Entrevista com o superior do mosteiro da Basílica da Natividade em Belém.
Por Renzo Allegri
BELÉM, sábado, 24 de dezembro de 2011 (ZENIT.org) – Em Belém o Natal tem o peso da história. É recordado onte realmente aconteceu. A terra, a paisagem, os lugares são os de 2000 anos atrás. As pessoas que celebram o Natal em Belém podem dizer para si mesmas: “Aqui nasceu Jesus”, experimentando, ao pronunciar aquela pequena palavra, “aqui”, uma grande comoção.
O Natal de Belém é um evento que faz manchetes. Dele falam os jornais e a televisão. A Missa de meia-noite celebrada no local onde Jesus nasceu, é transmitida a todo o mundo. Mas a informação que corre através da mídia é fria, sintética, desbotada. No emaranhado das notícias, torna-se um das muitas e perde o enorme significado que deveria ter.
Para saber realmente como se desenvolve e se "vive" o Natal no lugar onde Jesus nasceu, conversamos com uma pessoa que mora em Belém, um religioso franciscano francês, padre Stephane Milovitch, 45 anos, há 20 comprometidos em realizar o seu apostolado naquela terra que sete séculos foi confiada aos cuidados espirituais dos Frades de São Francisco, indicada com o nome de “Terra Santa”.
“Cheguei aqui no ano de 1992”, diz o padre Stephane “e, exceto por um período de quatro anos passados em Roma para estudar, eu sempre estive aqui. Por isso, posso dizer que "vivi" quinze Natais em Belém”.
Mestrado em teologia, poliglota, pessoa afável e grande organizador, Padre Stephane foi por seis anos secretário da Custódia da Terra Santa e desde 2010 é superior da comunidade religiosa franciscana de Belém que tem a sua sede no convento da Basílica da Natividade.
Esta basílica, de aspecto imponente e severo, é o principal objetivo de peregrinos e turistas de todo o mundo. A sua origem remonta ao 326. Foi a rainha Helena,mãe do Imperador Constantino, que a mandou construir, no mesmo local onde, segundo a tradição, aconteceu o nascimento de Jesus. Ao longo dos séculos, a Basílica tem sofrido dificuldades, destruições, reconstruções várias, mas ainda está ali para testemunhar o grande acontecimento.
A partir do seu interior, duas escadas levam a uma cripta, onde se encontra a "Gruta da Natividade", que foi a gruta-estábulo onde, como está escrito no Evangelho, Maria e José se refugiaram porque "não havia lugar para eles na hospedaria”. E enquanto estavam ali, se cumpriram os dias para Maria, o dia do parto, “e deu à luz seu filho primogênito, e envolveu-o em panos e o deitou numa manjedoura."
Na gruta há três lugares distintos de oração: o local do parto, indicado por uma estrela de prata de 14 pontas; alguns metros adiante, o presépio, ou seja, a manjedoura onde Maria colocou Jesus; e, diante, o altar dos Magos, o lugar onde pararam alguns personagens famosos, estudiosos de astrologia, que vieram do distante Oriente para adorar o Rei-criança cujo nascimento foi anunciado a eles por sinais celestes.
“É necessário esclarecer”, disse o padre Stephane “ que em Belém todos os dias é Natal. Os peregrinos, sejam os que chegam em fevereiro, julho ou agosto, veem aqui para celebrar o Natal. E nós sacerdotes, acolhendo-os, cada dia vivemos com eles o Natal. Na Basílica e na gruta, celebramos a liturgia do Natal, onde se diz "Hoje Jesus nasceu." Mas isso não tira, porém, que 25 de dezembro seja um dia completamente diferente também para nós. As emoções, os sentimentos, a alegria, naquele dia, aqui, onde há muitos anos atrás aconteceu o evento, é indescritível”.
Como se desenvolve o grande dia?
“É caracterizado pela oração. Uma imensa e contínua oração coral. A partir da tarde do 24 de dezembro até a tarde do dia 25, Belém se torna uma grande igreja onde a oração, especialmente aquela litúrgica e eucarística, é contínua. Chegam peregrinos de todo o mundo. Não só católicos, mas também de outros ritos e de outras religiões. Os sacerdotes, os bispos e todos os frades presentes na "Terra Santa" se transferem para Belém. Vem o Patriarca de Jerusalém, que é a mais alta autoridade católica na Terra Santa, e preside as cerimônias religiosas. Aí vêm as autoridades civis: o prefeito de Belém que, por lei, deve ser um cristão; o presidente da Palestina, Abu Mazen, com os seus ministros, que são muçulmanos; chegam os cônsules católicos presentes na Palestina, também o cônsul da Itália, França, Bélgica e Espanha, e chegam outros políticos, diplomatas de outros países do Oriente Médio, da Europa e de outros continentes. Belém se torna um grande centro ecumênico, preenchido por uma incrível atmosfera mística. Tudo acontece com o sinal da serenidade, da cordialidade como se o mundo se tornasse de repente uma grande família unida”.
Quando começam as cerimônias solenes?
“No início da tarde do 24 de dezembro, com a chegada do Patriarca. Uma chegada que se realiza segundo um cerimonail muito antigo”.
“O Patriarca parte da sua sede de Jerusalém acompanhado por uma procissão de carros. A polícia hebraica colabora, fecha as estradas laterais, assegura que os semáforos estejam no verde. Ao longo do caminho muitas pessoas aparecem na estrada para aplaudir calorosamente.
“A procissão de carros pára no mosteiro de Santo Elias, que está na entrada da cidade de Belém, onde o Patriarca é recebido pelas autoridades civis e religiosas da cidade. Como é sabido, Belém está cercada pelo "muro de separação" entre Israel e a Cisjordânia. A procissão do patriarca deve passar por uma porta que é aberta somente em raras ocasiões para as autoridades de grande peso. De acordo com uma antiga tradição, que remonta ao Império Otomano, o Patriarca, nesta sua viagem é também acompanhado por cinco cavalos. E, por motivos políticos, antes de atravessar o muro, os cavalos israelenses são substituídos por cavalos palestinenses.
“Tendo entrado em Belém, a procissão pára diante do túmulo de Raquel, onde o Patriarca recebe a saudação dos párocos da cidade. Em seguida, a procissão passa através da cidade habitada e chega à Basílica. Eu, como superior da comunidade, espero o Patriarca diante da porta da Humildade, dou-lhe as boas vindas e o acompanho à Igreja, onde preside a primeira função religiosa, o canto solene das Vésperas. No final, sempre em procissão, é acompanhado ao seu quarto para um breve descanso.
“Às 16hs tem-se a procissão que nós frades da comunidade fazemos todos os dias à gruta e nesta ocasião toma um aspecto de solenidade porque à ela participa também o Patriarca. Descemos à gruta, cantamos os hinos e recitamos as orações tradicionais. Neste caso sou eu que celebro e o patriarca assiste.
Terminada a função, o patriarca se retira mas nós continuamos a preparar”
O quê?
“A Igreja, em primeiro lugar. Para a missa da meia-noite há pedidos de todo o mundo. Nem mesmo a Basílica de São Pedro poderia satisfazer todas as petições. Então, somos forçados a remover os bancos. A nossa Basílica pode acomodar 500 pessoas sentadas. Ao remover os bancos, podemos dar espaço para 2000 pessoas. Claro que, para regular a presença de tanta gente somos forçados a distribuir bilhetes, que são totalmente gratuitos. São dados aos peregrinos vindos de todos os lados, enquanto que se exclui os habitantes de Belém.
“Depois praparamos a ceia da noite de Natal. A preparamos na "Casa Nova", uma estrutura que usamos para acomodar os peregrinos. A ceia frugal, franciscana, com a presença de todos os frades presentes na Terra Santa, que naquela ocasião vão todos para Belém. É uma ceia que faz parte do cerimonial e com os frades cenam as autoridades de Belém, o Patriarca, os bispos, o presidente Abu Mazen com os seus ministros, os cônsules. É uma ceia em sinal da fraternidade, da amizade e da paz.
“A cerca das 21hs nós abrimos a porta de entrada da Basílica e começamos a deixar entrar os peregrinos que tem o bilhete. Por razões de segurança, a entrada é muito lenta. Cada pessoa deve passar por um detector de metais de segurança”.
E se chega à Missa da Meia-Noite
“Às 23h e 30min começa a cerimônia principal, aquela que está intimamente relacionada ao nascimento de Jesus. É naturalmente presedida pelo patriarca e concelebrada por bispos e sacerdotes, no geral 150. Começa-se com o canto das laudes, segundo o cerimonial. Cinco minutos antes da meia-noite, chega o presidente Abu Mazen com a sua comitiva. É recebido pelo Patriarca que o cumprimenta brevemente. No curso da meia-noite, os sinos da Basílica começam a tocar, o coral entoa o "glória". Um sacristão tira o pano que envolve a parte inferior do altar, feita um berço, e na qual foi colocada a estátua do menino Jesus. É o momento mais emocionante. Lembra o nascimento do Salvador. O canto de glória, realizado naquele lugar, tem um significado especial, porque lembra o que os anjos ouviram dos pastores. Como relatado no Evangelho, "uma multidão dos exércitos celestiais, louvava a Deus e dizia: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra entre aqueles a quem Deus ama".
“O patriarca homenageia ao Menino Jesus com incenso e depois começa a Missa, que acontece regularmente celebrada em latim, com leituras que são lidas em oito idiomas.
“Abu Mazen e seus seguidores são de religião muçulmana. De acordo com uma antiga tradição, os muçulmanos podem estar presentes na Missa, mas não no momento da comunhão. Então, após a recitação do Agnus Dei, o patriarca cumprimenta o presidente Abu Mazen, que se retira com todo o seu séquito. A missa continua com grande quantidade de pessoas que recebem a Sagrada Comunhão, enquanto o coro canta canções tradicionais do Natal.
“No final do rito eucarístico, há a cerimônia de transferência da estátua do Menino à cuna do altar no presépio. Nâo se trata de um presépio construído para a ocasião, como acontece em todas as igrejas do mundo. Aqui nós temos o verdadeiro, permanente, localizado no local onde Jesus foi colocado na manjedoura por Maria, como lemos no evangelho.
“O patriarca pega a criança e em procissão chega à gruta da natividade. A procissão é limitada aos concelebrantes e algumas outras pessoas porque na gruta o espaço é limitado. Aqui acontece uma cerimônia muito comovente. Uma espécie de sagrada representação, explicada por antigos cantos gregorianos com textos em latim que são do IV-V séculos.
A primeira etapa é o lugar onde se encontra a estrela de prata de 14 pontas que, segundo a tradição está no lugar do nascimento de Jesus. O cantor declama os passos dos Evangelhos que contam a história, mas também acrescenta os detalhes que o atualizam. Diz, por exemplo, que chegado o tempo a Virgem Maria deu à luz seu filho. E ao texto histórico acrescenta "hic" "aqui" porque ali, naquele exato lugar aconteceu o nascimento. Depois diz que Nossa Senhora envolveu o bebê em panos, e o patriarca, com gestos, como uma mãe amorosa, envolve a estátua de Jesus com panos brancos. O cantor continua dizendo que o bebê será colocado numa manjedoura porque não havia lugar para eles na hospedaria e também a esta frase acrescenta "hic" "aqui", pois a manjedoura, que está ali diante dos olhos dos presentes, na qual o patriarca coloca agora a estátua, é justo aquela onde a Virgem Maria colocou o menino Jesus. Os detalhes do canto e os gestos do patriarca recordam o evento mais importante ocorrido na face da terra e as emoções nos corações dos presentes são indescritíveis.
“Acabada a cerimônia, o patriarca volta à basílica, cumprimenta as autoridades e os fiéis e volta para o seu quarto para descansar.
“Geralmente, naquela hora já são as três da manhã. Mas, como eu disse, o Natal em Belém é caracterizada por uma oração contínua. Na gruta iniciam as Missas, que acontecerão uma após a outra durante todo o dia 25 de dezembro. Outras missas serão celebradas continuamente em outras igrejas em Belém. Onde não se reza, se canta a céu aberto. Vários coros locais, ou de turistas, realizam canções de Natal acompanhados por grupos de pessoas vindos de fora. Estas músicas, que no silêncio da noite sobem ao céu de várias partes da cidade, e que são cantos de coros, melódicos, pungentes, criam uma atmosfera de encanto e serenidade>>.
Tradução do original italiano por Thácio Siqueira
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