14/08/2012

Maria Rita em paz com Elis


Revista Época
Assisti aos três dias de apresentação do show Redescobrir em São Paulo. Maria Rita cantando o repertório da mãe. A turnê que vem rodando algumas cidades brasileiras desde o mês de junho é resultado do sucesso das cinco apresentações gratuitas que a cantora fez no primeiro semestre dentro do projeto Viva Elis. O público pediu e Maria Rita, que antes descartava essa possibilidade, acabou cedendo e caiu na estrada com o show.
A sensação que eu tive é que Maria Rita, pelo menos no palco, enfim, está em paz com Elis e com todos os ônus e bônus que ser filha e cantora de uma artista do tamanho de Elis possa ter. Na vida pessoal, disse, em entrevista ao Fantástico deste domingo (12), que há um “buraco” dentro dela, em referência à ausência da mãe, de quem ela diz não conseguir lembrar nem mesmo o rosto (Maria Rita tinha apenas quatro anos quando Elis morreu, em 1982).
Por isso mesmo, se faz corajosa ao encarar essa homenagem. Nas pausas que faz no show para falar sobre a mãe, há uma serenidade de quem já compreendeu escolhas da mãe durante a carreira. Também não há mais medos de assumir que desde pequena ouvia os discos da mãe.
Sente-se livre para imitar a dancinha que Elis fazia em “Arrastão” ou apontar o dedo para o alto no final de “Como nossos pais”. Soam como reverências, e não como mera imitação. As reverências também estão em alguns arranjos da banda liderada pelo pianista Tiago Costa, afinal, nos originais, grande parte deles foram escritos por César Camargo Mariano, que foi marido de Elis e é pai de Maria Rita. Impossível ignorá-los.
Na saída do show, é muito engraçado ver o público secando as lágrimas e dizendo coisas do tipo: “nossa, eu fechava os olhos e ouvia Elis”, “a voz é igual!”. Não é igual. Os registros são parecidos. Afinal, como me disse Nana Caymmi, em uma entrevista que fiz com ela em 2006, muito antes de Maria Rita pensar em cantar Elis: “Ela não imita a mãe. É parecido porque é algo que está no sangue. Queriam que ela tivesse a voz de quem? Da Nana Caymmi?”
Apesar dessa semelhança toda que salta aos olhos e ouvidos do público, e até mesmo acusações de imitação, basta prestar atenção e ver que a personalidade de Maria Rita está presente nessa homenagem à mãe. E a cada dia isso está mais claro.
Falo porque assisti a um dos primeiros show do Viva Elis, no mês de março em Porto Alegre, quando o show, comparado ao que é hoje, parecia ainda engatinhar. O tempo fez bem ao projeto. Ao mesmo tempo em que cresceu, para ter trazido serenidade e segurança para Maria Rita aguentar o tranco.
Acho que agora a grande questão é o que virá depois de algo tão forte. Maria Rita, se quisesse, poderia prolongar essa turnê por mais 1 ou 2 anos. Teria público, sobretudo depois do lançamento do DVD.  Não sei se o fará. Seria melhor que não. Uma outra lição que Elis deixou é a de que é preciso se reinventar sempre. Que a inquietude é a virtude de um artista. Certa vez, em uma entrevista, Elis disse algo como: “quando descobrirem que eu sou verde, eu já vou estar amarela, quando sacarem que eu estou amarela, já vou estar azul”. Que Maria Rita ouça mais esse conselho da mamãe.
Um afago no público

No show de sábado (11), quando foi gravado o DVD, Maria Rita fez a apresentação inteira sem interrupções (as pausas eram apenas para as entradas do maquiador para secar lágrimas e suor do rosto da cantora). Depois do bis, voltou e disse que teria que refazer cinco músicas (“Imagem”, “Arrastão”, “Bolero de Satã”, “Querelas do Brasil” e “Menino/Onze fitas”). Acabou fazendo mais de uma vez algumas das canções. Nisso, enquanto técnicos e músicos decidiam se teriam que repetir mais algum número, o público, que não arredava o pé da casa de show, começou a gritar “Atrás da porta”, música de Chico Buarque lançada por Elis no disco de 1972. A canção jamais havia estado no repertório de Maria Rita.

Surpreendentemente, Maria Rita foi até o microfone e cantou, à capela, a música inteirinha. Sem errar letra, numa interpretação que já parecia digerida em sua cabeça. O ato me pareceu um afago, um agrado para o público que estava ali há pelo menos quatro horas. Não sei se houve tempo hábil para que a equipe que gravava o DVD, liderada pelo diretor Hugo Prata, captasse o áudio ou imagens deste momento. Foi totalmente inesperado, fora do roteiro. Se não entrar no DVD, ficará apenas na memória de quem estava lá. Tanto que, no show de domingo, apesar de alguns pedidos, não teve “Atrás da porta”.
Por falar em público, ele foi muito diferente nos três dias. No sábado, quando a produção do show decidiu abrir pista em vez de mesas na parte inferior da plateia, a coisa estava quente (literalmente, já que o ar condicionado do Credicard Hall parecia não dar conta de deixar o ambiente menos abafado). O público aplaudiu, cantou e gritou muito.
Já na sexta e no domingo, e mais no domingo, o público esteve mais contido. Até a Maria Rita estranhou: “Vocês são sempre quietos assim ou é só por minha causa?”, brincou, no último dia. Claro, as explosões se davam em canções mais conhecidas de Elis, como “Maria, Maria”, “Águas de março”, “Como nossos pais” e “Romaria”, mas nada comparado ao público de sábado, que pareceu ter sacado exatamente o objetivo do show e celebrou com muita vontade, junto com Maria Rita, a memória de Elis.
(Danilo Casaletti)

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