20/07/2012

Preparação para a 5a. Semana Social Brasileira


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domguilhermeDom Guilherme Werlang, bispo de Ipameri (GO) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade,  Justiça e Paz da CNBB, concede entrevista e trata de vários e importantes aspectos da 5a. Semana Social Brasileira que  se realiza de 22 a 25 de maio de 2013  e está em sendo preparada em todo o Brasil.
Confira a entrevista dada ao jornal da Diocese de Santa Cruz do Sul (RS).
O que são as Semanas Sociais Brasileiras? Quando iniciaram? Estão mais ligadas ao trabalho social da Igreja?
D. Guilherme. É já uma tradição da Igreja no Brasil, que vem desde 1991, quando foi lançada a primeira semana social para celebrar os cem anos da Encíclica Rerum Novarum (1891) do Papa Leão XIII, que foi o primeiro “documento encíclica” a trabalhar de forma oficial a Doutrina Social da Igreja. Esta encíclica marcou o início da sistematização do pensamento social católico, chamado normalmente “Doutrina Social da Igreja Católica”. Claro que desde o tempo dos Apóstolos e dos Santos Padres a Igreja tem muitos escritos que apontam as questões sociais, a justiça social e a caridade como decorrência do Evangelho e exigência da verdadeira vida cristã. Mas, após o novo desenho e estrutura social que surgem com o Iluminismo, a Revolução Francesa, o Capitalismo, a Urbanização, a Indústria e o proletariado, este documento papal é, para a Igreja, o Marco Referencial dos demais documentos subseqüentes.
A V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho de Aparecida destaca alguns campos prioritários e tarefas urgentes para a missão de todos os discípulos/as de Jesus Cristo no hoje da América latina e do Caribe: Justiça social, dignidade humana, opção pelos pobres e excluídos, renovada pastoral social, globalização da solidariedade, justiça internacional e cuidado com os rostos sofredores que doem em nós (cf DAp., 380 a 430). Portanto, a Semana Social deve envolver toda a Igreja e não apenas as pastorais sociais.

02. Quem são os organizadores e mentores das Semanas Sociais Brasileiras?

D. Guilherme. As semanas sociais brasileiras são inspiradas em semanas sociais de vários países da Europa, especialmente da França e Itália, países que já realizaram dezenas de semanas sociais. As Semanas Sociais Brasileiras são uma iniciativa, promoção, organização e coordenação geral da CNBB, mas elas pertencem à sociedade civil. A CNBB por meio das Dioceses e Paróquias, não realiza sozinha as Semanas Sociais. É um serviço que a CNBB oferece à sociedade brasileira. Portanto, os legítimos sujeitos das Semanas Sociais são os grupos sociais que aceitam o convite da CNBB e que se organizam para participar dos debates. Muitas vezes estes grupos da sociedade civil oferecem acréscimos e enriquecem o tema inicialmente proposto pela CNBB. Ampliam a visão e entram verdadeiramente na base do tecido social. Todas as Paróquias, Congregações Religiosas e suas Obras, pastorais e movimentos eclesiais, as comunidades eclesiais de base, os movimentos sociais, as organizações sindicais e as todas forças vivas da sociedade são chamadas/os a participarem como protagonistas do processo da 5a. Semana Social Brasileira. A CNBB não “dirige”, apenas orienta o processo. Convida Movimentos Sociais e representantes da Sociedade Civil para participarem da Equipe de Coordenação, o que sempre é uma riqueza. Cada vez mais devemos aprender a dialogar e trabalhar em equipe. Ninguém faz nada sozinho.
Como a realização da 5a. Semana Social Brasileira foi aprovada por unanimidade pelos bispos na Assembleia Geral de 2011, a CNBB confia sua realização à Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, a qual eu presido neste quadriênio.


03. Quantas Semanas Sociais já aconteceram? Há conquistas e vitórias que merecem uma comemoração ou celebração muito especial?
D. Guilherme. Já tivemos quatro (4) Semanas Sociais Brasileiras. Delas muitos bons frutos já foram colhidos.  Destacamos o fortalecimento das Pastorais Sociais e sua articulação com os Movimentos Sociais, o Grito dos Excluídos, o Jubileu Sul, que trabalha a questão da dívida externa, a criação da ASA – Articulação do semi-árido, que tem construído 450 mil cisternas de captação de água de chuva no nordeste, o fórum das pastorais sociais, os plebiscitos, em especial contra a ALCA, a Assembleia Popular e, sobretudo, o despertar da consciência cidadã de muitos cristãos.

04. O tema da Semana é o Estado para que e para quem? Por que esse tema? Não é um tema da sociedade civil e mais ligado aos políticos e legisladores?
D. Guilherme. Todos os temas que dizem respeito ao ser humano também devem dizer respeito à Igreja. Temos plena consciência que se as reformas políticas e do Estado dependerem apenas dos políticos e legisladores, muito pouco poderemos esperar. O máximo que eles propõem são pequenos remendos, mas sem mexer na estrutura. O Estado brasileiro já foi criado para servir a grupos de interesse e não para todos os cidadãos e cidadãs que aqui viviam e vivem. Muitas vezes se usa e expressão: “ausência do Estado”. Creio que isso não existe. O que normalmente existe é a “presença” do Estado, mas do lado errado, isto é, não do lado do Povo, mas de pequenos grupos detentores de poder econômico e ou poder repressivo e punitivo. Muitas vezes os políticos e legisladores defendem interesses particulares de grupos, empresas e até de estrangeiros. Basta ver o fiasco que está o “Código Florestal” que de “Florestal” tem muito pouco. Participar da construção de uma sociedade justa e solidária faz parte da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. O Concílio Ecumênico Vaticano II afirma que a comunidade dos discípulos, que é a Igreja, está no mundo e sua missão consiste em ser sinal e instrumento do Reino de Deus na sociedade.  E ainda: a primeira missão que Jesus confiou à sua Igreja não é de ordem social, política ou econômica, mas de ordem religiosa. Porém, desta dimensão religiosa, pode a Igreja extrair força e luz para ajudar a organizar a sociedade humana em seus aspectos políticos, sociais e econômicos, de acordo com os mandamentos da lei de Deus (cf GS 42).
No documento 91 da CNBB, “Por Uma Reforma do Estado Com Participação Democrática”, nós bispos afirmamos que “os novos sujeitos históricos colocam problemas que o Estado, na sua conformação atual, e o processo democrático, atualmente praticado, não estão preparados para responder. No surgimento de novos grupos sociais, as novas perguntas não obtêm respostas adequadas. Assim, o problema não é “o” Estado, mas “esse” Estado. Não entendemos que se deva ter em mente a inexistência do Estado, e sim, lançar sobre o Estado que temos um olhar crítico para verificar que outras formas podem ser buscadas”. (Doc. 91 da CNBB, 31).
Conscientes de que os novos sujeitos sociais exigem novas estruturas de participação democráticas, queremos, com a 5a. Semana Social Brasileira, criar canais de diálogo e de participação efetiva, para que a sociedade civil encontre mecanismos jurídicos que coloquem o Estado em movimento em direção da massa dos excluídos, ouvindo os seus clamores.  Dessa forma, questionamos a atual forma de democracia, com seus ritos e com seu arcabouço jurídico. Tal modelo de democracia não mais responde a seus anseios e necessidades como cidadãos e sujeitos políticos. Queremos, para além da democracia representativa, uma efetiva democracia participativa.


05. É importante a Diocese e as paróquias se voltarem para o para evento dessa natureza? Por quê?
D. Guilherme. Há um apelo que vem do próprio Papa Bento XVI que serve de alerta às Igrejas. Segundo ele, o aumento sistemático das desigualdades entre grupos sociais no interior de um mesmo país e entre as populações dos diversos países, ou seja, o aumento maciço da pobreza em sentido relativo tende não só a minar a coesão social - e, por este caminho, põe em risco a democracia -, mas tem também um impacto negativo no plano econômico com a progressiva corrosão do ‘capital social’, isto é, daquele conjunto de relações de confiança, de credibilidade, de respeito das regras, indispensáveis em qualquer convivência civil. (Caritas in veritate, Bento XVI, 32).
Sendo assim, é fundamental a participação das dioceses e paróquias nestes debates, inclusive para ajudar a consolidar, aprofundar e salvar a democracia em nosso País. Ainda temos uma democracia muito frágil. Para ser plena, a democracia precisa assegurar a todos os cidadãos e cidadãs uma participação direta nas decisões que afetam a vida, sejam estas de ordem política, social, cultural, econômica ou religiosa. Nós temos ainda uma democracia muito representativa e pouco participativa. A democracia representativa mostra seu limite quando as decisões ficam exclusivamente nas mãos dos eleitos. Daí a necessidade de ela dar um salto para uma democracia participativa que implica na criação de mecanismos que assegurem a participação popular. É um equívoco reduzir a democracia ao voto livre e consciente. Se pararmos no voto, a democracia fica manca. Isso, infelizmente, temos visto, favorecendo aos que assumem o poder para dele se servirem em benefício próprio ou de seu grupo. O Papa João Paulo II, na encíclica “Centesimus Annus”, dizia que a democracia não pode “favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos”. Certamente nenhuma outra organização social tem a capilaridade da Igreja Católica em nosso país e nem tão pouco, a capacidade de organizar o povo para uma participação efetiva e permanente nos assuntos que são de interesse social. Assim, as dioceses e paróquias que se furtarem a neste momento histórico de uma participação neste debate, negam sua ajuda na construção do Estado brasileiro que queremos. Não podemos separar “fé e vida”.

06. Que resultados se esperam na Igreja do Brasil (dioceses e paróquias) dessa 5a. Semana Social Brasileira?
D. Guilherme. No Brasil há um grande descompasso entre “intenções democráticas” e as “estruturas antidemocráticas”. Isso tem deixado profundas marcas nos indivíduos, na sociedade e nas instituições, afetando a própria Igreja em sua missão evangelizadora. Vivemos também a contradição entre o crescimento econômico e o declínio social. De um lado, a concentração dos bens e de outro lado, a exclusão social. Há também uma violência às vezes velada e outras vezes aberta, promovida pelas estruturas do Estado.
Há uma orquestração para nos fazer crer que a violência vem das ruas, dos movimentos sociais, quando estes reivindicam mais democracia, mais participação nas decisões de governo, sobretudo, no que se refere à defesa de seus territórios, da Constituição Brasileira e das críticas e oposição aos grandes projetos, que sempre vêm acompanhados de seus desastres para a vida humana, o meio ambiente e as gerações futuras.  Estes sofrem o processo de criminaliazação por parte do aparato punitivo do Estado. Doutro lado, a população percebe bem o tratamento diferenciado que é dado àqueles que são os verdadeiros sanguessugas da Nação e do Estado.
Temos que deixar sempre mais claro que Estado e Poder, Estado e Governo não são a mesma coisa. Nenhum Governo é o Estado. O Governo deve ser um serviço prestado, mas não é o Estado. Muitas vezes quem é eleito para um cargo de governo acha que é “dono” do poder e do Estado e se identifica com o próprio Estado e nós ficamos quietos e até achamos que estão certos. Isso tem que mudar. Nós temos que mudar nossa compreensão e ação.
Com este debate sobre o Estado, lançado nas ruas, queremos contribuir na superação dessa contradição fundamental existente na estrutura do Estado, no qual atestamos que falta Brasil para os brasileiros. Queremos resgatar, descobrir e dar visibilidade a tantos gestos de um novo Estado vividos nos porões da sociedade, mas que estão na sombra. Sabemos que o Estado é um estado, por isso, buscamos um Estado do Bem viver, do conviver e do pertencer para todos os brasileiros.

Para mais informações sobre a 5a. Semana Social Brasileira:
http://www.semanasocialbrasileira.org.br/

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