31/03/2012

O bispo e os espiões de Cristo

Geovane Saraiva *

O caminho do homem que descobre a Deus se assemelha a árvore plantada junto d'água corrente: dá frutos no tempo devido e suas folhas nunca murcham; tudo o que ele faz prospera e é bem sucedido, simbolizando a vida e a felicidade de quem trilha o caminho da lei de Deus (cf. Sl 1, 3). Temos consciência de um Deus caminha conosco na história, embora não esteja com sua presença física, mas está sempre presente, sem nunca abandonar o seu povo. O mundo atual reconhecerá Cristo à medida que os cristãos, a comunidade dos batizados, que querem viver a sua fé, na partilha do pão do dia a dia, o pão do trabalho, da cultura, da educação e da saúde. Tudo isso significa compromisso com a justiça, a paz e a solidariedade, na defesa de todas aquelas pessoas, as quais vivem a margem dos bens da criação, destinados a todos.
Aqui no Ceará, no século passado, a Igreja Católica foi prodigamente favorecida com o ministério e a ação pastoral de um grande sacerdote, nascido em Quixeramobim, aos 24 de julho de 1912, e ordenado em 05 de agosto de 1937, que procurou encarnar o projeto daquele que constantemente está nos dizer: "Alegra-vos! Não tenhais medo!" (Mt 28, 9). Trabalhou incansavelmente nas Paróquias do Mocuripe, Senador Pompeu e Pedra Branca. Em 1958 assumiu, deixando marcas profundas, a Paróquia do Pirambu.
Trata-se Padre Francisco Hélio Campos. Para ele, os pobres eram por demais preciosos e estavam não só na sua mente e no seu coração, mas concretamente no centro do seu trabalho eclesial, dando-lhes extrema importância, pois através deles, a Igreja se aproximava e se fortificava no seu sonho maior, no sentido de se manter viva e fiel ao espírito do Evangelho, consciente de que o salutar processo de evangelização no tempo em que ele viveu tinha que se transformar num processo de discernimento. Com o apoio decisivo do Padre Hélio a comunidade do Pirambu passa a ter visibilidade, sendo fortalecida e ganha forças, recebendo um caráter cristão, tendo por base os princípios da doutrina social da Igreja, com o ponto alto, em janeiro de 1962, acontece a grande marcha do Pirambu, reunindo uma multidão em direção centro da cidade de Fortaleza, reivindicando o acesso à terra e melhores condições de maradia e vida digna daquela população profundamente marcada pelo sofrimento. Depois lhe foi confiado, em 1969, à paróquia de Mondubim. Quando aconteceu a coroação de todo seu trabalho três meses depois, ao ser nomeado bispo da Diocese de Viana, no Maranhão. Infelizmente seus sonhos e projetos de bispo novo, desejoso de colocar em prática as resoluções do Concílio Vaticano II (1962-1965), foram interrompidos, "domino volente", com a sua morte prematura, aos 23 de janeiro de 1975. Já é tempo de pensar no seu centenário de nascimento.
Dom Hélio Campos, com sua mente e seu coração dadivoso, na sua origem religiosa sólida e na sua personalidade extraordinário, devemos muito, primeiro por seu compromisso e sensibilidade com os pobres do Pirambu. Sua experiência pastoral nesse bairro se destacou pelo seu pioneirismo e originalidade, seja no seu profetismo no trabalho promocional com os pobres, seja também por ter iniciado experiência da fraternidade sacerdotal segundo a espiritualidade de Charles de Foucauld, trazendo para Fortaleza os espiões de Cristo, aqueles que se infiltram no mundo do trabalho, favelas e demais realidades, acreditando que o melhor modo de anunciar o Evangelho é o agir no anonimato, proclamar o amor de Deus com a própria vida. A idéia de trazer para cá esse carisma espiritual coincidiu com o tempo em que foi pároco do bairro mais pobre e violento de Fortaleza, ainda hoje estigmatizado, o Pirambu. Dele podemos dizer: "Bem aventurados os promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus" (Mt 5, 9).
Agradecemos ao bom Deus o dom da vida e o mérito do grande Padre Hélio Campos, ao iniciar na terra alencarina a espiritualidade do irmão universal Charles de Foucauld. Na década de cinqüenta vinha sendo divulgada na Igreja pelo fundador dos Irmãozinhos de Jesus, o Padre René Voillaume, sobretudo, através do seu livro "Au Coeur des Masses", Fermento na Massa.
Padre Hélio teve a feliz iniciativa de formar um grupo de colaboradoras leigas que o ajudavam no seu trabalho paroquial, iniciando assim formalmente na espiritualidade dos Irmãozinhos e Irmãzinhas de Jesus. Ao mesmo tempo em que convidou alguns colegas padres para fazerem parte, naquele tempo, da União Sacerdotal Jesus Caritas, hoje Fraternidade Jesus Caritas, na mesma década, culminando com a presença em Fortaleza dos sacerdotes Guy Riobé e Pierre Loubier, responsáveis gerais da "União Sacerdotal Jesus Caritas". O próprio Padre René Voillaume, passando por Fortaleza em 1958, fez uma conferência sobre a espiritualidade de Charles de Foucauld, na faculdade de Filosofia, onde estudavam jovens que depois vieram a formar a fraternidade feminina Jesus Caritas. Ainda consta que uma casa das Irmãzinhas de Jesus foi aberta no Pirambu.
Vivemos num mundo profundamente marcado pela autossuficiência e pela a vaidade dos grandes feitos e êxitos da humanidade. Como seria maravilhoso, no processo de aprendizagem, que nunca a criatura humana se sentisse dona da verdade como algo absoluto. Padre Hélio campos foi sinal e instrumento de Deus e dele podemos continuar aprendendo. Assim como aprendemos do bem aventurado Charles de Foucauld (1858-1916), na sua sede de conhecer a Deus, ao aproximar do confessionário na igreja de Santo Agostinho, em Paris, e dizer ao sacerdote: "Padre, não tenho fé, mas venho pedir-lhe que me instrua". Sem lhe dar tempo de concluir o padre ordenou: "Ajoelha-se e confessa a Deus suas faltas. Então crerá". Temos ainda a inconfundível presença de Maria Nazaré. Ambos os exemplos bem que pode nos ajudar na nossa contribuição, para que como cristãos, sejamos seguidores do Mestre, simples e humilde, mas com a mente e o coração abertos, no sentido de observar as lições ensinadas por Jesus e guardá-las no mais profundo do nosso ser (cf. Lc 2, 51).
Se quiséssemos sintetizar a vida do grande cearense, Dom Francisco Hélio Campos, patrimônio de todos nós cearenses e ao mesmo tempo preparar o seu centenário de nascimento no ano 2012, poderíamos dizer que ele foi um homem da paz, da fraternidade e da justiça, com uma profunda compreensão do ser humano, imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), ao acolher os pobres e os espiões de Cristo.
* Geovane Saraiva é sacerdote da arquidiocese de Fortaleza, CE, pároco da paróquia Santo Afonso.

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