31/01/2012

Dom Helder: "Operação Esperança"

Sonho da terra vira realidade

Com o dinheiro de dois prêmios internacionais, Dom da Paz realizou uma experiência pioneira de reforma agrária em Pernambuco na década de 70
Com orgulho, o agricultor José Manoel Torres, 54 anos, relata a produção do ano passado do Engenho Ipiranga, no Cabo de Santo Agostinho, Grande Recife. Dezesseis mil toneladas de cana-de-açúcar vendidas para as usinas. Outros milhares de toneladas de coco, banana, batata, macaxeira e inhame. Ele e outras 39 famílias ganharam, na primeira metade da década de 70, terras da propriedade. Hoje, são cerca de cem, que sobrevivem do que plantam. A propriedade de 457 hectares foi comprada por dom Helder com o dinheiro obtido em dois prêmios concedidos a ele pela Noruega e pela Alemanha, ambos em 1974, pela sua atuação em defesa da paz. O então arcebispo de Olinda e Recife, que havia chegado à capital pernambucana uma década antes, mais uma vez mostrou-se revolucionário: realizou a primeira experiência de reforma agrária em Pernambuco.
Outros dois engenhos adquiridos por dom Helder passaram para as mãos de trabalhadores rurais: Taquari, em Sirinhaém, na Zona da Mata, e Guaretama, em Bonito, no Agreste, totalizando 1.300 hectares. Os engenhos fazem parte da Operação Esperança, lançada pelo arcebispo em meados da década de 60, logo depois de ele chegar ao Recife. Por meio da iniciativa, o arcebispo pôs em prática o trabalho social da arquidiocese: além de atender a necessidades urgentes dos pobres, como habitação e terra, havia a preocupação, em plena vigência do regime militar, em conscientizar o povo para as questões sociais. O desenvolvimento do Nordeste e a oferta de condições para a promoção humana estavam entre as ações previstas.
“A Operação Esperança foi um grande movimento de base. Nos engenhos, ensinávamos aos trabalhadores que a terra era um direito deles, não um favor. E que eles tinham que diversificar o plantio, não ter apenas lavouras de cana-de-açúcar, para que não ficassem nas mãos dos usineiros”, conta a conselheira do Tribunal de Contas do Estado Tereza Duere, que, na época, foi uma das integrantes do programa. Além dos prêmios conquistados pelo arcebispo, as atividades da operação eram custeadas por entidades internacionais, uma vez que, nesta época, dom Helder recebia muitos convites para proferir palestras na Europa. Ele não cobrava por isso, mas tinha um discurso tão convincente que obtinha ajuda para suas ações.
FRUTOS - Basta ver a produção do Engenho Ipiranga para perceber que a semente plantada lá rendeu frutos. Os agricultores são donos do próprio negócio. De empregados em engenhos de usineiros eles passaram a produtores. “A maior lição que dom Helder e a Operação Esperança nos deixaram foi a união. Ele repetia o tempo todo para a gente ficar unido, que um graveto só era fácil de quebrar, mas um feixe de madeira não”, lembra Severino Abílio da Silva, 75, um dos primeiros moradores do engenho.
“Não deram a terra somente. Fizeram a gente entender que precisávamos andar com os próprios pés, que é da terra que tiramos nosso sustento. A reforma agrária nasceu aqui, é uma história bonita”, complementa o agricultor, que trabalhou 22 anos em um engenho antes de mudar-se para o Ipiranga. “Dom Helder dizia para o povo ficar unido. Hoje trabalhamos em paz. Ele morreu, mas seus ensinamentos continuam vivos”, assegura Severino, orgulhoso ao lado da esposa Helena Silva, 75.
Dos 457 hectares da propriedade, 57 são de uso coletivo. Uma vez por mês, os lotistas têm que trabalhar um dia na área comum, em regime de mutirão. E uma vez por ano, cada dono de lote doa uma tonelada de cana-de-açúcar para a Associação dos Trabalhadores Rurais do Engenho Ipiranga, presidida por José Manoel Torres. Os filhos dos lotistas – a maioria formou novas famílias e continua vivendo no local – pagam 1% do salário mínimo por mês para ajudar na manutenção do engenho. 
A Operação Esperança ainda existe, mas não com a mesma força de antes. Segundo Augusto Costa, que preside a iniciativa, o trabalho que resta é apenas de consultoria aos engenhos. “Damos consultorias esporádicas, sempre enfatizando a necessidade de fortalecimento das associações dos trabalhadores”, explica Augusto, lembrando que na década de 70, no auge da Operação Esperança, houve grandes campanhas de agasalhos, remédios e apoio às ocupações urbanas e rurais.
Para o monge beneditino e teólogo Marcelo Barros, as ideias da Operação Esperança continuam atuais. “Dom Helder não viu nascer o Fórum Social Mundial, mas foi um de seus mais importantes predecessores. Hoje, mais do que nunca, aumenta o número de homens que têm consciência de que a essa economia imposta pelos poderosos do mundo sob o pretexto de globalização, precisamos responder com a globalização da paz, da solidariedade, da justiça e da não violência. A Operação Esperança continua atual e urgente.”

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