26/12/2011

Dom Helder: fotos - sonhos e utopias!

Fotos de Dom Helder Câmara

Um homem - no século XX - esteve sempre à frente do seu tempo. Uma pessoa especial, de vida comum, como qualquer brasileiro, mas de destinação universal, pela sabedoria e coragem com que se entregou à missão escolhida: a de ser Padre. Sua vida foi um exemplo vivo de santidade e ousadia. Arrojado, nada permanecia igual depois dele... Cearense, franzino, filho de uma família numerosa, foi luz para a Igreja que escolheu como Mãe e a mais importante voz desse século. Chamava-se DOM HELDER CÂMARA

Sonhos e utopias

Palavras proferidas pelo padre Geovane Saraiva por ocasião da outorga da Medalha de Defesa dos Direitos Humanos Dom Helder Câmara concedida pela Câmara Municipal de Fortaleza.

“E
u tenho fome e sede de paz. Dessa paz do Cristo que se apóia na justiça. Eu tenho fome e sede de diálogo, e é por isso que eu corro por todos os lados de onde me acenam, à procura do que pode aproximar os homens em nome do essencial... E falar em nome daqueles que são impedidos de fazê-los” (Dom Helder Câmara).
Neste início de noite deste abençoado 21 de novembro de 2011, estou muito alegre, sensibilizado e feliz, ao ser distinguido, pela Câmara Municipal de Fortaleza, na pessoa da querida vereadora Eliana Gomes, do PC do B, com a Medalha de Defesa dos Direitos Humanos Dom Helder Câmara. Quero agradecer também aos seus pares, vereadora. Meu agradecimento muito especial a amiga Olinda Marques, Secretária da Regional III. O meu olhar confiante e terno para com Deus que se revelou no seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, como aquele sinal pedido pelos judeus e aquela sabedoria desejada pelos gregos e que para a humanidade inteira é a salvação ansiosamente esperada, presente em cada pessoa humana (cf. Jo 3, 13-22). Não posso esquecer jamais o bom povo da Parquelândia, os empobrecidos, os sonhadores e admiradores de Dom Helder.
Somos templos de Deus e ao mesmo tempo chamados a ser, a exemplo de Dom Helder Câmara, o artesão da paz, o profeta da esperança, dos grandes sonhos e utopias, a viver como ele viveu como anunciadores dessa mesma  esperança, por ele proclamada, ao alimentar em nós aquele profundo desejo de transformação do mundo e também a idéia de que outro mundo é possível.
Nunca podemos deixar de declinar e disso não podemos prescindir e digo, que modo resplandecente, o nome de Dom Helder Pessoa Câmara, este que o consideramos o maior brasileiro de todos os tempos. Com Dom Helder o humanismo sempre prevaleceu, e de um modo sempre crescente, seja no campo cultural e intelectual, econômico e social, ensinando a nos convencer sempre e cada vez mais que a pessoa humana na sua dignidade é um dom maravilhoso do Pai e neste raciocínio guardemos seu pensamento: “A melhor maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes” (Dom Helder Câmara).
Predestinado para as coisas maiores, possuidor de uma força incansável, com muita alegria e esperança no coração, totalmente convertido a uma grande tarefa de construir Reino, a utopia mais bela e maravilhosa, Dom Helder não se acostumou, a ponto de se indignar com a miséria humana, porque ela fere o rosto do Deus Criador e Pai e contraria sua vontade. Por isso mesmo, decidiu, com muita obstinação e a ternura do “Bom Pastor”, levantar firmemente a voz e lutar, com o desejo de derrotá-la.1
Segundo o grande teólogo José Comblin, falecido no início deste ano 2011, aos 88 anos, que conviveu muito de perto com o querido arcebispo de Olinda e Recife: "Ele era um articulador de primeira grandeza, com noção de que, às vezes, sua influência seria maior se ficasse calado e não se manifestasse". Muitas vezes seus próprios colegas bispos ignoravam de onde vinham às excelentes propostas e contribuições que estavam votando, narra José Comblin. 2
Já bem antes do Concílio, às vésperas da inauguração de Brasília, Juscelino Kubitschek chamou Dom Helder e o convidou para ser o prefeito da nova capital federal, sendo insistente. Afirmou que tinha o parecer favorável de todos os líderes partidários, depois de consultá-los. Dom Helder recusou polidamente, dizendo: "Hoje, senhor presidente, eu estou aqui, frente a frente, debatendo com o senhor pontos de vista com absoluta liberdade e sem condicionamentos de qualquer ordem. No dia em que me incorporar ao seu grupo de comando, dentro das injunções concretas das práticas políticas, eu estarei amarrado, balançando a cabeça para concordar com o que o senhor disser, deixando de lhe trazer a colaboração original e independente da Igreja. Eu quero ter sempre um canal de diálogo livre e respeitoso com o Estado para cobrar o seu dever. Quero fazê-lo em nome de Deus e do povo. Quero ser a boca dos que não têm vez nem voz".3
Deus fez o homem com uma imaginação fértil e criadora, chamando-o para participar da sua natureza divina. Aí está sua grandeza. A terra tornou-se pequena para comportar a criatura humana, grandiosa na sua capacidade de imaginações e realizações em todos os sentidos. Padre Manfredo Oliveira, cearense de Limoeiro do Norte, grande figura humana e um dos maiores filósofos da atualidade, na sua mente dadivosa, foi extremamente feliz, ao afirmar que Dom Helder não cabia dentro da Igreja. Certamente ele queria enaltecer sua força imaginadora, talentos, sensibilidade e a inteligência privilegiada do pastor dos empobrecidos, que com habilidade soube perceber todas as novidades e desafios do século XX e colocá-los no seu coração, procurando dar-lhes uma resposta, indo ao encontro da criatura humana, com sua dignidade, imagem e semelhança de Deus. 4
No último versículo do Evangelho de São João o autor sagrado afirma que o que Jesus realizou, neste mundo, é belíssimo e maravilhoso e, se tudo fosse escrito, livro algum caberia. O milagre da multiplicação dos pães (Mt 14, 13-21), finda dizendo: Os que comeram dos cinco pães e dos dois peixes eram cinco mil homens sem contar mulheres e crianças. Estudiosos e especialistas da Palavra de Deus, sem negar, evidentemente, a divindade do Filho de Deus, acham um exagero, para aquele tempo, alimentar aquele grande número de pessoas. Deus fez o homem com uma imaginação fértil e criadora, chamando-o para participar da sua natureza divina. Aqui está sua grandeza, 5 e a do querido pastor dos empobrecidos.
Já o Cardeal Aloísio Lorscheider falava de Dom Helder, assim: "Foi um corifeu, com uma visão de futuro e com grande influência, muito respeitado e inquieto como uma barata tonta: Sua tribuna foi sua sabedoria em agir e articular nos bastidores", com uma oratória vibrante e com gestos rasgados que sensibilizavam e arrebatavam as multidões. 6 Sua força imaginadora, sua criatividade e, sobretudo, sua capacidade de produzir e realizar as coisas foram extraordinárias, fazendo surgir uma nova Igreja, uma Igreja marcada, profundamente pela esperança, como ele afirmava: “Esperança é crer na aventura do amor, jogar nos homens, pular no escuro, confiando em Deus”. Ele se antecipou, em idéias e vestes, ao “aggiornamento” que o Papa João XXIII promoveu e com o qual iria revolucionar, não apenas a Igreja, mas o mundo hodierno. 7
Dom Helder foi um articulador, na melhor expressão da palavra, um conspirador, pensando no bem, com suas iniciativas, compartilhadas por muita gente da Igreja, desejando fazer com que a Igreja-Instituição se comprometesse e se engajasse na causa dos empobrecidos, identificando-se com seu Fundador e Mestre, Nosso Senhor Jesus Cristo. Pensava e desejava ele uma Igreja mais pobre e mais servidora. O “Pacto das Catacumbas”, documento desafiador e ao mesmo tempo salutar, 16 de novembro de 1965, que foi uma excelente oportunidade para uma boa parte dos bispos pensarem e refletirem sobre eles mesmos, no sentido de viver na simplicidade e na pobreza, numa Igreja encarnada na realidade, comprometida com seu povo, renunciando às aparências de riqueza, dizendo não às vaidades, consciente da justiça e da caridade. 8
Ele não só pensou e imaginou, mas teve clareza e persistência e, com suas idéias fixas, aspirou por um mundo segundo a vontade Deus, de tal modo que os seus sonhos e utopias transformaram-se em realidade. Essa afirmação nos faz pensar nas suas obras e realizações em favor da humanidade. É só olhar para seus escritos, poemas e pensamentos. Sua fidelidade a Deus e ao povo o fez manter-se acordado, olhando para dentro de si e, ao mesmo tempo, externando-a através desses mesmos ideais.
Como Abraão, acreditou, sem jamais perder a esperança. Daí as marcas profundas deixadas por este homem de Deus. Após o seu centenário, percebemos, com todas as evidências, tudo o que ele representou para o Brasil e para o mundo, como símbolo, como patrimônio e, sobretudo, como referencial. Por isso, mesmo que alguém ou grupo tente ofuscar ou neutralizar, não irá destruí-lo nunca. A história o tem e o terá sempre como imortal. Dom Helder, pastor da paz e da ternura, sentia-se honrado quando seus inimigos o acusavam de utópico, porque se aproximava do “cavaleiro andante”. Dom Helder dizia-lhes: “Comparar-me a Dom Quixote, está longe de ser uma nota depreciativa” e acrescentava: “Ai do mundo se não fosse a utopia, ai do mundo se não fossem os sonhadores”.  Que o nosso bom Deus nos anime e nos encoraje, para que possamos, a seu exemplo, superar os obstáculos, próprio da vida, quando afirmava: "Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

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1 SARAIVA, Geovane (Padre). Nascido Para as coisas maiores. Fortaleza: Editora Celigráfica, 2009, p. 33.
2 SANTIAGO, Vandeck. Revista Continente. 100 anos de Dom Helder. N0 98. 
3 SARAIVA, Geovane (padre). Dom Helder: forte e habilidoso. Boa Notícia, 2011.
4 Ibidem, p. 39.
5 Ibidem, p. 40.
6 Tursi, Carlo; Frencken, Geraldo (Org.). Mantenham as lâmpadas acesas: revisitando o caminho, recriando a caminhada. Fortaleza: Edições UFC, 2008, p. 65.
7 Ibidem, p. 40.
8 CONY,  Carlos Heitor. Dom Helder aos 80. Revista manchete, 04 de março de 1989.
9 Dom Helder: o artesão da paz. Brasília: Senado Federal. Conselho Editorial, 2009, p. 88.

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