Pe. Geovane Saraiva*
Quero,
antes de qualquer coisa, agradecer ao senhor Francisco Lima Freitas, presidente
desta ARCÁDIA, a Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará, homem
que, na condição de cultor das nossas letras, aliado à arte de se aventurar
nesse belo e maravilhoso campo, com aquela vontade de inebriar e fecundar o
mundo, carente e necessitado de doação e generosidade revolucionário. Também é
meu dever agradecer aos amigos Gilson de Albuquerque Pontes e Francinete de
Azevedo Ferreira, que propuseram o meu nome, juntamente com o presidente, para
ser submetido a este Sodalício, a esta maravilhosa coorte! Meu muito obrigado!
Agradecer
é o meu dever, porque meu nome foi aprovado para integrar o quadro dos Sócios
Efetivos da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará – ALMECE, na
cadeira 61, representando o município de Redenção. Esta entidade que em toda sua
história, com esmerado denodo, contribuiu substancialmente em favor da nossa
cultura e por isso mesmo é orgulho e patrimônio do povo cearense.
O
nosso querido Presidente Lima Freitas usou no convite a expressão “Liturgia
Acadêmica”. Aliás, nós, povo de Deus, que há duas semanas participamos com
grande fervor da Liturgia Pascal, que no
dizer de Santo Agostinho é a “Mãe de todas as celebrações”, que com seus ritos
antigos, com toda sua beleza, sua profundidade poética e, ao mesmo tempo
profética, a nos encantar e estimular na vida de fé e de esperança e também, a nos
desafiar a gostar de viver, neste mundo tão marcado por contradições. Continuando,
a liturgia da Páscoa nos diz que “Este é o dia que o Senhor fez para nós:
alegremos e nele exultemos!” Na ressurreição, Deus nos faz a proposta de
caminhar com seu Filho Jesus, que, apesar de todas as aparências contrárias,
nos fala da vitória e do seu senhorio, que Jesus Cristo é o Senhor, oferecendo-nos
a paz verdadeira e duradoura, no “Duelo forte e mais forte, na vida que venceu
a morte!”.
É
claro que pela fé experimentamos a gloriosa ressurreição do Senhor, ao
despertar em nós Igreja o espírito filial para que, inteiramente renovados,
possamos servir a Deus de todo o coração, não obstante alguns rejeitem este
evidente mistério, tão grande e insondável, andando na contra mão da história. Michel
Ongray, filósofo francês mais lido da atualidade, diz que as três grandes
religiões monoteístas: cristianismo, islamismo e judaísmo, vendem ilusões e
devem ser desmascaradas como o rei da fábula de Andersen, quando afirma que as
mesmas exaltam a submissão, a castidade, a fé cega e o conformista em nome de um
paraíso fictício, depois da morte. O referido filósofo escreve em linguagem
acessível, a mesma que emprega ao lecionar na cidade Caen, no norte da França.
Ali fundou uma “universidade popular” que atrai milhares de pessoas para ouvir
suas palestras diárias e gratuitas sobre filosofia, artes e política. Ongray
afirma de um modo categórico que só o homem ateu pode ser livre, porque Deus é
incompatível com a liberdade humana. Se Deus existe, eu não sou livro; por
outro lado, se não existe, posso me libertar, afirmando que a liberdade nunca é
dada. Ela se constrói no dia-a-dia.
Em
contraposição às palavras de Michel tomemos as palavras das Sagradas Escrituras
ao afirmar: "Vós, fostes chamados à liberdade,
irmãos. Entretanto, que a liberdade não sirva de pretexto para a carne, mas,
pela caridade, colocai-vos a serviço uns dos outros. Pois toda a Lei está
contida numa só palavra: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Mas se vós
mordeis e vos devorais uns aos outros, cuidado, não aconteça que elimineis uns
aos outros. Ora, eu vos digo, conduzi-vos pelo o Espírito e não satisfareis os
desejos da carne” (Gl 5, 13-16). Ao
falarmos aqui na ressurreição do Senhor, falamos também em liberdade, pois com
a morte e ressurreição de Cristo no mistério pascal, confiado à Igreja, todos
nós somos livres na graça, confirmo tomando a palavra de Santo Agostinho onde diz
em sua obra “O Livro Arbítrio” que a verdadeira liberdade se baseia em vivermos
na graça de Deus, pois o livre-arbítrio (poder de escolha) que é um bem e um
elemento positivo não é ainda a liberdade, mas só é livre aquele que se esforça
para fazer a vontade de Deus.
Ao
acreditar e colocar a nossa fé diante do Senhor ressuscitado, significa ficar do
lado da vitória daquele parecia totalmente vencido, humilhado e derrotado. O
que para uns parecia tolice e para outros foi um tremendo absurdo, na liturgia pascal
é a fonte da vida da Igreja. É a celebração do sacrifício do Corpo e do Sangue
de Jesus Cristo, no altar, pelo ministério do sacerdote. É ação do povo e em
favor do povo. Na verdade, no dizer do Apóstolo Paulo é sabedoria e poder de
Deus (cf. 1Cr 1, 17-31).
Portanto,
nesta “Liturgia Acadêmica”, nós que, a exemplo de Lima Freitas à frente da ALMECE,
somos chamados a ser cultores de nossas letras, através de livros, contos,
poesias (...). Por isso mesmo recito um soneto do nosso grande poeta Horácio
Dídimo:
I
Cada livro é uma árvore
Ondulada pelo vento
É papel e personagem
Pendurado no seu tempo
Usa capa e contracapa
Comentário nas orelhas
Nariz na folha do rosto
Sumário nas sobrancelhas
Ondulada pelo vento
É papel e personagem
Pendurado no seu tempo
Usa capa e contracapa
Comentário nas orelhas
Nariz na folha do rosto
Sumário nas sobrancelhas
Cada Livro é uma nuvem
Carregada de palavras
Chovendo pelos caminhos
Cada livro é um oásis
Onde as aves bibliófilas
Vão preparar os seus ninhos.
E nesta
circunstância, ao assumir a cadeira 61, representando município de Redenção, é para mim, uma honraria que vai além das minhas expectativas mais
otimistas de reconhecimento do meu desempenho na vida pública e sacerdotal.
Confesso-me, pois, profundamente envaidecido. Esconder tal sentimento seria
faltar com a sinceridade.
O nome
de Redenção nasceu há 129 anos, do brado da liberdade, em primeiro de janeiro
de 1883, quando o município, que tinha o topônimo de Acarape, ao libertou os
escravos, cinco anos antes da libertação dos escravos no Brasil. A Vila do
Acarape, atual Redenção, emancipou seus escravos há menos de um ano antes da
província do Ceará, guardando na memória essa boa gente de Redenção, num gesto
profundamente heróico, de ter libertado 116 escravos. Desse modo a referida
cidade se envaidece de ser conhecida, carregando consigo a marca da liberdade,
numa imorredoura simbologia.
Por isso
mesmo o nome Redenção, quer significar nessa mesma simbologia LIBERDADE. Apesar
de ter sido a primeira cidade a libertar os escravos, na data memorável de 1º
de janeiro de 1883, esse acontecimento não ficou apenas marcado e reconhecido
como sinal histórico nacional, mas resultou num fato ainda mais importante: demonstrando
para todo Brasil um ato profundamente humanitário, grandioso e sublime, no
âmbito dos direitos e da dignidade da pessoa humana, orgulho para a população
da cidade de Redenção.
E é
nesse mesmo contexto fundamentalmente simbólico que nasce a Universidade
Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira – UNILAB, em Redenção – Ceará,
atendendo a um clamor e um grito dos empobrecidos e excluídos do nosso imenso
Brasil, marcado pelo sofrimento e pela escravidão. Ao mesmo tempo, quer
despertar em nós, a consciência que a pessoa humana, na sua autonomia,
compreensão e realização pessoal, não pode ser vista de outro modo, a não ser
através da educação e da cultura, como algo concreto, na direção da inclusão
social e de sua aproximação com os seus semelhantes. Acho bem apropriada
para esse contexto a expressão de Jesus no seu Evangelho: “Não são os que têm
saúde que precisam de médicos, mas sim os doentes” (Mt 9, 12).
No
Brasil, as elites nunca tiveram a preocupação de democratizar a educação. A
omissão da mesma teve como consequência o atraso do nosso povo. Podemos olhar
para o conjunto da América Latina, a partir do século XVI, bem na nossa frente,
com suas boas universidades, enquanto que o Brasil, só a partir do século de
XIX, é que surgem os primeiros cursos iniversitários. A cidade de Olinda é a
primeira a ter seu curso universitário. A Universidade de São Paulo teve o seu
início em 1934. País algum no mundo poderá avançar, com passos significativos,
na justiça e no crescimento social, se não colocar a educação bem no centro, no
âmago, como prioridade.
De modo
que é mais do que urgente uma consciência, sempre e cada vez maior, de que
nenhuma mudança acontecerá entre nós, se não traçarmos no objetivo de nossas
decisões a educação, como um novo paradigma no processo social e político,
mesmo diante de muitas contradições e desafios.
O
governo brasileiro, no momento atual, apesar das dificuldades no campo
educacional, está cumprindo um papel relevante, vivendo uma boa fase e
realizando um belo e edificante trabalho. A iniciativa da instalação da
Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira – UNILAB é algo
maravilhoso. Nossos aplausos!
É um
caminho novo e democrático que surge com a implantação da UNILAB. Que seja de
fato o objetivo de atingir o foco da coisa, indo ao encontro das minorias;
daquelas pessoas que têm mais dificuldades, os pequenos e os mais fracos. Uma
educação cada vez melhor, com inclusão social, é o sonho e desejo de todos.
Nesta nossa Liturgia Acadêmica, me volto mais uma vez para o
Professor Horácio Dídimo, precedido de Mário Quintana: “Se eu fosse um Padre,
eu, nos meus sermões/ não falaria em Deus nem no pecado/ muito menos no Anjo
rebelado/ e nos encantos das suas seduções/ não citaria os Santos
Profetas: /nada das suas celestiais promessas/ ou das suas terríveis
maldições... / se eu fosse um Padre eu citaria os Poetas”. E aqui o nosso poeta
por excelência:
II
Livros
são contos e cantos
São
palácios ancestrais
São
circos com saltimbancos
São
templos, são catedrais
Colorido
ou preto-e-branco
Cada
livro tem seu texto
Seu
miolo sua casca
Seu
mercado e seu contexto
Livros
são nomes ou mais
Seres
tridimensionais
Cada um
com sua norma
Cada
livro é uma forja
Um
retrato e um espaço
Um
abraço e uma forma
Encerro
com as palavras, por mim proferidas, na ocasião em que fui distinguido com a
outorga da Medalha de Defesa dos Direitos Humanos Dom Helder Câmara, pela
Câmara Municipal de Fortaleza, iniciativa da Vereadora Eliana Gomes, no dia 21
de novembro de 2011: “Com Dom
Helder o humanismo sempre prevaleceu, e de um modo sempre crescente, seja no
campo cultural, intelectual, econômico e social, ensinando a nos convencer
sempre e cada vez mais que a pessoa humana, na sua dignidade é um dom
maravilhoso do Pai e neste raciocínio guardemos este seu pensamento: “A melhor
maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes” (Dom Helder
Câmara). “o verdadeiro analfabeto é aquele que aprendeu a ler e não lê”.
* Geovane Saraiva é sacerdote da arquidiocese
de Fortaleza, CE, pároco da paróquia Santo Afonso. E-mail:
pegeeovane@paroquiasantoafonso.org.br
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