


Na Igreja há lugar para pecadores. Senão, não precisava do sacramento da reconciliação, a confissão. Podemos sentir-nos à vontade na Igreja.



Johan KoningsJohan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara.



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