28/03/2012

Bento 16 tem o dia político em Cuba

Dissidentes lamentam a prudência e a ausência de apelo pelos presos políticos em discursos do Papa
O Papa orou pelos "cubanos privados de liberdade" e para que o país "avance por caminhos de renovação e esperança"ESTEBAN FELIX / POOL / AFP

O Papa Bento 16 teve nesta terça-feira o dia mais político de sua visita a Cuba, durante o qual terá um encontro com o presidente Raúl Castro no Palácio da Revolução de Havana, e talvez com seu irmão, Fidel.

Pela manhã, o Papa visitou o santuário da Virgem da Caridade do Cobre, padroeira de Cuba, e orou pelos "cubanos privados de liberdade" e para que o país "avance por caminhos de renovação e esperança".

O Papa disse que "suplicou à Virgem Santíssima pelas necessidades dos que sofrem, dos que estão privados de liberdade, separados de seus entes queridos ou passam por graves momentos de dificuldade", afirmou.

"Vim como peregrino até a casa da bendita imagem de Nossa Senhora da Caridade, 'la Mambisa', como vocês a invocam afetuosamente", contou o pontífice ante centenas de fiéis reunidos do lado de fora da Basílica Menor de El Cobre.

O Papa pediu à Virgem para que os jovens "não sucumbam a propostas que deixam a tristeza para trás, em alusão às drogas, ao hedonismo, à prostituição e à permissividade sexual", que a Igreja condena. Também fez uma oração especial pela "população do Haiti, que ainda sofre com as consequências do terremoto de dois anos atrás".

Tradição e João Paulo II
Segundo a tradição, uma imagem de madeira da santa, com a inscrição "Eu sou a Virgem da Caridade", foi encontrada no mar por dois pescadores indígenas e um escravo em 1612. Foi levada então para a mina de El Cobre, perto de Santiago (sudeste da ilha), e ficou associada à história da libertação cubana, especialmente à luta contra a escravidão no século XIX.

"Sua presença neste povoado de El Cobre é um presente dos céus para os cubanos", afirmou Bento 16. Um dos motivos da visita papal é a celebração dos 400 anos da descoberta da imagem da Virgem.

À tarde, Bento 16 se reune com Raúl Castro, com quem deve abordar o estado das relações entre o governo e uma Igreja convertida em interlocutor político privilegiado e muito ativa no terreno social, 14 anos depois da histórica visita de João Paulo II. Raúl Castro esteve presente na primeira fila na missa campal que o Papa oficializou em Santiago de Cuba, na segunda-feira.


Fidel Castro
Mas as expectativas estão centradas num possível encontro entre Joseph Ratzinger e o pai da revolução cubana, Fidel Castro, de 85 anos, afastado do poder desde 2006. Apesar de o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, ter advertido prudentemente na véspera que não sabia dizer se o encontro ocorreria, a reunião parece provável.

Ex-aluno dos jesuítas, Fidel Castro, que expressou sua admiração por João Paulo II, manifestou seu desejo de se reunir com Bento 16 e o Vaticano manifestou a disponibilidade do pontífice. Existem também especulações sobre a possível presença do presidente venezuelano, Hugo Chávez, que se trata de um câncer em Cuba. No entanto, nenhum pedido neste sentido foi feito à delegação do Papa.

Apesar de não haver uma reunião prevista entre o pontífice e a dissidência, a presença papal na ilha agita a oposição e a Igreja tomou distância dos protestos mais violentos.

Medidas “preventivas”
Segundo um grupo de oposição, 150 ativistas opositores foram presos de maneira preventiva nos últimos dias para impedir que se manifestem durante a estada do Papa e os telefones de muitos dissidentes foram desconectados.

"Como parte das medidas repressivas adotadas pelo regime, centenas de telefones fixos e de celulares de dissidentes, jornalistas independentes, blogueiros e outros ativistas da sociedade civil foram desconectados", denunciou a Comissão Cubana de Direitos Humanos, chefiada pelo dissidente Elizardo Sánchez.

De Miami, duas pequenas frotas de exilados cubanos anticastristas devem cruzar nesta terça-feira o Estreito da Flórida com o objetivo de chegar a cerca de 20 km de Havana quando o Papa se reunir com Raul e Fidel Castro, disse seu promotor.

"O mau tempo está colocando em perigo a partida da segunda flotilha, mas a primeira deve sair durante esta manhã para ficar diante da costa cubana às 19h00 local", disse à AFP Ramón Saúl Sánchez, presidente do Movimento Democracia em Miami.

Segundo Sánchez, "é necessário que o mundo saiba que estão prendendo os dissidentes em todo o país e sob técnicas que nem o Papa, nem seu corpo de segurança, poderão se dar conta".

"Estão indo às casas dos dissidentes cubanos para que não se dirijam às igrejas e estão colocando um guarda na porta. Muitos estão tendo seus celulares desconectados", disse, confirmando informações similares divulgadas por outras organizações de exilados cubanos em Miami, onde vive a maior população de opositores ao regime comunista da ilha caribenha.

A prudência de Bento 16, a ausência de um apelo explícito pelos presos políticos ou pela liberdade, são lamentadas por alguns dissidentes.

No entanto, o número dois do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, vai se encontrar com o vice-presidente cubano, José Ramón Machado Ventura, e os temas mais sensíveis dessa visita - presos políticos, embargo americano contra Cuba, direitos dos católicos em campos como o ensino - devem ser abordados nesta ocasião.

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