O bicampeão brasileiro de surfe Jojó de Olivença está na crista da onda. Não são as manobras na água que têm projetado o esportista de 45 anos. A razão do reconhecimento é o Projeto Ondas, Surf & Cidadania, que ensina crianças carentes a se dedicar à escola com a mesma empolgação com que encaram uma onda na Praia da Enseada no Guarujá, litoral paulista. O surfe tem lugar cativo em sala de aula. As crianças aprendem a somar e subtrair estudando as regras de pontuação dos torneios oficiais. Aprendem português em exercícios de caça-palavras que escondem nomes de manobras de surfe. Cuidam juntas de uma horta, separam o lixo que produzem, assistem a palestras sobre como empreender e têm lições de cidadania dentro e fora da sala de aula. “Antes da aula, surfe. Depois da aula, também. Esse é o segredo”, diz Jojó.
Tio Jojó, como é chamado pelas 56 crianças que atende, nasceu Juvêncio de Jesus. Baiano do sertão de Apiaú, migrou com a mãe aos 5 anos para a cidade litorânea de Olivença, perto de Ilhéus. Na época, as ondas de Olivença atraíam surfistas de todo o país. A primeira vez que Jojó subiu numa prancha e encarou uma onda foi aos 11 anos. “Senti que não poderia mais abandonar o esporte, embora ainda não soubesse nadar”, diz. A paixão pelo surfe levou-o a lavar louça para turistas em troca de alguns minutos com uma prancha. Fora de temporada surfava em pedaços de isopor ou madeira. Começou a se destacar. Foi duas vezes campeão brasileiro e ficou cinco anos no ranking dos melhores do mundo. Aprendeu a falar inglês e espanhol, conheceu gente importante, ganhou dinheiro. Patrocinado por uma grande marca esportiva, deixou a mãe em Olivença e mudou-se para o Guarujá, onde vive até hoje com a mulher e dois filhos. Ainda disputa o mundial na categoria master por equipe. Foi vice-campeão no ano passado.
Hoje Jojó dedica a maior parte de seu tempo ao Projeto Onda, Surf & Cidadania, criado em 2006. A ideia surgiu depois de montar uma escola de surfe que funcionava em temporadas de férias e ficava ociosa no resto do ano. “Olhava aquelas crianças catando latinhas na praia. Pensava que meu passado foi muito parecido e que poderia ajudá-las a ter um futuro mais digno.”
Com a ajuda de amigos e algumas doações, Jojó começou o projeto. No início, era contador, administrador e professor. Hoje, dedica-se a conseguir recursos para garantir o salário dos funcionários e o futuro de sua obra social. A disputa por uma vaga é grande. A lista de espera é maior que o número de crianças atendidas. O projeto aceita crianças entre 6 e 10 anos, matriculadas em escola pública e com carências econômicas e sociais. Elas têm de provar assiduidade e apresentar seu boletim escolar.
Um exemplo é a menina Ingrid Cristina do Rosário, de 8 anos, que melhorou sua leitura no Projeto Ondas. Como todos os seus colegas, é acompanhada individualmente. Os professores sabem onde cada criança estuda e frequentemente conversam com seus professores na escola. “Elas aumentam o desempenho escolar e passam a acreditar num futuro melhor”, diz Sandra Regina Cardoso, diretora da Escola Municipal Professor Antônio Ferreira de Almeida Júnior, do Guarujá, parceira do projeto. De acordo com ela, as crianças passam a valorizar os livros tanto quanto a prancha.
Ainda há muito a fazer, diz Jojó. As crianças chegam famintas e muitas vezes não têm como repetir o lanche. Algumas sofrem violência física e sexual em casa. Mas os coordenadores da ONG ainda não têm condições de interferir no ambiente familiar. Muitos pais estão desempregados, e a ideia de oferecer qualificação profissional ainda não saiu do papel.
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Jojó se sustenta dando consultoria a uma loja de surfe. No resto do tempo busca doações para seu projeto, que consome cerca de R$ 150 mil por ano. Em 2013 terá um novo desafio. O espaço onde funciona o Projeto Ondas (cerca de 50 metros quadrados) na Praia da Enseada terá de ser devolvido à prefeitura da cidade. Significa que Jojó, a professora Adriana, todos os funcionários e crianças terão de buscar um novo espaço para pendurar a lousa e fincar suas pranchas.
Revista Época
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