23/12/2011

Artesão da paz

Uma canção, por ocasião do centenário de nascimento de Dom Helder Câmara (1909-2009), fala assim sobre o querido artesão da paz: “O dom da paz, tu és muito mais, és um dom do céu!”. Que bela e maravilhosa afirmação! Ele foi uma obra preciosa, criada por Deus e marcada com o selo de sua graça, presente no coração do povo, com a missão de transformar vidas, consciências e de semear a bondade. 1
Aquele que não se encanta com o Reino, proposta do Salvador da humanidade, nunca irá descobrir as razões de viver e sonhar. Dom Helder nos ensina: “feliz quem tem mil razões para viver”; “Quando as dificuldades são absurdas, os desafios se tornam apaixonantes”; “Quem me dera ser leal, discreto e silencioso como a minha sombra”. Não há como não compreender na força dessa figura humana, Dom Helder Câmara, o artesão da paz, verdadeiramente uma mina de ouro que precisa ser sempre e cada vez mais explorada e com muito amor e carinho. 2
Nascido em Fortaleza, Ceará, em 1909, ordenado sacerdote aos 22 anos, em 1931, o Pe. Helder Câmara exerceu os cinco primeiros anos de sua vida sacerdotal sob a orientação direta de Dom Manuel da Silva Gomes, então arcebispo, na capital cearense, dedicando-se à causa da educação católica; dos círculos operários, com atuação especial junto aos jovens e domésticas, em uma cidade, que ensaiava os primeiros passos no caminho da industrialização; destacando-se também por uma presença combativa nos meios de comunicação social. 3
Daquele corpo franzino, que se agigantava na pregação da fé e da justiça, daquela voz penetrante e inconfundível, que se transmutava em possantes amplificadores na defesa da vida fraterna e da paz, ficou o exemplo de dignidade pessoal, a lição de que há de ser perseverante na dura batalha pelo ideal em que se acredita e a certeza de que, mesmo na aridez do deserto, há espaço para semear e colher. Especialmente porque ele mesmo se encarregou de nos lembrar que, se "há quem tenha entranhas de posse", também "há quem tenha essência de dádiva", tornando-se um símbolo da utopia por um mundo fraterno, por um mundo de Irmãos. 4
Em 1964, ao chegar à Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Helder dizia: “A música é divina! E se a música ajudasse?” Então foi ao encontro do compositor suíço, Pierre Koelin, com uma vontade enorme, buscando criar um mundo mais justo, mais fraterno e mais humano. Assim nasceu a belíssima “Sinfonia dos Dois Mundos”. O movimento de Evangelização “Encontro de Irmãos” foi a menina dos olhos do grande pastor dos empobrecidos, porque aí  ele via os “irmãos evangelizando os irmãos”. E a “Operação Esperança”? Ela nasceu num momento de desespero, como uma urgente necessidade de criar sinais de vida e de esperança no meio da população marcada pelo sofrimento e pela desesperança. Dom Helder, pequeno na estatura, mas grande nos sonhos, nos ideais e na santidade, colocou sua vida nas mãos do Pai, com a firme convicção e com a inabalável certeza de que a pessoa humana é que existe de mais e sagrado da face da terra, porque ela é imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26). 5
O Bispo da não-violência, da ternura e da solidariedade, denunciou em Paris, em 1970, num profético e contundente discurso, às práticas de torturas dos presos políticos em nosso Brasil. Dom Helder, homem de Deus, foi um grandes místicos dos nossos tempos, que, com sua palavra, sensibilizava e entusiasmava as multidões de todos os credos, de todas as raças, culturas e ideologias. Dizia que Deus “era e só podia ser amor”, esforçando-se para viver o que anunciava, fazendo-se nosso irmão e acreditando na possibilidade da conversão de todos.
Dom Helder trabalhou incansavelmente pela unidade da Igreja e foi considerado um “santo rebelde”. O sonho carregado ao longo da vida e acalentado no seu coração foi o de colocar a criatura humana em um lugar de destaque, também num lugar bem elevado. Marcou profundamente uma época e nos deixou um grande legado e lição. A lição de que o deserto da nossa vida tem que ser fertilizado pela Palavra de Deus e que a vida está acima de tudo, de ela é mais forte do que a morte. 6
Quando no Brasil, em 1964, todos procuravam navegar nas águas e nas tempestades do regime militar, foi aí que entrou Dom Helder Câmara, o grande irmão e amigo, ensinando-nos a navegar nas águas da vida, da esperança e da liberdade – É o deserto que se torna santo, abençoado e sagrado! E essa é a imagem do homem de Deus, do dom da paz, tu és muito mais, um dom do céu! Guardemos a imagem do homem de Deus e patrimônio da humanidade, que jamais morrerá, conforme seu desejo: “A imagem que gostaria que ficasse de mim é a imagem de um irmão”. 7
Mensagens do Profeta que viveu bem nessa "cidade", que não é permanente, mas com um grande desejo que todos compreendessem o sentido da vida neste mundo, voltando-se, é claro e evidente, pra outra vida, que a transcende, que vai muito além desta. Mensagens do "irmão dos pobres" que encarnou o Concílio Vaticano II, quando diz: "Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração" (cf. GS, 200).
Dom Helder foi um articular, na melhor expressão da palavra, um conspirador, pensando no bem, com suas iniciativas, compartilhadas por muita gente da Igreja, desejando fazer com que a Igreja-Instituição se comprometesse e se engajasse na causa dos empobrecidos, identificando-se com seu Fundador e Mestre, Nosso Senhor Jesus Cristo. Pensava e deseja ele uma Igreja pobre e mais servidora. 8
Nós moramos numa cidade e por vontade do Criador e Pai, a exemplo do Apóstolo dos gentios, de Dom Helder Câmara, de Charles de Foucauld, Francisco de Assis e de outros homens de Deus, sonhamos com a cidade do céu, a Jerusalém do Alto. Santo Agostinho, na sua obra, "A cidade de Deus", nos afirma: "dois amores fundaram duas cidades, a saber: O amor próprio, levado ao desprezo a Deus, a terrena, e o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial". 9
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1 Saraiva, GEOVANE (padre). Nascido para as coisas maiores. Fortaleza. Celigráfica, 2009, pág. 53.
2  Ibidem. Pag. 63.
3 Caramuru Barros, RAIMUNDO; Oliveira, LAURO (orgs.). Dom Helder: O artesão da Paz. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2ª Edição, 2009, pág. 17.
4 Ibidem. Pág. 19.
5 Saraiva, GEOVANE. (padre). Nascido para as coisas maiores. Fortaleza. Celigráfica, 2009, pág. 59.
6 Ibidem. Pág. 55.
7 Saraiva, GEOVANE (padre). A Esperança tem nome. Fortaleza. Celigráfica, 2011, pág. 117.
8 Ibidem. Pág. 137.
9 Saraiva, GEOVANE (padre). O Peregrino da Paz. Fortaleza. Celigráfica, 2009, pág. 42.

Pe Geovane Saraiva, Pároco de Santo Afonso
*pegeovane@paroquiasantoafonso.org.br
http;//WWW.paroquiasantoafonso.org.br

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