02/03/2012

Professor cria associação para ajudar intelectuais ameaçados pelo mundo

Scholars at Risk' faz ponte entre professores e universidades estrangeiras.
Robert Quinn diz que já ajudou mais de mil estudiosos de diversos países.

Giovana SanchezDo G1, em São Paulo
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Americano Robert Quinn (Foto: Scholars at Risk/Divulgação)Americano Robert Quinn (Foto: Scholars at Risk
/Divulgação)
O sírio Radwan Ziadeh escreveu dez livros, fundou o Centro de Direitos Humanos de Damasco e é hoje uma das principais vozes da oposição ao regime do presidente Bashar al Assad, que comanda uma repressão violenta que já deixou mais de 7.500 mortosna Síria. Ziadeh está fora de seu país - e provavelmente por esse motivo pode continuar seu trabalho livremente. Em 2007,ele entrou em contato com uma organização chamada Scholars at Risk ['Intelectuais em perigo' - site em inglês], que o ajudou a conseguir abrigo nos Estados Unidos, onde ele atualmente é professor visitante no Instituto de Estudos sobre Oriente Médio da Universidade George Washington.
[O G1 publica, nesta quinta e sexta (1º e 2), a série 'Transformadores - pessoas que mudam o mundo', que conta histórias de gente que mudou a própria vida para melhorar a realidade de outras pessoas.Conheça todos os protagonistas da série.]
Assim como Radwan, outras centenas de estudiosos já receberam "asilo acadêmico" em lugares considerados seguros para se trabalhar. Há 10 anos à frente da Scholars at Risk, o professor americano de direito Robert Quinn se dedica a fazer o contato entre intelectuais ameaçados e universidades pelo mundo que se interessariam em um contrato temporário com um professor estrangeiro - uma experiência que "enriquece muito o debate", diz ele.
Aos 46 anos, Quinn explica que o trabalho é imenso e desgastante, mas que, quando pensa que o que faz é parte de um movimento em direção a um mundo que "reconhece que cada ser humano - não apenas alguns, mas todos - tem o direito e a capacidade de pensar por si mesmo", sente-se orgulhoso e feliz.
Veja a entrevista com o professor Quinn:
G1 - Por que você começou o projeto?
Robert Quinn - 
Nós começamos a planejar em 1998, lançamos a rede em 2000, e os primeiros estudiosos foram ajudados em 2001. Acabamos de comemorar o 10º aniversário (da chegada do primeiro estudioso) em outubro passado. Começamos a Scholars at Risk porque percebemos que agora, como no passado, as ameaças e as pressões sobre os estudiosos do mundo inteiro são muito reais e muito sérias - incluindo violência, prisões e ameaças à vida.
O projeto é construído baseado na história de gerações anteriores que responderam a essas ameaças, especialmente nos anos de 1930 e 40 na Europa Ocidental, de 1960 a 70 na Europa Oriental e na URSS, e de 1970 a 80 na América Latina, ocasiões em que comunidades universitárias sofreram muito. Nas últimas décadas, à medida em que o ensino superior e as novas tecnologias de informação democratizaram o conhecimento, a 'Scholars at Risk' assumiu um significado e importância mais amplos, além da comunidade acadêmica, porque é protegendo a liberdade acadêmica que estamos realmente lutando pelo direito de cada pessoa a desenvolver a sua capacidade e participar da sociedade democrática através do aprendizado, questionando e compartilhando suas ideias, de forma segura e sem medo.
G1 - Quais foram as principais dificuldades que vocês enfrentaram e ainda enfrentam?
Quinn - 
Algumas das dificuldades são sempre as mesmas, seja no início ou agora. O financiamento para o projeto nunca é suficiente, porque aqueles que necessitam de ajuda ainda superam em muito os nossos recursos. Já ajudamos mais de mil acadêmicos de mais de 100 países, mas ainda podíamos fazer muito mais. O financiamento vem principalmente de doadores individuais, acadêmicos, bem como de fundações de todo o mundo. Para cada US$ 1 doado, temos alavancado mais de US$ 3 de suporte para os estudiosos, por isso é um programa muito eficaz e eficiente. Mas ainda precisamos de mais ajuda para continuar.
O próximo desafio é mostrar ao mundo que a Scholars at Risk existe, e que estamos prontos para parcerias com colegas de toda parte, especialmente nas comunidades de ensino superior em todo o mundo. Em todos os lugares, já existem pessoas que compartilham nosso compromisso de liberdade de expressão, opinião e pensamento e que acreditam que a comunidade de ensino superior tem uma responsabilidade única para ajudar a trazer um futuro melhor, mais próspero e mais justo futuro, não só para algumas pessoas, mas para todos. Nosso desafio é fazer conexões com essas pessoas o mais rápido possível, para que possamos começar a trabalhar em conjunto e começar a fazer a diferença junto.
O último desafio é que, na superfície, as questões de liberdade acadêmica parecem remotas para pessoas comuns, ou até mesmo para a elite. Mas, quando você realmente entende, vê que a liberdade acadêmica é absolutamente essencial para sociedades livres, democráticas e promotoras dos direitos. Todas as pessoas se beneficiam da liberdade acadêmica, não só com a educação e a bolsa. Os valores da liberdade acadêmica, que clamam pela partilha livre de ideias, de informações e opiniões, criam uma cultura de liberdade, tolerância e respeito que beneficia a todos.
O professor congolês de literatura comparada Felix Kaputu é atualmente professor visitante no Massachusetts College of Art and Design. Ele foi preso, torturado e jurado de morte após ser acusado de participar de um grupo separatista. Agora ele espera reunir-se em breve com a mulher e as três filhas (Foto: Genco Films/Divulgação)O professor congolês de literatura comparada Felix Kaputu é atualmente professor visitante no Massachusetts College of Art and Design. Ele foi preso, torturado e jurado de morte após ser acusado de participar de um grupo separatista. Agora ele espera reunir-se em breve com a mulher e as três filhas (Foto: Genco Films/Divulgação)
G1 - Como é o processo de ajudar um intelectual?
Quinn - 
O processo é simples: eles fazem o pedido diretamente ou são nomeados por outras pessoas, como outros professores. Avaliamos o caso e se ele for qualificado nós fazemos circular a informação para instituições de ensino superior da rede pedindo que eles considerem a criação de uma vaga temporária para o acadêmico para uma visita definida. Então a Scholars at Risk qualifica o intelectual para a ajuda, mas a instituição deve fazer a seleção final sobre quando e quem convidar.
Assim, por exemplo, um estudioso que foge da violência atual na Síria pode ser hospedado por uma universidade de São Paulo por 12 meses, com a esperança de que as condições melhorem e ele possa retornar. Se elas não melhoraram, a visita vai dar-lhe tempo para procurar outras oportunidades. Mas o campus hospedeiro ganha o benefício de ter um visitante inspirador e talentoso, e a comunidade global de conhecimento não perde uma voz importante.
G1 - Como vocês asseguram que as ameaças sofridas pelo intelectual são verdadeiras e não apenas uma tentativa de mudar de país?
Quinn - 
Na grande maioria dos casos, verificar as alegações de ameaça ou perigo não é difícil. Muitas vezes, há documentação, como reportagens de jornais, fotografias, registros de falsos julgamentos ou prisões, etc. Nos poucos casos em que tal prova não existe, buscamos referências e comprovação. Às vezes, isso pode demorar várias semanas ou meses. Às vezes, não conseguimos evidências suficientes. Aí, recusamos o caso.
Mas é importante observar que, embora a questão da fraude é uma presunção natural para quem é novo na realidade do risco, na verdade há tantos casos claros de estudiosos que precisam desesperadamente de ajuda que não podemos ajudar a todos dentro do nosso orçamento limitado. Como resultado, raramente temos que nos preocupar com um caso que está difícil de decidir. Essa é uma das poucas bênçãos de orçamento limitado!.
G1 - Os intelectuais precisam pagar algo para receberem a ajuda?
Quinn - 
Não. Estudiosos que estão fugindo da violência, da prisão injusta ou de ameaças à vida precisam de ajuda urgente. E não é suficiente apenas salvar suas vidas, precisamos ter certeza de que salvaremos suas mentes e vozes, tendo certeza de que eles continuarão trabalhando e contribuindo. Eles são tirados de seus meios de vida e carreiras. Portanto não têm dinheiro para pagar suas contas, e a 'Scholars at Risk' trabalha para dar-lhes sua carreira de volta.
G1 - Quantas pessoas vocês já ajudaram?
Quinn -
 Mais de mil. Mais de 400 estudiosos foram ajudados com proteção temporária da rede de universidades, faculdades e instituições membros. Outros 600 foram ajudados com conselhos, encaminhamentos, formações e de outras maneiras.
G1 - Qual é a ameaça mais comum enfrentada pelos intelectuais?
Quinn - 
As ameaças mais comuns são retaliação à conduta acadêmica ou ao discurso, como conteúdo de palestras ou de publicação, na forma de assédio, violência, prisão ilegal, muitas vezes incluindo a tortura ou ameaças à vida. Ameaças vindas de governos são provavelmente a maioria, mas muitas partem de fontes não-estatais, incluindo grupos paramilitares, criminosos, religiosos ou étnicos etc. Ameaças não intencionais também se qualificam, incluindo os que sofrem por causa de guerras, conflitos armados ou desastres naturais.
G1 - Que países são mais perigosos para os estudiosos?
Quinn - 
Os estudiosos e a liberdade acadêmica estão sob ameaças e pressões sempre que autoridades restringem a transparência, a prestação de contas e os apelos por mudança. Em outras palavras, em toda parte! E a Scholars at Risk tem recebido pedidos de ajuda de estudiosos em mais de 100 países. Isso significa que em mais de 100 países, os estudiosos se definem como "em risco".
Radwan Ziadeh, ativista de direitos humanos sírio, é atualmente visitante no Instituto de Estudos sobre o Oriente Médio da univeridade George Washington. (Foto: Daniel Ommundsen/Divulgação)Radwan Ziadeh, ativista de direitos humanos
sírio, é atualmente visitante no Instituto de Estudos
sobre o Oriente Médio da universidade George
Washington (Foto: Daniel Ommundsen/Divulgação)
Mas é claro que em alguns lugares as ameaças são mais graves e mais violentas. Nos últimos anos, a maioria dos casos tem vindo do Oriente Médio, sendo Iraque e Irã os mais comuns e Síria e Bahrein, aumentando as preocupações.
Na África, Zimbábue, Congo e Etiópia, permanecem sérios. Na América Latina, a situação na Colômbia melhorou nos últimos anos, mas ainda há preocupações na Venezuela e em outros lugares. A violência das drogas no México e na Guatemala é uma grave ameaça também para os estudiosos. Os eventos recentes na Ásia (Mianmar/Birmânia e Sri Lanka) oferecem esperança, mas ainda há um longo caminho a percorrer na China, no Paquistão, no Afeganistão e na Ásia Central. Na Europa, Belarus, Ucrânia e Rússia levantam preocupações. Como você vê, é - infelizmente - uma longa lista.
G1 - Eles geralmente voltam ou vivem para sempre fora de seus países?
Quinn -
 A maioria dos estudiosos (excluindo as das zonas de conflito como o Iraque) volta  depois de alguns anos. Essa é nossa esperança no longo prazo e nosso objetivo: manter os estudiosos trabalhando para que eles eventualmente possam voltar para ajudar a reconstruir e contribuir para suas sociedades de origem. Mas, mesmo aqueles que não voltam a morar em tempo integral em seus países de origem, todos eles conservam uma certa conexão com a terra natal, geralmente supervisionando alunos ou dando aulas de longe.
Alguns desenvolvem dupla identidade de nações, viajando de um lado pro outro e tornando-se embaixadores de conhecimento entre as suas vidas em casa e no exílio. Essa é a maior diferença entre os estudiosos de hoje e os dos anos 1930 - os intelectuais de hoje estão cada vez mais globais e em trabalham em muitos lugares. É cada vez mais normal para os estudiosos de hoje ensinar em um país na primavera e talvez ensinar em outro no verão.
Devemos esperar a mesma existência multinacional para os estudiosos da Scholars at Risk e de fato esta é uma das grandes contribuições positivas que eles podem fazer para as universidades e faculdades que os acolhem.
G1 - Como você se sente pessoalmente em relação à iniciativa? Vale a pena?
Quinn - 
Estou certo de que para a maioria das pessoas acontece algo parecido, mas geralmente há tanto trabalho importante a ser feito que você não tem o tempo que gostaria para respirar, muito menos sentar e refletir sobre como você se sente. Então você sente sobre o projeto da forma como o petróleo se sente sobre o automóvel - você está tão profundamente dentro dele e ele se alimenta de você e de certa forma te consome e, principalmente, você está acompanhando as explosões nos pistões para ter certeza de que tudo continua.
Mas de vez em quando você sai um pouco do compartimento do motor e você se lembra de que você está movimentando algo grande e que você está fazendo progressos rumo a um destino e, no nosso caso, acho que é um destino muito importante. Eu principalmente recebo esse lembrete em conversas tranquilas com estudiosos que trabalhamos ou com um dos anfitriões do campus ou com alguém de nossa excelente e dedicada equipe.
Eu me lembro de porque isso é importante e para onde estamos indo. Para onde estamos indo é para um mundo que reconhece que cada ser humano - não apenas alguns, mas todos - tem o direito e a capacidade de pensar por si mesmo e de contribuir de forma significativa para as decisões importantes que afetam suas vidas. É um lugar onde se leva a sério a igualdade e capacidade de cada um de nossos irmãos e irmãs e se ajuda a desenvolver essas capacidades. Essa é a função do ensino superior. Então, todos os outros problemas se tornam solucionáveis​​, ambiente, saúde, guerra, gênero, fome ou qualquer outra coisa. Scholars at Risk é um programa pequeno, mas nos aponta, passo a passo, um estudioso de cada vez, uma universidade ou faculdade de aderir à rede de cada vez, a direção para esse lugar. E sobre isso eu me sinto muito orgulhoso e, sim, acho que vale muito a pena.
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