Sínodo: indissolubilidade rima com pobreza
Por Andrea Grillo*
No debate que atravessou o Sínodo recém-concluído, muitas vezes se fez referência ao texto central do capítulo 19 do Evangelho de Mateus. Mas, muito frequentemente, para não dizer quase sempre, a referência ao texto evangélico ocorreu mediante a prática, secular, do isolamento de alguns versículos do seu contexto.
Enquanto, por sugestão da experiência do bom exegeta, nunca se deveria perder a consciência de que o sentido de um texto sempre ocorre no contexto de um livro e, acima de tudo, de um capítulo. Ora, se observamos mesmo que sumariamente o capítulo de Mateus 19, podem ser encontrados, em fila, estes quatro temas:
– Matrimônio para sempre (1-9);
– Ser esposos e/ou eunucos (10-12);
– As crianças e Jesus (13-14);
– Obediência à lei e renúncia aos bens (15-30).
Lido na sua integralidade, o texto de Mateus faz uma série de conexões e referências bastante surpreendentes. Omito aqui toda a questão da relação entre condição matrimonial e condição do eunuco para o reino dos céus. Detenho-me, em vez disso, na referência explícita entre “vínculo para sempre” e “renúncia aos bens terrenos”.
Matrimônio e patrimônio são ligados por uma tensão que deve ser reconhecida e “mediada”. Indissolubilidade e pobreza são para o “fim dos tempos”, mas a família vive “no tempo”. Entre “matrimônio” e “família”, poderíamos dizer, a diferença é o tempo e o patrimônio.
Aqui me parece haver uma singular concordância entre o Evangelho e a insistência com que o Papa Francisco põe em evidência a “pobreza” como condição histórica da “família”. Esta aparece não mais como uma singular insistência do papa latino-americano, mas como uma exigência original do Evangelho. Isso também demonstra um vínculo mais profundo do que se possa acreditar entre o tema da encíclica Laudato si’ e o tema do Sínodo sobre a família.
Parece ser de um porte bem diferente, ao contrário, outra singular coincidência: não é difícil notar que todos os defensores mais veementes da indissolubilidade como “valor objetivo” – como arcebispos e cardeais – têm, todos, apartamentos e bens “de valor objetivo”. Esse “contratestemunho” – ao qual não se prestaria atenção se lêssemos o Evangelho “em compartimentos estanques” e se não houvesse um papa latino-americano – nos é indicado, acima de tudo, por uma leitura integral e contextual do texto de Mateus. A partir dessa releitura, permito-me tirar algumas consequências não irrelevantes:
– Indissolubilidade e pobreza são coerentes como “anúncio e antecipação do Reino”;
– Não podem ser tratadas de modo oposto: a primeira não pode se tornar imediatamente “lei universal erga omnes”, e a segunda não pode ser reduzida a “conselho evangélico para poucos”;
– Ambas “palavras” precisam de precisas mediações históricas, sobre as quais a Igreja tem uma responsabilidade direta;
– O espaço dessa mediação eclesial, ao mesmo tempo, pode “chamar à conversão os cardeais com coberturas de faraó” e “readmitir à comunhão sacramental os cristãos em nova união”;
– Estas são duas coisas que ainda são “inconcebíveis” em uma Igreja acostumada a separar o que deve ser mantido unidos;
– Indissolúvel é o vínculo entre “comunhão esponsal em Cristo” e “renúncia à garantia dos bens terrenos”;
– É justamente a fidelidade ao Evangelho integral que é promovida justamente pelos episódios sofridos das últimas semanas, tanto no plano dos matrimônios, quanto no dos patrimônios;
– Em todo esse caso complexo, não é o Evangelho que muda, mas somos nós que começamos a compreendê-lo melhor.
Sínodo: indissolubilidade rima com pobreza
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