18/11/2015

Dom Delgado: CONVERSAS AVULSAS

Dom José Delgado*



RECIFE – agôsto – HOJE minha alma volta-se para uma noite distante. Há 9 anos atrás um meu irmão tombava dentro de sua casa, quando sòzinho na sala lia despreocupado, atingido por 3 disparos traiçoeiros de um subalterno, que o seu auxiliar de chefia da guarda do pôrto de Recife suspendera por uma semana em razão de faltas reiteradas e de punição estabelecida em regulamento ordinário. O infeliz e inveterado criminoso, pôsto na guarda por proteção de político que sabia não contar com a ajuda do meu irmão, cidadão sem partido no cumprimento do dever, utilizou a suspensão para descarregar o seu ódio ou o ódio do seu patrão, contra o superior hierárquico e deixou um lar de 9 filhos sem o seu denodado cabeça. Eu me encontrava em visita pastoral no interior do Maranhão, onde não havia nem corrêio, nem rádio, nem estradas fáceis. Vim a saber do triste ocorrido 15 dias depois.


O homicida teve proteção grossa e sòmente 5 anos depois veio a ser preso. Sentenciado a pouco mais de 18 anos já se encontrada livre condicionalmente e a dôr dos que perderam um irmão, um pai e um esposo continua aberta. Rezei missa pelo meu infortunado irmão, pedindo a Deus que abrande o coração dos políticos brasileiros que não vêem senão o interêsse egoísta e favorecem o crime e o criminoso contra os que mais clamam por justiça em nossa terra.


– II –


HOJE como ontem e amanhã, meu dever é pregar a paciência e a confiança em meio a tôdas as contradições que os próprios amigos nos impõem a cada instante. Foi considerando tal dever à luz do Evangelho, que jamais me amofinei diante de obstáculo algum. Ainda agora vi um meu sacerdote, que se encontrava no Rio e atendeu solícito e humilde ao meu chamado para o apostolado em sua própria terra, regressar acabrunhado ao Rio sem fruto imediato e agradável correspondente ao esfôrço que empregou espiritual e materialmente para responder ao chamado do seu bispo.


Um magnífico fruto divino de paciência e de amor ao próximo nas contradições, aquele querido padre colherá comigo sem a menor dúvida. Manifesto-lhe de público a minha solidariedade e com êle espero cousas melhores amanhã. Quem com Deus anda, sempre canta vitória. Não há derrota nos caminhos de Deus para o humilde. O que para outros significa triunfo, aos nossos olhos não passa de humilhante derrota. O cristão vive também de esperança. Nem se diga que tais atitudes assemelham-se a covardia, parecem transigência com a maldade dos homens, tomam o lugar da legítima cólera e deveriam ser substituídas pelo uso violento do látego de que o próprio Cristo se armou no templo.


Não e não. A esperança é maior do que tudo isto. Que o meu amado irmão no sacerdócio saiba cultivá-la e praticará a sabedoria.


– III –


Dizê-lo e ensiná-lo é fácil. Ninguém o contestará. Quanto mais difícil fôr a prática em cada caso singular maior a alegria que nos oferecerá. Pelos anos de 1934 mais ou menos eu era vigário de Campina e tinha 4 ou 5 anos de sacerdote. Houve entre meu irmão, menino de ginásio, uma pequena trica com outro menino. O pai daquele, instigado pela senhora, procurou castigar meu irmão à mão armada em plena rua da cidade. Meu irmão reagiu, havia infelizmente conseguido, não sei lá como, uma velha pistola mauser e, embora sem dispará-la, parece que a arma na verdade não valia mais nada e por isto o valeu de fato, livrando-se, pelo que de nada o livrara materialmente, de cometer um crime, livrando-se dos disparos do pai insensato pela agilidade com que se escondeu por trás de um automóvel de praça.


Não preciso dizer que o cidadão, homem de vastos recursos e posição política não foi preso. Teve que gastar muito. O juiz da Cidade era um juiz e puniu, com êle, também meu irmão, dando uma lição a todos contra a violência.


Já naquela época eu era adepto das medidas pacíficas. Dias adiante estava sòzinho na Cidade. Havia um batizado. O padrinho era justamente o pai que dias atrás atirara no meu irmão. Procurou o sacristão para o batizado e quando o sacristão informou que no momento não existia na Cidade outro sacerdote para atender ao batizado fóra eu, êle quis recuar. O sacristão que me conhecida disse-lhe simplesmente que eu faria o batizado, não havia a menor dúvida. O homem entre tímido e respeitoso pediu-lhe que anotasse os nomes e dirigiu-se para a pia batismal. Fiz o batizado e a fama do encontro, diziam à boca pequena, da onça com o cordeiro, correu rua. Foi um dos meus melhores sermões em 10 anos de guia espiritual do amado povo campinense.


Se a prática da mansidão é custosa nada há mais doce na vida. A personalidade humana não se aprimora sem atitudes tão valentes. Muito vende quem se vence, prega o rifão popular.


– IV –


UMA VEZ que hoje está sendo o dia das recordações deixem-me continuá-las. Minha vida em Fortaleza é ainda pobre demais. Não tenho história em meio ao bom povo cearense. Não completei 2 anos de posse à frente dos seus destinos espirituais e sucdi a 4 grandes arcebispos e bispos que governaram 100 anos a amada gente sob minhas vistas atualmente. Não tenho o que dizer de mim, no exercício do cargo. Campina Grande teve-me consigo mais de 10 anos. Caicó 10 anos e 6 meses. São Luís do Maranhão 11 anos e 7 meses. O Ceará talvez não chegue a me conhecer, pois, no dia 28 de julho próximo passado completei meus 60 janeiros. É provável que meu apostolado em Fortaleza, por fôrça da compulsória que me imporei, não vá além de 1970. Assim sendo, sou obrigado a pedir que não desprezem as lembranças do meu passado.


Amo-o e vivo dêle com imenso carinho. Não fôra digno da mãe que Deus me deu e desapareceu nas vésperas de minha ascenção ao episcopado; não traria na alma as marcas que meu pai deixou em meu coração, desaparecido, 25 anos atrás; não seria digno de quantos nos meus 36 anos de sacerdócio enceram-me de notas humanas e divinas a vida inteira e compacta; a vida que só é vida se possui continuidade; negaria a influência humana que meus Irmãos vivos e mortos, ao todo 16, juntamente com os meus 57 sobrinhos, sem contar os filhos destes, exerecem sôbre mim, se esquecesse o passado. Quem quiser ser menos limitado terá que fazer o mesmo. Está no plano de Deus sôbre nós a vida inserida na família e continuada com a humanidade. O homem é menos homem se vive somente para si. É preciso não perder a memória do que foi e apelar ao mesmo tempo para o que há de vir.


O NORDESTE


Domingo, 5 de setembro de 1965


*Nascido em Pombal, aos 28 de julho de 1905.


Ordenado Sacerdote, aos 02 de junho de 1929.


Vigário de Campina Grande, foi eleito Bispo de Caicó, aos 15 de março de 1941 e Sagrado aos 29 de junho de 1941.


A posse na Diocese de Caicó foi aos 26 de Julho de 1941, na Festa de Sant`Ana.


Governou a Diocese de Caicó de 1941 a 1951, 10 anos de pastoreio.


Foi promovido a Arcebispo e transferido para São Luís-MA em 04 de setembro de 1951, posteriormente transferido para Fortaleza em 10 de maio de 1963.


Renunciou ao governo da Arquidiocese de Fortaleza em 26 de março de 1973.


Faleceu aos 09 de março de 1988, no Recife, onde residia, como Arcebispo Emérito de Fortaleza.


Está sepultado na Igreja de São José, em Caicó, antiga Capela do Seminário Diocesano santo Cura d`Ars, por ele construída.



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